quarta-feira, 7 de outubro de 2009

RAVENGAR DEVE IR PARA FORA DA BAHIA APÓS DIVULGAÇÃO DE ESTATUTO...

FONTE: Jorge Gauthier (CORREIO DA BAHIA).
Joelhos esfolados, presos correndo no pátio em busca de abrigo em outro pavilhão para não morrer e até mesmo facada na perna de detento que olhou a mulher alheia são algumas das punições impostas aos que não cumprem as “obediências” impostas pelo estatuto do crime, que foi criado por Raimundo Alves de Souza, o Ravengar, para ser o norteador da conduta na Penitenciária Lemos Brito (PLB).
Conhecido como “Prefeito do Pavilhão 1”, Ravengar, segundo agentes penitenciários da unidade, que pediram sigilo de identidade, é o fiel da balança entre as reclamações dos detentos que vivem em conflito com as normas descritas na cartilha.
Criado pela comissão Ordem & Progresso, o estatuto do crime, que teve sua existência revelada em reportagem publicada na terça-feira (6) pelo CORREIO, sistematiza o convívio e estabelece penas aos detentos.
O funcionamento do código, que foi impresso, encadernado e distribuído dentro do Pavilhão 1 segue uma hierarquia. “Ravengar (que foi preso em 2004 por tráfico) é procurado pelo preso que foi agredido e determina a pena. Muitos internos chegam com os joelhos esfolados após serem obrigados a ficar horas na mesma posição”, revela um agente do serviço médico da penitenciária.
RIGIDEZ
Os agentes penitenciários revelaram que a expulsão do pavilhão ao detento “infrator” - estabelecida para casos de reincidência - é a pena que mais afronta o poder do Estado dentro da cadeia. “Quando um preso é condenado a sair do pavilhão, eles fazem terror. O cara vem correndo em direção aos portões pedindo para ser mudado de pavilhão. De longe, os soldados de Ravengar dizem que se o cara voltar vai morrer”, conta um agente penitenciário.
O superintendente de Assuntos Penais, Isidoro Orge, explica que a transferência de presos acontece de acordo com a proteção à vida. “Se o detento corre risco, temos que transferi - lo. Isso faz parte das normas da Lei de Execuções Penais”.
CONTRAPONTO
A máxima popular “em casa de ferreiro, espeto de pau” ganha força na PLB no desrespeito do idealizador com o seu código. Em contraponto ao respeito aos direitos humanos descrito na obediência VI (“Fica terminantemente proibido em nosso convívio agressões de qualquer natureza, principalmente aquelas que possam causar lesões físicas em decorrência da briga”), Ravengar imputa penas de sofrimento físico aos detentos.
“Em várias situações, a comissão ordena espancamentos aos internos. Uma vez, por exemplo, um preso foi autorizado a esfaquear outro”, revela outro agente da PLB. Contrariando a obediência VI (“Fica terminantemente proibido em nossa comunidade qualquer tipo de agiotagem, sob qualquer valor”), Ravengar mantém uma barraca no pátio da unidade onde vende produtos bem acima do valor de mercado. “ O quilo de feijão é R$ 7, uma lata de refrigerante custa R$ 5 e uma carteira de cigarro R$ 10”, lembra um agente que trabalhou na unidade por seis anos.
REGRAS COMUNS
Apesar das normas escritas valerem apenas no Pavilhão 1 da PLB, os agentes revelam que, nos outros três módulos da unidade, as leis, em alguns momentos, são mais severas. “As leis que Ravengar colocou no papel e distribuiu entre os presos valem desde sempre em qualquer cadeia do mundo. Lá no Pavilhão 3 da penitenciária, os presos são obrigados a rezar de joelhos todos os dias”, revelou um agente penitenciário da PLB
RAVENGAR VAI FICAR ISOLADO
ALEXANDRE LYRIO E BRUNO VILLA
O traficante Raimundo Alves de Souza, o Ravengar, ficará isolado dos outros presos em uma cela do Pavilhão 1 da PLB por pelo menos 30 dias a partir desta quarta-feira (7), afirmou o diretor geral da Penitenciária Lemos Brito, Márcio Amorim.
A punição é resultado de uma sindicância interna aberta no dia 10 de setembro e concluída na última terça (6), mesmo dia em que o CORREIO denunciou a circulação de um código de ética e comportamento impresso e encadernado dentro da unidade.
Segundo o superintendente de Assuntos Penais, Isidoro Orge, Ravengar ficará isolado dos demais presos em uma “cela de seguro”, de 8m², e impedido de transitar no pátio de convívio. O tempo de banho de sol do traficante será reduzido.
Enquanto aos demais presos o benefício é permitido por tempo indeterminado entre as 7h e as 17h, Ravengar só poderá tomar banho de sol por duas horas e em espaço separado dos demais. Também ficarão proibidas as visitas durante os 30 dias.
FALTA GRAVE
Procurado pelo CORREIO, o criminalista Antonio Carlos dos Santos ficou surpreso. Advogado de Ravengar, ele disse que iria procurar saber hoje sobre a instauração e conclusão da sindicância. “Vou avaliar quais providencias irei adotar”.
A sindicância será reemitida à juíza de Execuções Penais, Andremara Santos. Orge explicou que o processo será enviado para que o fato, classificado como falta grave, fique registrado e seja levado em consideração caso Ravengar solicite redução da pena por bom comportamento.
IMPRESSÃO
Nem mesmo a cúpula responsável pela execução penal dos presos do estado tem informações sobre o local onde o estatuto idealizado por Ravengar foi confeccionado. Juíza, promotor, secretário de Justiça e superintendente de Assuntos Penais não sabem onde foi produzida a cartilha. Isidoro Orge apenas sugere. “Não sabemos, mas é coisa caseira. Pela quantidade, foi feito numa impressora doméstica”.
Para o secretário de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Nelson Pelegrino, provavelmente a cartilha saiu para ser impressa e retornou à unidade através de visitas. “A gente não tem como impedir que um folheto de papel entre ou saia da unidade. As visitas costumam levar cartas e documentos aos presos. Fiscalizar isso é inviável”. O secretário afirmou que não há poder paralelo na penitenciária e que a situação está dentro da normalidade.
CAIXAS
Fontes ligadas à Vara de Execuções Penais especulam que o material foi impresso numa das gráficas que serviam a estabelecimentos que pertenciam a Ravengar, como a casa de shows Mega Show.
Carcereiros que preferiram não se identificar descrevem a entrada de três caixotes cobertos com papel marrom, sem qualquer identificação de origem. O caderno é do tamanho de uma agenda comum. Em apenas seis páginas e 14 artigos, denominados de “Obediências”, a principal liderança do Pavilhão 1 da PLB deixa claro para os presos qual a “etiqueta” ali.
MODELOS DE FORA
BRUNO MENEZES
“Ele está querendo catequizar os presos ditos menos perigosos”. É assim que a presidente da Comissão de Segurança Pública da Câmara Federal, deputada Marina Magessi (PPS/RJ) define a criação do estatuto do crime, elaborado por Ravengar.
Para Marina, o documento é semelhante aos elaborados pela facção criminosa Comando Vermelho, mais antigo grupo criminoso organizado, do Rio de Janeiro. Marina lembra ainda que foi com base nos “10 Mandamentos do CV” que anos mais tarde surgiu o “Estatuto do Primeiro Comando da Capital (PCC)”, facção criminosa paulista. “E isso ainda pode piorar, principalmente em função das transferências dos criminosos tidos como violentos para outros estados.

