segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

CERCA DE 10% DOS DETENTOS QUE SAEM NO FIM DE ANO NÃO RETORNAM...

FONTE: *** Mariana Rios, CORREIO DA BAHIA.

Pintar a casa onde vive a esposa e a filha de 2 anos. Cícero Nuitane da Costa Teixeira, 34 anos, já tem plano para os sete dias da saída temporária de Natal. Será a 12ª vez que ele deixará a Colônia Penal Lafayette Coutinho, no bairro do Castelo Branco para sentir-se livre. Ele está preso há 11 anos, por latrocínio, sendo dois em regime semiaberto. “Quero pagar a minha dívida e andar de cabeça erguida”, responde quando perguntado porque sempre retorna.
A previsão da Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos é de 1.412 internos do regime semiaberto em todo o estado sejam beneficiados com a saída temporária, neste final de ano. A percentagem daqueles que fogem é estimada em torno de 10%, segundo o órgão estadual.
Dos 5.057 presos que foram beneficiados ao longo do ano, 508 fugiram. “Não tem vigilância, eles recebem um documento, o salvo-conduto. Por isso, são beneficiados presos com bom comportamento carcerário e sem infração disciplinar nos últimos 12 meses”, explicou o promotor de Justiça Geder Luiz Rocha Gomes, que preside o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
CONTATO.
Segundo Gomes, o objetivo é fazer com que o indivíduo possa, aos poucos, ser inserido no convívio social. “É a possibilidade de um contato gradual com a sociedade e se destina para situações nas quais os presos possam visitar as famílias, realizar cursos profissionalizantes, ou de 2º grau, ou participar de atividades que concorram para o convívio social”.
Apesar da boa intenção da lei, a notícia deixa inquieta a sociedade civil. Em agosto deste ano, o detento Gilvan Clécio de Assis assassinou a médica Rita de Cássia Martines, durante saída temporária do Dias dos Pais.
Para o professor universitário Carlos Costa Gomes, coordenador do Observatório de Segurança Pública da Unifacs, o motivo da apreensão não é a concessão da saída temporária ou do indulto de Natal (quando os presos têm as penas perdoados conforme decreto presidencial), mas a forma como os benefícios são concedidos. “Não existem avaliações periódicas, nem um acompanhamento da evolução deste preso.Alei não deveria ser seguida de forma mecânica”, pondera.
A reflexão encontra respaldo também no meio jurídico. Para o promotor da Vara de Execuções Penais, Edmundo Reis existe uma deficiência estrutural do Estado para oferecer segurança nesta concessão. “As saídas temporárias são saídas-testes. É uma forma de ressocialização, reintegração, mas precisa ser feita com muito critério. O problema é que não dispomos de aparato técnico para fazer essa mensuração, mas não podemos prejudicar o preso por deficiência do Estado”.
TENTAÇÃO.
Embora não existam estatísticas sobre registros de crimes praticados por presos beneficiados pelo regime semiaberto, a SJCDH e a Justiça comemoram a queda do número de evadido. “A liberdade é tentadora, mas temos um número baixo de evasão - menos de 10% não voltam. Mas não podemos dizer que quem não voltou está praticando delito”, diz a presidente do Conselho Penintenciário, Alessandra Prado. Para ela, a queda é resultado de um senso de responsabilidade maior. “Existem projetos que preparam o preso para a liberdade que têm produzido efeitos”.
Um dos que aguardam com ansiedade o benefício é o detento A.J.C, 55 anos. “Só não retorna quem não tem compromisso de ter a verdadeira liberdade”. A juíza Andremara dos Santos acredita que a queda na percentagem de evadidos se deve à maior confiança no sistema. “Quando a pessoa sabe que o processo está andando, confia. Para ele é um prejuízo maior não retornar, pode ocorrer a regressão da pena e perder o direito ao livramento condicional”, afirmou.
A saída temporária está prevista na Lei de Execuções Penais e é destinada aos presos do regime semiaberto ou aberto. Por cada saída - podem ser cinco ao ano- eles têm direito a sete dias corridos.
MANÍACO MATOU MÉDICA AO SAIR.
O promotor Geder Gomes afirma que não há motivo para intranquilidade. Mas, apenas umdia após a saída provisória para o Dia dos Pais, o detento Gilvan Clécio de Assis voltou a atacar, e retornou à colônia, após crime e fim do prazo do benefício. “A população não deve ficar intranquila. Não existe um volume maior de criminosos nas ruas (no período das saídas). O maníaco do shopping foi uma exceção, uma situação patológica”.
Segundo o diretor da Colônia Penal Lafayete Coutinho, Everaldo de Carvalho, Gilvan teve “um excelente comportamento, no cárcere. Mas na hora de sair...” . Segundo especialistas, bom comportamento não significa, necessariamente, que o preso está apto a conviver em sociedade.
Para o promotor da Vara de Execuções Penais, Edmundo Reis, falta critérios mais seguros na aprovação das saídas temporárias. “É um déficit histórico. Não temos segurança para avaliar as saídas.O certo teria ter o exame criminológico na entrada do preso, processo de classificação adequada (separando os reincidentes de primários) e acompanhar a evolução da pena”.
Desde 2003, não há a obrigatoriedade da realização de exames criminológicos para presos beneficiado com progressão de regime (do fechado para o semiaberto), livramento condicional, indulto ou atenuação da pena.
O exame criminológico é feito para avaliar a personalidade do criminoso, sua suposta periculosidade, eventual arrependimento e a possibilidade de voltar a cometer crimes. “A questão não deve ser discutida apenas no âmbito jurídico. É necessário um acompanhamento frequente, multidisciplinar, que prepare o preso para a liberdade”, afirmou a presidente do Conselho Penintenciário.
PROJETO TORNA OBRIGATÓRIO EXAME CRIMINOLÓGICO.
Projeto de lei aprovado em outubro pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) torna obrigatório o exame criminológico para quem praticar crime hediondo, com violência ou grave ameaça e também no caso de reincidência.
Pelo projeto, bom comportamento e cumprimento mínimo de 1/6 da pena não são razões suficientes para progressão da pena - do regime fechado para o semiaberto. De autoria da senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE), o projeto aguarda apreciação da Câmara, já que teve decisão terminativa na comissão - ou seja, com validade como decisão final do Senado. Se aprovado, o detento receberá acompanhamento de uma equipe multidisciplinar.

*** Notícia publicada na edição impressa do dia 14/12/2009 do CORREIO.

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