terça-feira, 8 de dezembro de 2009

DANIELA MERCURY LANÇA CD COM REPERTÓRIO ECLÉTICO E CINCO CAPAS...

FONTE: Ana Cristina Pereira, CORREIO DA BAHIA.
O desejo de incluir diferentes elementos em seus trabalhos sempre foi explicitado por Daniela Mercury, 44 anos. Em Canibália (Sony), álbum que marca sua volta ao estúdio depois de cinco anos, a cantora aposta todas as fichas nesta ideia. A partir do título, que bebe no conceito de antropofagia cultural, ela vai da MPB ao rap, tendo na base o samba- reggae e a eletrônica.
Preparado lentamente há quase três anos, Canibália chega às lojas com cinco capas - projeto de Gringo Cardia - e cinco diferentes sequências musicais. “Acho que este CD traz a síntese do ecletismo que sempre marcou meu trabalho”, explica a cantora, em conversa telefônica de São Paulo, onde vive atualmente ao lado do marido, o publicitário Marco Scabia, 34 anos .
À vontade como representante da axé music, Daniela se considera “pós-tropicalista” e também influenciada por outras ondas musicais como o mineiro Clube da Esquina ou artistas como Luiz Gonzaga. “Sempre gostei de diversidade. Com Canibália queria abrir outras fronteiras. Acho que o olhar para a música baiana atual, mesmo fora da axé music, é sempre meio reducionista”, reclama.
Além das capas e das sequências variadas, o CD contou com cinco produtores: a própria Daniela e os músicos Ramiro Musotto, Alfredo Moura, Mikael Mutti e Gabriel Póvoas, este último filho da cantora e que assina cinco faixas do disco com ela. Vale destacar a presença de Musotto, que faleceu em setembro passado e foi parceiro de Daniela em seus flertes com a eletrônica. “Tive três grandes perdas este ano, Ramiro Musotto, Neguinho do Samba e Mário Cravo Neto”, diz.
A presença de Ramiro é sentida, por exemplo, nas faixas Bênção do samba( que mistura os clássicos Na Baixa dos Sapateiros, O samba da minha terra e Samba da bênção) e na releitura de Tico-tico no fubá. Ambas ganharam novo suingue e o frescor das colagens eletrônicas.