Os chefões do tráfico do Rio, por exemplo, estão no presídio federal de Catanduvas, no Paraná. Isso faz com que eles ganhem mídia e troquem informações valiosas com outros bandidos de outros estados”, explica a deputada.
As transferências para outros estados ou a supervalorização das ações criminosas orquestradas por eles, segundo a deputada, é o que mais preocupa, já que eles se valem disso para criar tais documentos e manter, assim, sua soberania.
CULTOS RELIGIOSOS.
JORGE GAUTHER
“Onde se enxerga um bandido, ela visualiza um coração em busca de libertação”. Há 23 anos este é o lema da vida da religiosa Maria de Fátima Nery, vice-coordenadora da Pastoral Carcerária, que percorre semanalmente os pavilhões das unidades do Complexo Prisional da Mata Escura. “Na PLB, por exemplo, os presos são extremamente respeitosos. O relacionamento entre os detentos é de solidariedade”.
Contudo, a irmã Fátima lembra que essa benevolência tem limites. “Quando um preso ofende um familiar do outro, por exemplo, a bondade é esquecida. As regras deles são muito rígidas. Aquilo não é lugar para ser humano viver. Há muita punição, tortura e retaliação”, reflete.
O pastor Raimundo Nonato Gomes, da Igreja Universal do Reino de Deus, que visita o complexo há cinco anos, acredita que quando os religiosos estão presentes os presos sentem conforto e confiança. “Eles têm um enorme respeito aos visitantes. Enquanto estamos ali, não falta respeito de todos”. O pastor lembra que até Ravengar chega a frequentar as reuniões. “Ele assiste sempre aos encontros da nossa igreja ”, confirma.

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