sábado, 6 de fevereiro de 2010

A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS MÉDICOS: NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE CULPA...

FONTE: *** ÚLTIMA INSTÂNCIA.

Temos assistido na mídia nos últimos tempos o aparecimento cada vez maior de casos de erros médicos. Em face desse cenário, surge a indagação: mas qual é a responsabilidade civil dos profissionais de saúde frente a esses erros constatados, advindos da relação médico e paciente?
Contextualizando a questão juridicamente, existem no CC (Código Civil) dois artigos que tratam especificamente da responsabilidade civil: o artigo 186, que trata da responsabilidade subjetiva e o parágrafo único do artigo 927, que dispõe acerca da responsabilidade objetiva. Que dizem respectivamente: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” e “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Ao contrário do que defendem alguns doutrinadores, referida previsão legal, que relaciona a atividade médica àquela que traz riscos à integridade física ou à vida do paciente, não preconiza que a responsabilidade médica seja objetiva, bem como não exclui a aplicação, quando possível, do quanto previsto no parágrafo 4º do artigo 14 do CDC (Código de Defesa do Consumidor).
Isso porque, ainda que se entenda pela aplicação apenas do Código Civil, o que não se acredita, mesmo nessa hipótese, faz-se necessária a apuração da culpa do médico, nos termos do artigo 951, que diz que “no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho”.
Coaduna, ainda, com nosso entendimento a posição majoritária da doutrina e da jurisprudência no sentido de classificar a responsabilidade do médico, profissional liberal, como subjetiva, e, portanto, sujeita à aplicação do parágrafo 4º do artigo 14 do CDC. Assim, para que reste configurada a responsabilidade civil do médico, faz-se necessária a detalhada demonstração de sua culpa, ainda que sua aferição seja matéria de complexa obtenção. Tudo isso para se evitar a despersonalização da relação médico-paciente, que nada guarda de impessoal, na medida em que quanto mais grave o diagnóstico, maior a proximidade que se estabelece com o médico.
Ademais, classificar a responsabilidade médica como objetiva, sem se ater à hipótese em questão, dispensando-se completamente a comprovação de culpa, seria equiparar o médico atento e diligente àquele profissional negligente, imperito e imprudente. Dentro deste cenário, também não pode ser ignorada a influência que a natureza humana impõe em cada um dos pacientes. Isso porque cada pessoa reage de uma forma a determinado tratamento, cada enfermo traz consigo um risco, derivado de sua própria patologia e, em algumas situações, o que aparentemente parece se tratar de evidente erro médico, na verdade, se traduz como uma infeliz fatalidade do destino, que, naquela situação, não poderia ter sido evitada.
Deve-se deixar bem claro, portanto, que para que haja o dever de indenizar, não se exige que a culpa do médico seja grave, porém esta deve ser certa. A extensão dos danos servirá tão somente para quantificar a indenização devida ao paciente, nos termos do artigo 944 do CC, que diz que “a indenização mede-se pela extensão do dano”. Com efeito, tornou-se também indispensável para configuração da responsabilidade civil desse profissional liberal estabelecer-se a relação de causa e efeito entre o dano provocado no paciente e o ato médico ou, ainda, a falta dele.
Visando proteger o paciente, que nessa relação atua na figura de consumidor, bem como contribuir pela busca da comprovação de culpa do médico, se o caso, foi inserido, no ordenamento jurídico, a possibilidade de inversão do ônus da prova em favor deste último, nas hipóteses em que o juiz entender presente a verossimilhança das alegações do autor ou em razão de sua hipossuficiência presumida por lei.
Tal faculdade, atribuída ao juiz, é de extrema importância para que seja dada uma solução justa à lide colocada sob apreciação do Poder Judiciário, na medida em que somente em circunstâncias concretas (ex. quando as informações e documentos necessários para o julgamento da causa estiveram disponíveis apenas ao médico), apuradas pelo magistrado, é que o ônus da prova será invertido. Assim, mencionada inversão não pressupõe a existência de culpa do médico, mas apenas atribui a ele o encargo de comprovar que sua conduta se deu de forma regular. Com isso, preserva-se o direito do médico de ser responsabilizado civilmente, em razão de condutas, nas quais tenha agido com culpa, bem como, por outro lado, asseguram-se ao paciente lesado os meios necessários para busca de seus direitos.

*** Paula Camila de Oliveira Cocuzza é advogada do setor Contencioso Cível Estratégico do escritório Siqueira Castro – Advogados em São Paulo.

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