DUETO COM CARMEN.
Ainda na seara das regravações, outros destaques são O que será que será (Chico Buarque),com a qual Daniela recorda seus tempos de barzinho no início da carreira, e O que é que a baiana tem (Caymmi), a mistura mais ousada do disco. A partir de um fonograma de 1939, Daniela faz um saboroso dueto com Carmen Miranda, possível graças à tecnologia. “Ela é a verdadeira baiana pop”, brinca Daniela, autorizada pela família da Pequena Notável. “Ficou mágico. Quando vi estávamos cantando no mesmo tom”, diz.
O espírito alegre de Carmen Miranda também foi evocado numa das capas de Canibália e na festiva Trio em transe, parceria entre Daniela, Gabriel Póvoas e Marivaldo dos Santos, do Ilê Aiyê. Enquanto a letra celebra o cinema e suas possibilidades de reinvenção, a música segue na cadência percussiva do Ilê, flertando com o rap e o repente.
Duas das canções de Canibália já foram testadas junto ao público: Preta e Oyá por nós. A primeira, lançada no início do ano passado, é um dueto com o cantor Seu Jorge, que veio passar o Carnaval por aqui a convite de Daniela. Segue o espírito de fusões do disco, ao aproximar três canções bem diferentes que falam de negritude: a baiana Eu sou preta (J. Velloso e Mariene de Castro) e as cariocas Sorriso negro (Adilson Barbado, Jair Carvalho e Wallace Jefferson) e Rap do negão (Seu Jorge, Gabriel Moura e Wallace Jefferson).
MARGARETH.
Já Oyá por nós foi a música de trabalho de Daniela no Carnaval passado. “Há muito tempo, eu e Margareth combinávamos uma parceria”, diz Daniela, que divide a letra e os vocaiscoma colega baiana. Os percussionistas Márcio Victor e Luizinho do Gêge marcam presença na faixa que homenageia Iansã.
No leque dos convidados do disco, destaque para a presença do rapper americano Wyclef Jean na faixa This life is beautiful. O cantor convidou Daniela há dois anos para participar do disco dele, Carnival Vol. II. “Gravamos cinco músicas e ficou combinado que uma seria para o meu CD”, conta Daniela, que se identificou muito com a espontaneidade de Wyclef , que lhe lembrou Carlinhos Brown. “ No final da música, faço até um rap”, brinca.
WYCLEF JEAN.
O rapper de origem haitiana, ex-The Fugees, pesquisava para o álbum Carnival Vol. II quando chegou a Daniela. Além dela, artistas como Norah Jones, Shakira e Akon estão no trabalho. A aproximação pode se desdobrar no Carnaval baiano: “Chamei ele ano no passado, mas acabou não dando”, conta Daniela, que repetirá o convite para 2010.
SEU JORGE.
O cantor carioca foi convidado de Daniela no Carnaval 2008. Cantaram juntos no trio elétrico e repetiram a dobradinha em Canibália. “Foi interessante juntar os percussionistas da minha banda com os da banda dele, que tem sotaque mais carioca”, diz Daniela.
‘CANIBÁLIA’ ESTREIA EM SALVADOR NO PRIMEIRO DIA DE 2010.
Os baianos vão conhecer o show Canibália no projeto Pôr do Som, que acontece há dez anos no Porto da Barra, no dia 1º de janeiro. “No Verão, volto a morar na Bahia”, diz Daniela, que desde agosto vive em São Paulo. “Estou me organizando, trouxe um monte de baiano para cá, mas estou sentindo muitas saudades e estranhando os dias cinzas”, afirma.
Com cenário de Gringo Cardia, o show iniciou caminhada em Portugal e na Argentina e já passou pelo Rio de Janeiro e São Paulo. “Está muito bonito, abrimos a apresentação com uma tela de Carybé, a mesma que é usada no encarte do disco. É tudo muito baiano”, destaca.
Depois do Pôr do Som, Daniela tem compromisso agendado para o Festival de Verão Salvador. Ela se apresenta 22 de janeiro, dividindo o palco com Carlinhos Brown. O encontro promete bons momentos, já que os dois têm várias parcerias musicais.
Cheia de projetos, Daniela anuncia que em breve colocará a música Andarilho encantado para download na internet. A canção é uma homenagem aos 60 anos do trio elétrico, que será um dos destaques do seu Carnaval 2010. “Também vou comemorar os 15 anos do camarote e os 25 anos da axé music”, conta.
Outro projeto que consumirá a energia da artista é o documentário de longa- metragem sobre a axé music. Daniela é a produtora do filme, em fase de captação. “Sou testemunha desta história toda. Comecei em 1981 e vi a transformação da música baiana”, diz.Uma de suas missões no trabalho é dimensionar a importância de Neguinho do Samba para a música baiana. “Eu não seria a artista que sou sem o samba- reggae”, resume.
‘CANIBÁLIA’ É PRODUTO PARA EXPORTAÇÃO.
Hagamenon Brito
A música popular brasileira é o maior produto cultural de exportação do país, juntamente com o futebol e, nos últimos anos, os livros de Paulo Coelho. Não temos ganhadores do Prêmio Nobel de literatura, por exemplo, mas a arte dos mestres Tom Jobim e João Gilberto encanta americanos, europeus e japoneses desde a década de 60. E, antes deles, Carmen Miranda (1909-1955) já fazia o americano tentar descobrir o que é que a baiana tem, dando voz, corpo e trejeitos ao clássico de Dorival Caymmi (1914-2008).
Daniela Mercury conhece o poder que a MPB desfruta junto às plateias internacionais. Sobretudo, a MPB que não abre mão de símbolos de brasilidade como o samba e suas várias (re)combinações. A axé music, cena que revelou a cantora, exportou um modelo de festa para o país, mas vive uma crise criativa e de renovação às vésperas de completar 25 anos. Daniela, que há muito extrapolou os limites baianos, transforma Canibália num competente produto de exportação para o mundo. O elemento da música eletrônica já não traz impacto ao ser misturado com o samba e o samba-reggae, mas funciona para a personalidade de uma cantora que ainda busca a inquietação (o que é louvável) e procura um certo grau de sofisticação pop. Daniela não deseja perder, sobretudo, o que ela conquistou lá fora. O dueto virtual com Carmen Miranda é a senha para se comprender melhor o álbum: Daniela Mercury, aos 44 anos, parece dizer: “Eu posso ser a nova versão internacional da baiana”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário