sábado, 10 de outubro de 2009

DILMA, AGRADECIMENTO E TESTEMUNHO...

FONTE: Ivan de Carvalho (TRIBUNA DA BAHIA).

Vamos fazer de conta que sonhei que o governo brasileiro mandou executar sumariamente o ex-presidente de Honduras, Manuel Zelaya, que é "hóspede", como Lula o qualificou, da Embaixada do Brasil naquele país da América Central, país que descuidadamente o nosso presidente situou na América do Sul, cometendo gafe equivalente à de Reagan, que em sua visita ao Brasil referiu-se à Bolívia como o país visitado.
Mas que têm as duas gafes – de Reagan e de Lula – com isso? Nada. Talvez estejam aí porque, nos sonhos, surgem repentinamente, não dá para saber de onde, coisas que parecem desconectadas da trama básica do sonho. Isso talvez até ocorra porque os sonhos não tenham trama básica.
Mas, concedamos que haja uma trama básica e que aquelas coisas que caem como que de pára-quedas nos sonhos guardem equivalência com coisas que surgem misteriosamente na realidade, como é o caso de Manuel Zelaya emergir das sombras no portão da embaixada brasileira em Honduras e isso ainda provocar amplos sorrisos, ao invés de "cara de preocupação", do presidente Lula, do chanceler Celso Amorim e do assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia.
Bem, mas levantei a hipótese de o governo brasileiro mandar executar sumária e arbitrariamente o ex-presidente Zelaya no pátio de nossa embaixada em Honduras. Seria um crime horrendo, embora Zelaya haja entrado voluntariamente na embaixada, haja pedido para ficar lá, esteja usando a embaixada como seu escritório político, não seja um inocente, mas um indivíduo de maior idade e experiente na política, além de culpado, segundo a Suprema Corte de seu país, de tentar violar a Constituição na cláusula pétrea que proíbe a reeleição e não admite ser alterada.
Imagine o leitor se não é o governo brasileiro o executor e Zelaya o executado, mas um ser humano absolutamente indefeso e inocente, que não pediu para estar hospedado por nove meses no ventre de sua mãe e que não está fazendo qualquer uso indevido do corpo hospedeiro, este sim, pertencente à pessoa que convidou o "hóspede" a estar lá, ao voluntariamente criar as condições para que esteja. Como seria mais grave o crime do que aquele que se cometeria no pátio da embaixada...
Mas por que escrevo hoje essas coisas? Porque Dilma Rousseff foi ao Bonfim, pagar promessas, agradecer a veloz cura, declarada por seus médicos, de um câncer muito agressivo, ainda que os médicos geralmente prefiram só declarar definitiva a cura ao fim de um período de cinco anos. Se tão rápido o puderam fazer, maior motivo tem a ministra e candidata a presidente para agradecer a Deus.
Bem, há alguns dias, ao deixar o PT, que o suspendeu por insistir na luta contra a descriminalização do aborto, tentando algemar-lhe a consciência, o presidente da "Frente Parlamentar em Defesa da Vida – contra o aborto", Luiz Bassuma, disse saber que "pessoalmente, Dilma, Serra e Ciro" são a favor da descriminalização. São, "pessoalmente", mas publicamente nenhum deles teve a coragem de declarar isso ao eleitorado, de abrir o jogo, de tirar a carta da manga e exibi-la. Boca de siri.
E o que tem isso com a ida de Dilma Rousseff ao Bonfim? Tem isso: ela, na Igreja, assistiu a primeira missa do dia, fez seu silencioso e contrito – mas muito filmado, fotografado e relatado – agradecimento ao Senhor do Bonfim, embora sem receber a hóstia consagrada, tudo isto não sem antes tomar, no adro, um banho de folhas de aroeira que filhos e filhas-de-santo lhe deram, folhas especializadas em "abrir caminhos", conforme ensina o jornalista Vitor Hugo Soares.
De "inequívoca origem de esquerda" e "comunista radical", como escreveu em sua coluna neste jornal Alex Ferraz, com coragem pessoal suficiente para por em gravíssimo risco sua vida em defesa da causa durante o autoritarismo militar, Dilma afinal é agora a filha pródiga, que abandonou os desvios do marxismo (ateu) e voltou à casa do pai. Isto é, do Pai. Como o necessário esclarecimento de Dilma, Serra e Ciro sobre o aborto, esta conversão espetacular de Dilma está à espera de ultrapassar a manifestação sincretista e, para muitos, folclórica do Bonfim e alcançar o nível de um testemunho espiritual público e puro, sem política nem espetáculo, para ciência da nação que ela se propõe a governar.

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