sábado, 5 de dezembro de 2009

SANÇÕES PENAIS EFICAZES?...

FONTE: *** ÚLTIMA INSTÂNCIA.
As sanções decorrentes da aplicação da lei penal têm suas justificativas. Essas justificativas vêm sendo debatidas ao longo da história por diversas escolas jurídicas e filosóficas.
Tais sanções deveriam ser efetivas e proporcionais ao crime considerado em concreto (em todas as suas circunstâncias). Tão efetivas que teriam o poder de proporcionar a difusa sensação de que o descumprimento da lei penal, pela realização das condutas que proíbe, levaria, invariavelmente, às consequências previamente descritas pelo legislador em conjunto com o tipo penal previsto (artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal).
Numa palavra: a eficácia da sanção reside na certeza de que, uma vez praticadas essas condutas apontadas como as mais ilícitas entre as ilícitas, uma determinada reprimenda se verificará.
Certas conseqüências, sempre anunciadas e sugeridas pelos despreparados e falastrões apresentadores de programas sensacionalistas como sendo a “ideal” para determinados criminosos (pois, segundo seus despreparos, solucionariam a criminalidade por serem “exemplares”), felizmente, foram vedadas pelo inciso XLVII do mesmo dispositivo constitucional. Aliás, tenho convicção de que essas “sanções-vingança” são desejadas pelos tais programas apenas pelo fato de seus produtores, idealizadores e patrocinadores terem a absoluta certeza da impossibilidade prática de virem a ser previstas em lei.
Claro. Se o que anunciam pudesse se transformar em realidade, seriam os primeiros programas a serem extintos da televisão (o que não seria tão mal assim). Sabem, contudo: a) que essas sanções não solucionam (não solucionaram nos paises em que são permitidas); b) que nem mesmo podem ser propostas pelo legislador.
O Direito busca sua efetividade. A efetividade é a sua “seleção natural”. Permanecem as normas e as disciplinas jurídicas enquanto conseguem sobreviver. Os modelos ineficazes, as práticas jurídicas excessivamente burocráticas, os procedimentos extremamente longos, enfim, as normas que não “batem as metas de produção” devem e vem sendo modificadas.
O pessoal do Processo Civil bem o sabe. Estamos em reforma por mais de (10) dez anos. Reformamos tanto - e nem chagamos a morar muito tempo na casa reformada para verificar sua eficácia - que agora vamos trocar de casa. Gastamos com a reforma e nem a testamos. Um novo Código de Processo Civil vem aí. O que isso significa? Busca pela efetividade, a despeito de tanto tempo, recursos financeiros e palavras (muitas palavras) gastos. Nem duvidaria que algum retrocesso ocorresse. Basta você analisar o absurdo que fizeram com a Lei do Mandado de Segurança.
Mas, voltemos à eficácia das sanções penais.
A sanção mais comentada dos últimos tempos —pelo menos aqui em Última Instância— foi a imposição da restrição a direitos que proíbe determinados líderes religiosos de frequentar “lojas de luxo”.
Obviamente, não conheço os autos, as provas, todas as circunstâncias, não exerço a judicatura, não fui o autor da denúncia e, assim, apenas tenho condições de fazer alguns comentários que, longe de criticar a atuação dos envolvidos e mesmo a conduta dos que foram condenados em primeiro grau, apenas considera alguns óbices que demonstrariam, numa primeira análise, a possível ineficácia de parte da sanção imposta na referida sentença penal condenatória.
Tenho algumas dúvidas relacionadas à eficácia dessa sanção. Pergunto: o que é uma “loja de luxo”? Sem pretender brincar com coisa séria, lembrei de Eduardo Dusek (autor de Barrados no Baile). Talvez pudesse esclarecer que a sanção está em não poder “frequentar”. O “não frequentar”, para aqueles condenados, segundo as matérias publicadas, representaria uma sanção efetiva? Isso puniria aquele que, por mimetismo, quer comprar onde os ricos compram? Esse teria sido o objetivo?
Ou será que a sanção objetivava o “não adquirir”, pela impossibilidade de “não freqüentar”, os produtos que, em tese, são vendidos nessas lojas? Se o produto que desejam (de luxo, talvez pelo valor) estiver disponível nos magazines populares, o casal pode adquirir? Pode adquirir dessas mesmas “lojas de luxo” sem freqüentá-las, mas utilizando da internet, com a facilidade da entrega em domicílio?
Não sei. A sanção imposta (que pode até mesmo ser confirmada em segundo grau) constitui uma sanção eficaz, educativa, puramente punitiva, didática por ser exemplar?
Obviamente que outras restrições que seriam, aparentemente, mais eficazes, inclusive do ponto de vista da fiscalização do seu cumprimento, não poderiam ser impostas. Ouvi num café que os condenados deveriam ter sido proibidos de pregar, de realizar os cultos. Obviamente, essas restrições esbarrariam em garantias constitucionais, como a liberdade de culto religioso e o exercício de profissão licita.
Assim, a despeito de considerarmos justa ou não a condenação (o que só poderia ocorrer com o acesso a todos os elementos que foram considerados), não parece possível deixar de questionar a eficácia dessa restrição em particular.
Conforme mencionado, a fiscalização no cumprimento dessa restrição já parece impossível, até mesmo pela indefinição do que venha a ser “loja de luxo”.
Ouvi quem dissesse tratar-se de uma sanção puramente “moralizadora”. Ouvi quem afirmasse tratar-se de perseguição contra o “povo de Deus”.
A despeito das dificuldades de imposição de uma sanção que bem atenda a todas as circunstâncias, sempre que se aproxima de seu grau máximo de imposição e cumprimento (como a imposição da multa, nesse mesmo caso) torna-se mais eficaz, reafirmando a sensação de punibilidade.

*** José Marcelo Vigliar é advogado em São Paulo. Formado pela USP, é mestre e doutor em direito processual civil pela mesma universidade. Foi promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo, de 1991 a 2004, e procurador do Estado de São Paulo, de 1990 a 1991. É membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e do Instituto de Estudos Direito e Cidadania (IEDC). Leciona na Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Publicou Ação Civil Pública e Tutela Jurisdicional Coletiva, entre outros livros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário