terça-feira, 8 de dezembro de 2009

RAVENGAR SE DIZ INCOMPREENDIDO E SAI EM DEFESA PRÓPRIA...

FONTE: Alexandre Lyrio, CORREIO DA BAHIA.
Ao tomar conhecimento que a Penitenciária Lemos Brito (PLB) havia pedido sua transferência para um presídio federal de segurança máxima, o traficante Raimundo Alves de Souza, o Ravengar, decidiu sair em defesa própria. Numa carta de quatro laudas enviada ao CORREIO, o traficante se diz vítima de “infâmia”, garante ser um preso de bom comportamento e reivindica direito a defesa.
No manuscrito de três capítulos, rebateu a acusação de ter criado um código de conduta na penitenciária e negou a prática de extorsão contra colegas, como concluiu uma sindicância interna. Segundo a carta de Ravengar, o Módulo 1, do qual lhe é atribuída a liderança, vive dias tranquilos. Pelo menos, “nunca viveu, nos últimos dois anos, o toque de terror”.
O tom jurídico da carta enviada ao CORREIO é o mesmo utilizado na cartilha de deveres seguida à risca pelos internos da PLB, conhecida como Código Ravengar ou Estatuto do Crime. Digitada, impressa e encadernada, a cartilha reúne 14 “obediências”, como se fossem artigos de uma lei. Com a mesma linguagem, citando princípios do direito e artigos da Constituição, no novo manuscrito Ravengar assegura que tem sido mal compreendido “pela inconveniência da verdade”. O documento é dividido em três capítulos(Da Infâmia - Da Extorsão - Do Crime de Lesa- Majestade), nos quais é fundamentada a “defesa”.
Sua intenção, diz, é “tentar colaborar com os companheiros de cela, produzindo a ‘teia positiva’ da engrenagem laborativa, para aqueles que buscam dignamente seu retorno à sociedade”. Acima de tudo, Raimundo Alves se diz injustiçado. Para embasar seus argumentos de que vive tempos de mordaça, cita ditadores famosos. “Tenho sido alvo de várias matérias onde sou atacado escarniçadamente sem direito a defesa, como se estivesse vivendo o auto consagrado da Alemanha de Hitler, a dolorosa democracia de Stalin e o terror movido por Savanarola, o ‘direito penal do inimigo’”.
CONTROLE.
A liderança atribuída a ele no Pavilhão 1 é contestada de forma veemente na carta. Em suas próprias palavras, dentro da cadeia Ravengar não passa de um interno comum, que, inclusive, passa o tempo “produzindo obras artesanais”. “A cadeia é do Estado, e é o Estado que mantém o controle em todas as razões pertinentes, e não ‘Ravengar’”, escreveu.
Ele se coloca como um preso exemplar. “Venho cumprindo a minha sentençadentro do que a Justiça determina (...) Estou acostumado a contentar- me como que o governo me oferece: café, almoço e janta”. Por fim, Ravengar diz não pedir “entrada para o céu”, mas destaca que “razões políticas querem envenenar” a sua vida.
ATAQUE A ATIRADOR DO SHOPPING.
Num dos capítulos da carta, Ravengar também nega ter cobrado dinheiro de colegas de penitenciária em troca de proteção e garantia de vida. O traficante contesta as denúncias do CORREIO, que, no dia 13 de novembro, publicou o conteúdo de três depoimentos, nos quais presos denunciam extorsões e relatam ainda roubos e agressões. Os preços cobrados por Ravengar, segundo presos, carcereiros e fontes ligadas à Vara de Execuções Penais, variavam entre R$ 200 e R$ 2 mil.
Entre as vítimas estaria Mateus da Costa Meira, conhecido como o atirador do shopping. No último 17 de novembro, Meira confirmou, em juízo, que Ravengar havia tentado extorqui-lo em troca de proteção, já que o atirador havia agredido um colega de cela. “Raimundo Ravengar me ofereceu a troca de cela, mas não aceitei”, disse o ex-estudante de medicina, em depoimento ao juiz Paulo Sérgio Barbosa Oliveira.
Na carta de esclarecimento, Ravengar contesta a existência das cobranças e ataca Mateus. “(...) Muito menos cobrar taxa de quem quer que seja, principalmente de Mateus, que só conviveu na nossa comunidade por 34 dias, tempo suficiente para demonstrar sua personalidade diabólica”. Para o traficante, Mateus se aproveitou para conseguir uma possível absolvição na vara em que responde processo.
CORREIO QUIS OUVIR.
O advogado de Ravengar, o criminalista Antônio Carlos dos Santos, confirma a autoria da carta. “Raimundo me disse que mandaria uma correspondência a vocês para esclarecer tudo. Disse que estava sendo cerceado no seu direito de defesa, e que não tinha vez e nem voz”. Mas o próprio advogado foi portador, no dia 6 de outubro de 2009, de uma lista enviada pelo CORREIO contendo 12 perguntas direcionadas a Raimundo Alves. Como resposta, um manuscrito de dez linhas em que ele diz viver um momento de saúde debilitada e abalo emocional, destacando que só falaria em entrevista coletiva.
Nas primeiras reportagens sobre o Código Ravengar, o CORREIO também tentou entrevistar Raimundo Alves pessoalmente, na cadeia, mas foi impedido pela Justiça, apesar de ter protocolado pedido na Vara de Execuções Penais. A juíza Andreamara Santos indeferiu a solicitação sob argumento de que a Lei de Execução Penal “determina a proteção da pessoa presa contra qualquer forma de sensacionalismo”. Na segunda-feira (7), por telefone, Andreamara disse que, se a reportagem quisesse tentar conversar com Ravengar, deveria protocolar outro requerimento.
A nova carta de Ravengar foi entregue no sábado, na portaria da Rede Bahia. O documento tem grafia idêntica à de outro manuscrito, também assinado por ele, mas encaminhado ao apresentador Raimundo Varela, da TV Record, no início de outubro. O defensor de Ravengar só não soube dizer se as cartas foram escritas de próprio punho. Questionado sobre a possibilidade de Ravengar ter sido orientado juridicamente para escrever a carta, o outro advogado do traficante, Moacir Ribeiro, afirmou: “Não teve isso. Ele mesmo é que é metido a saber de leis. Anda estudando direito”.
O CORREIO tentou repercutir o conteúdo da carta com o superintendente de Assuntos Penais, Izidoro Orge. Mas ele disse que, de agora em diante, apenas o secretário de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Nelson Pellegrino, poderia se manifestar sobre o assunto. Pellegrino está em viagem ao Canadá.

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