quinta-feira, 22 de outubro de 2009

CONDOMÍNIOS EM BAIRROS NOBRES TÊM LIGAÇÃO DIRETA COM A POLÍCIA...

FONTE: *** Bruno Menezes (CORREIO DA BAHIA).
Eram 11h de uma quarta- feira de abril quando Gilmar, pai da pequena Gabriela, 9 anos, foi buscá-la na creche, que fica no Vale das Pedrinhas. Chegando lá, um intenso tiroteio. Com medo, Gilmar ligou pelo menos cinco vezes para o serviço 190 da PM. Sem sucesso. “Espero pela viatura até hoje”, conta.
Ali perto, no Candeal, uma moto parou em frente a um condomínio. Dela, saltaram dois homens sem camisa ( um deles de chinelos), que ficaram observando o edifício. O porteiro Miguel chamou a polícia, que chegou em pouco mais de cinco minutos. Naquele momento, um possível assalto foi evitado.
Segredo: o condomínio é um dos 58 associados ao projeto De Olho na Sua Rua - um convênio firmado entre a Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA) e o Secovi-BA, sindicato que representa o setor de habitação. Assinado em 2006, o convênio consiste no aluguel de um aparelho de radiocomunicação instalado pelo Secovi nos condomínios, que funcionam em linha direta com alguns batalhões da Polícia Militar. Ao todo, sete bairros, todos considerados nobres, foram contemplados com o serviço: Pituba, Itaigara, Horto Florestal, Candeal, Graça, Caminho das Árvores, além do Loteamento Aquárius.

ADESÃO. Miguel utilizou o serviço no Candeal apenas quatro vezes desde que foi implantado. Na primeira, havia um carro com vidros escuros parado em frente ao prédio durante muito tempo, sem que qualquer passageiro desembarcasse. Na segunda vez, um suspeito estava num bar perto e depois se aproximou do prédio. Em ambos os casos, a PM chegou em, no máximo, 15 minutos no local. “Já na terceira chamada, eles demoraram. Havia outro carro suspeito. Uma pessoa embarcou e não saiu mais do carro. Esperei a polícia de 12h30 às 16h”, lembra o porteiro.
Para fazer parte do projeto, o condomínio interessado deve pagar uma taxa de adesão no valor de R$ 350 e uma mensalidade de R$ 150 (segundo o Secovi, pela manutenção dos equipamentos).
Miguel, o porteiro que pode ter evitado um assalto, acha o serviço válido, mas não concorda com a proposta. Para ele, o serviço discrimina os moradores de áreas pobres. “Moro numa área de risco, com alto índice de criminalidade. Enquanto estou no trabalho, me sinto mais seguro com o equipamento. Mas, quando eu chego em casa, se acontecer algo, vou precisar do 190 e depender da boa vontade da polícia”, avalia.

PRECONCEITO.
Quatro Companhias Independentes da PM estão integradas com os porteiros através dos rádios: a 11ª, a 13ª, a 26ª e a 35ª companhias. “Nesses bairros, eles já contam com a segurança dos condomínios e com as rondas frequentes, já que são bairros nobres. E na favela onde moro. Na minha comunidade, faz tempo que não vejo uma ronda. Ou a polícia chega para acabar com um tiroteio ou eles param na entrada, olham e vão embora”, conta Gilmar. “O preconceito é o que mais incomoda. Nem todos na favela são bandidos. Deveríamos ser tratados com um pouco mais de respeito pelas autoridades”.

PREVENÇÃO.
De acordo com a gerente do Secovi, Cleide Moreira, 32 anos, a empresa adotou o sistema apenas como medida preventiva, na tentativa de contribuir com o policiamento ostensivo. “No entanto, não temos aqui os índices de criminalidade que comprovem a efetiva redução nos índices de delitos cometidos nas áreas cobertas pelo projeto”, admite.
Segundo o major Jaime Pinto Ramalho Neto, comandante da 35ª Companhia Independente, a medida é eficaz e não trata os cidadãos com diferença. “A gente acaba chegando mais rápido, já que a denúncia não passa pelas centrais de atendimento”, explica. A PM também não tem os dados de redução de criminalidade.

‘É UM ATENTADO À MORALIDADE’.
“Esse projeto é, no mínimo, um atentado à moralidade”. Assim a promotora de justiça Rita Tourinho, coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa (GAEPP) do Ministério Público Estadual classifica o De Olho na Sua Rua. Para ela, o serviço fere a impessoalidade a qual a polícia deve respeitar e diferencia o serviço prestado às diferentes classes sociais. “Não se pode distinguir quem você vai atender mais rápido. Isso é um absurdo e vamos querer saber como isso funciona de verdade”, afirmou a promotora.
A coordenadora do GAEPP afirmou na quarta-feira (21) ao CORREIO que vai pedir ainda hoje (22) explicações ao comando da corporação. Ela lembra que outros dois convênios como este firmado entre a Polícia Militar e Secovi já foram suspensos por sugestão do Ministério Público. “Um deles era com a Coelba (Companhia de Energia da Bahia) e com a Petrobras. Os contratos foram suspensos e orientamos o comando da PM que esse tipo de serviço não pode ser oferecido”, diz a promotora.
Um dos fatos que chama a atenção da promotora é a cobrança pelo serviço. Rita Tourinho deve enviar ofício ainda hoje ao Comando Geral da PM pedindo detalhes do contrato.

MAJOR AFIRMA QUE POLÍCIA NÃO RECEBE 1 CENTAVO.
O major Ramalho Neto, da 35ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM), responsável pela segurança na região do Iguatemi, garante que a corporação não recebe qualquer centavo de pagamento pelo serviço do Secovi. “Pelo menos eu não fico com dinheiro nenhum. Atendo aos chamados com a mesma igualdade. Pobres ou ricos, qualquer um que precise da PM terá meu apoio”, diz o comandante.
Para ele, a controvérsia do projeto está no capitalismo. “Vivemos uma sociedade capitalista, na qual o dinheiro é que vale. Infelizmente, em algumas áreas da cidade, os moradores não têm como pagar pelo projeto”, justifica. Ainda segundo o major, uma viatura sai pelo menos 6 ou 7 minutos mais rápido do batalhão se a ocorrência for alertada pelo projeto. “E, diminuindo essa reação ao chamado, podemos ter mais êxito”, concluiu.

APOSENTADO BALEADO MORRE APÓS FALHA EM ATENDIMENTO.
O aposentado Jorge Luiz Zuza de Sena, 59, morreu durante um assalto no Candeal, no último dia 7, depois que dois bandidos renderam os cerca de 20 clientes que estavam no Candeal Point, trailer que fica na Rua Dr. Alberto Pondé. Durante a ação, Jorge Luiz foi atingido no peito e morreu no local após duas tentativas de socorro: primeiro, um carro da PM enguiçou e precisou ser rebocado. Depois, segundo testemunhas, uma ambulância do Samu chegou sem o equipamento necessário.“Ele tentou se levantar e os bandidos gritaram: ‘Você é polícia?’. Ele nem respondeu e foi atingido”, contou a dona do trailer, Fernanda Santos Oliveira, 36, que quer fechar o negócio devido à violência. Um carro da PM chegou ao local, mas a tentativa de socorro parou no defeito do veículo. Das janelas, moradores gravaram a cena.

CONTRATO INCLUI MOTOS QUE POLÍCIA DIZ NEM POSSUIR.
Uma das responsabilidades da Secretaria de Segurança Pública, de acordo com o contrato assinado com a Secovi, é disponibilizar recursos humanos (policiais) e materiais, como motos e carros, para a eficácia do projeto. “Isso está incorreto no contrato. Nem motos nós temos”, diz o major Ramalho Neto, da 35ª Companhia.

*** Notícia publicada na edição impressa do dia 22/10/2009 do CORREIO.

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