terça-feira, 13 de julho de 2010

CASO JUIZ: CENA DE CRIME FOI MUDADA...

FONTE: Bruno Menezes e Alexandre Lyrio, CORREIO.

PM que matou juiz diz que tirou corpo de lugar e pegou arma da vítima.
Mais dúvidas e mistérios rondam a morte do juiz substituto da comarca de Camamu, Carlos Alessandro Pitágoras Ribeiro, 38 anos, morto por volta das 19h de sábado, com dois tiros, pelo soldado da Polícia Militar Daniel dos Santos Soares, lotado na 35ª Companhia Independente (Iguatemi/Itaigara).
A dificuldade de testemunhas que tenham presenciado o crime pode prejudicar as investigações, assim como a alteração da cena do crime, feita pelo próprio policial. Segundo relato feito pelo soldado, que se apresentou à Corregedoria da PM, ele seguia para o trabalho, fardado, quando o juiz se aproximou, também de arma em punho. O soldado, então, disparou o primeiro tiro na clavícula esquerda do juiz, que continuou andando em direção ao policial. O PM deu o segundo tiro, no abdômen da vítima, que morreu no local.
Daniel admitiu ter mudado o corpo do juiz de posição, alegando que tentou prestar socorro à vítima. Ele também recolheu, sem autorização, uma pistola 9 milímetros, que, segundo ele, estava sendo usada pelo juiz. “Ele pegou a arma, alegando que havia muitos curiosos no local e, por isso, um novo acidente poderia acontecer”, diz a juíza Nartir Dantas Weber, presidente da Associação dos Magistrados da Bahia (Amab), que acompanha as investigações.
A juíza e mais dois representantes do órgão assistiram ontem aos depoimentos de três policiais militares que chegaram no local do crime para reforçar a segurança na área próxima ao Centro Empresarial Iguatemi, onde o corpo do juiz ficou caído. Mas, segundo a magistrada, os relatos não contribuíram com a apuração do crime, já que nenhum deles estava no local na hora dos disparos.
Segundo o delegado Omar Andrade Leal, da 4ª Delegacia (São Caetano), que comanda as investigações, 11 pessoas foram ouvidas, incluindo os três policiais militares da tarde de ontem. Das 11 testemunhas, apenas uma delas é civil e afirmou ter presenciado o crime parcialmente.
“Parcial não elucida o crime, não resolve o caso. Conclamamos as testemunhas para que se apresentem”, pede Nartir.
O delegado preferiu não revelar o teor do que contaram as testemunhas. Ele acredita que a revelação dos depoimentos pode influenciar outras possíveis testemunhas. A juíza defendeu também o uso de imagens de circuitos de vídeo de condomínios, shoppings e as câmeras da Transalvador, para que alguma testemunha seja identificada.

PERÍCIA.
O Departamento de Polícia Técnica (DPT) informou que tanto o laudo da necrópsia quanto o resultado da perícia do local têm prazo legal de dez dias, que pode ser prorrogado se for necessário. Segundo o DPT, a necrópsia inclui exame toxicológico, que vai indicar se o juiz havia ingerido alguma substância antes do fato.
O corregedor chefe da PM, coronel Manoel Bastos, disse que um oficial, cujo nome não foi divulgado, está à frente das investigações. “Nesse momento, sabemos que a coisa fica mais com a Polícia Civil, mas nós faremos nosso trabalho em paralelo”. O resultado final das investigações, diz o coronel, sai em 40 dias, prorrogáveis para mais 20 dias.
SILÊNCIO NOS LOCAIS QUE O PM FREQUENTA.
Num dos locais em que o policial militar Daniel dos Santos Soares costuma circular, prevalece o silêncio. Basta mencionar o nome do PM em Campinas de Brotas para que as pessoas demonstrem receio. “Amigo, sobre esse caso aí, eu sou cega, surda e muda”, disse uma comerciante. A mesma reação dos outros interpelados. Ontem, o CORREIO chegou a receber denúncias de queDaniel comete abuso de poder na área, onde constantemente se envolveria em confusões, andaria armado e faria ameaças a outros moradores. Mas o dono do bar que, segundo as mesmas denúncias, Daniel frequenta, disse desconhecer o PM. “Não sei nem quem é”. Mas, no mesmo bar, houve quem saísse em defesa de Daniel.
“Um cara tranquilo, decente. Quem começou tudo foi o juiz com a arrogância dele”, disse, sem se identificar, um dos frequentadores.

VALENÇA PRESTA HOMENAGEM.
Às 15h30 de ontem, o juiz Carlos Alessandro Pitágoras Ribeiro tinha uma audiência marcada na Vara de Pequenas Causas em Valença, no Baixo Sul do Estado, onde trabalhava há pelo menos três anos. Colegas juízes, advogados da cidade, integrantes do Ministério Público e funcionários do fórum escolheram o horário em que ele começava a trabalhar para homenageá-lo.
Depois de uma oração coletiva, houve quem pedisse a palavra para manifestar pesar pela morte do juiz e até lembrar suas ações e postura reta. “Simples, tranqüilo, trabalhador, tratava bem todos os funcionários, um juiz nota dez”, disse um dos funcionários, que lembrou até do último aniversário do magistrado, comemorado dentro da própria Vara. Em Camamu, também no Baixo Sul, onde Carlos Pitágoras trabalhava como juiz substituto, a prefeitura decretou três dias de luto oficial. A Associação dos Magistrados da Bahia (Amab) emitiu nota oficial garantindo o acompanhamento das investigações e cobrando “isenção e imparcialidade na colheita de provas”. “Um profissional exemplar que atuou em diversos setores da magistratura com o mesmo empenho, tanto em Valença quanto em Camamu. Era um juiz compromissado e que vivia sua vida, um pai extremado, aguerrido na profissão e que sempre sonhou em fazer justiça”, disse a juíza Nartir Weber, presidente da Amab, após acompanhar os depoimentos.

FILA DE TÁXI FICA PRÓXIMO A LOCAL DO CRIME.
Se o crime ocorreu por volta das 19h de um sábado, não é difícil ter certeza de que muita gente testemunhou o fato. O problema é que, para não se comprometer, os passantes simplesmente vão embora. Mas, próximo de onde tudo ocorreu, um grupo se mantém fixo. A cerca de 20 metros de onde o juiz foi morto, há uma fila de taxistas que costumam trabalhar no mesmo local diariamente. Ninguém admitiu ter presenciado o crime, mas alguns contaram detalhes sobre o que ocorreu logo em seguida. “Cheguei cinco minutos depois. O Samu demorou mais uns 20. O policial estava fardado. Após matar o cara, ficou do lado o tempo todo. A delegada chegou e ele se apresentou espontaneamente”.

POLICIAL AGRIDE FOTÓGRAFO.
Truculência e abuso de autoridade marcaram os depoimentos de três policiais da 35ª Companhia Independente, no Iguatemi. Um tenente identificado como Bruno tentou destruir o equipamento do repórter fotográfico do CORREIO Arisson Marinho, após prestar depoimento. “Em seguida, ele me empurrou contra a parede”. Não satisfeito, o policial ameaçou: “Estou te encarando”. E o fotógrafo retrucou: “Você está me ameaçando?”. Irritado, o PM foi na direção de Arisson, mas foi contido.

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