quinta-feira, 8 de outubro de 2009

ESPETACULARIZAÇÃO DA IDIOTICE...

FONTE: Janio Lopo (TRIBUNA DA BAHIA).

Raimundão, o Ravengar, preso sob acusação de tráfico de drogas e condenado há anos de cadeia (não me lembro o período) ligou-me ontem do presídio. Gostaria que eu o entrevistasse. Ultimamente ele sido manchete de jornais por divulgar documentos sobre as normas próprias da cadeia (algumas mais civilizadas que as leis feitas pelos nossos nobres parlamentares). Leio que por conta da sua ousadia corre o risco de enfrentar a solitária – um buraco qualquer onde o sujeito é animalizado mais do que já o é. Sempre quis questionar Ravengar sobre uma série de questões. Gostaria de abordar sua infância, sua iniciação no mundo do crime, sua visão social, as obras por ele iniciadas de ajuda a famílias e jovens carentes, enfim, fazer uma espécie de raio-x daquele que diziam ser o maior traficante da Bahia.
Hoje se sabe que Raimundo nunca foi essa fera toda. Nunca bateu nem matou ou mandou matar ninguém, mas sustentava policial e gente da chamada alta sociedade que, diziam, era freguesa contumaz do Morro do Águia, onde a cocaína rolava a céu aberto, sob a proteção dos orixás de Ravengar e armas de grosso calibre de policiais que o protegiam e recebiam – e bem – para tanto. Sei que Raimundão não dedurou ninguém.
Falei com ele como poderia ter acesso à sua cela ou a outro qualquer espaço que pudéssemos conversar. Sob sua orientação, tentei a permissão para visitá-lo junto ao gabinete do secretário da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Nelson Pelegrino. Como as estrelas, a exemplo de Pellegrino, têm pavor, asco e temem ser contaminadas com o vírus incurável da ralé, sequer tive o pretendido contato com o petista. Uma assessora educada e atenciosa (o secretário talvez necessite de aulas de boas maneiras não somente no trato com os jornalistas como com as pessoas comuns, mesmo as que nem sempre usam perfumes de grife, caríssimos, por sinal) me informou que outras solicitações foram feitas para entrevistar Ravengar. Sim, e daí, mas ele manifestou interesse em um dedo de prosa comigo. Portanto, não havia como obter a permissão?
Como qualquer cidadão, sujeitar-me-ia a ser revistado, contanto que duas armas de minha propriedade não me fossem confiscadas: o gravador e a língua. Nem tampouco minha memória ou minha consciência que jamais estiveram à venda ou a serviço de governantes (falsos ou verdadeiros) desta terrinha tupiniquim. Mas, o que mais me surpreendeu foi se aventar a possibilidade de, ao invés de falar para uma única pessoa (a mim), Ravengar poderia conceder uma entrevista coletiva. Assim, todos, em tese, teriam seus pedidos atendidos. Confesso que dei três murros na minha cabeça. Ia partir para a quarta porretada, mas a dor começou a se transformar em insuportável. Obviamente a mim não interessa esse tipo de entrevista.
Aliás, iria com o maior prazer na hipótese de a entrevista fosse (ou vier) a ser marcada exatamente entre hoje e amanhã, quando a presidenciável Dilma Rousseff (Casa Civil) vai se encontrar em Salvador. Tenho certeza absoluta que a convocação de Raimundão seria atendida por um maior número de jornalistas, esvaziando assim a apresentação da ministra queridinha de Lula. Seria um vexame, mas pura realidade. Ravengar teria coisas mais interessantes a falar (só estou apimentando esse prato sem sal e sem graça) do que Dilma. A propósito, todo mundo sabe o que Dilma tem a dizer. Com Raimundão é diferente. Ele pode não dizer absolutamente nada como pode também revelar historinhas de ruborescer o próprio bispo. Fico sem a autorização para entrevistar Ravengar. Tem nada não. Em compensação passo a contemplar, com olhos esbugalhados, a espetacularização da idiotice. Protagonizada por quem? Por quem ainda tem dúvida se é ser humano ou o verdadeiro Deus.

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