FONTE: DÉBORA MISMETTI, EDITORA DE "CIÊNCIA+SAÚDE" (www1.folha.uol.com.br).
Novas orientações das
sociedades americanas de cardiologia estão deixando muita gente em dúvida:
pessoas que não tiveram infarto ou derrame e têm colesterol alto devem ou não
tomar remédios para baixar esses níveis?
Ao eliminar as chamadas metas
de colesterol --o número máximo de LDL, o colesterol "ruim", que cada
grupo de pessoas deve ter de acordo com seu perfil de risco para derrame e
infarto-, o documento publicado em novembro deixou a impressão de que já não
importa qual o nível de gorduras no sangue.
Assim, não seria mais
necessário tomar remédios contra colesterol, as estatinas, nem fazer exames
para ver o progresso do tratamento.
No sábado retrasado, o
oncologista Drauzio Varella, colunista da Folha, escreveu, ao citar as
novas diretrizes da American Heart Association e do American College of
Cardiology: "Segundo elas, os níveis de colesterol não interessam mais. Se
seu LDL é alto, não fique aflito para reduzi-lo: o risco de sofrer ataque
cardíaco ou derrame cerebral não será modificado".
Cardiologistas brasileiros
envolvidos na elaboração das diretrizes nacionais de controle do colesterol,
publicadas também neste ano, discordam do colunista.
Raul Santos Filho, da
Faculdade de Medicina da USP, diz que a nova diretriz dos EUA é clara ao
recomendar redução de 30% a 50% ou mais dos níveis de colesterol a depender do
perfil de risco do paciente como ato eficaz para evitar infarto e derrame.
"Se o nível de
colesterol não fosse importante, por que mandariam baixar tanto?"
O cardiologista Hermes Toros
Xavier, editor da atual diretriz brasileira sobre o tema, diz que as metas não
foram suspensas pela irrelevância dos níveis de colesterol, e sim porque os
estudos nos quais as orientações se basearam viam só o efeito da redução das
taxas, e não o desempenho em cada nível.
De fato, o texto americano
classifica a redução de 50% do colesterol "ruim" como um "fator
crítico" para evitar eventos cardiovasculares.
REMÉDIO PRA QUEM?
Tendo como base estudos nos quais a resposta de grupos equivalentes de pacientes a um tratamento ou a um placebo são comparados, a diretriz americana conclui que há quatro tipos de pessoas para as quais o uso de remédios anticolesterol tem mais benefícios do que riscos.
Tendo como base estudos nos quais a resposta de grupos equivalentes de pacientes a um tratamento ou a um placebo são comparados, a diretriz americana conclui que há quatro tipos de pessoas para as quais o uso de remédios anticolesterol tem mais benefícios do que riscos.
O primeiro grupo é são os que
já têm doenças cardíacas, como os infartados. Aqui não há controvérsia. Depois
vêm as pessoas com LDL bem alto, maior do que 190 mg/dl. Os diabéticos com LDL
entre 70 e 189 mg/dl constituem o terceiro grupo.
O último e mais controverso
grupo é tem potencial de incluir o maior número de pessoas: adultos sem doenças
cardíacas, com LDL entre 70 e 189 mg/dl e com risco igual ou maior a 7,5% de
ter um evento cardiovascular nos próximos dez anos.
Esse risco é calculado por
meio de uma fórmula já bem conhecida dos cardiologistas mas que foi atualizada
para a nova diretriz --e muito criticada, por superestimar o risco em certos
grupos e por subestimá-lo em outros.
A tabela leva em conta os
seguintes itens: sexo, idade, raça (afroamericana ou branca e outras), níveis
de colesterol, pressão arterial, se a pessoa faz tratamento para baixar a
pressão, se tem diabetes e se fuma.
EVIDÊNCIAS.
A última pesquisa grande sobre estatinas em pessoas sem doenças cardiovasculares foi publicada neste ano pela Cochrane, entidade de renome que realiza grandes revisões de estudos. Ela concluiu que o tratamento com estatinas é benéfico mesmo para quem nunca teve problemas cardíacos e que não traz efeitos colaterais graves.
A última pesquisa grande sobre estatinas em pessoas sem doenças cardiovasculares foi publicada neste ano pela Cochrane, entidade de renome que realiza grandes revisões de estudos. Ela concluiu que o tratamento com estatinas é benéfico mesmo para quem nunca teve problemas cardíacos e que não traz efeitos colaterais graves.
John Abramson, da Escola
Médica de Harvard, publicou uma análise no "British Medical Journal"
questionando conclusões dessa revisão e de outra de 2012, a CTT, uma
colaboração internacional.
O problema principal é o
número de pessoas que precisam tomar as estatinas para que um evento
cardiovascular ou uma morte sejam evitados. Esse número deve ser comparado com
o de pessoas que precisam tomar o remédio para que uma tenha um efeito
colateral grave. Pesando o benefício e o risco, chega-se a uma indicação.
Mas esses números são
controversos. O estudo da CTT mostra que, entre pessoas com risco de 20% ou
menor de problemas cardíacos em dez anos, são evitados 11 eventos
cardiovasculares por mil pessoas tratadas a cada 39 mg/dl de redução de LDL. As
conclusões da CTT classificam esse benefício como mais importante do que o
risco trazido pelo tratamento.
Nesse estudo, era preciso
tratar 2.000 pessoas para haver um caso de problema nos músculos, um dos
efeitos colaterais mais comuns do tratamento. No entanto, Abramson, no
"BMJ", cita outros estudos que mostram um número muito maior de casos
de dores musculares causados por estatina.
Segundo esses estudos, é
preciso tratar só 19 pessoas para que uma sofra de miopatia. O diabetes também
aumenta entre os tratados,em especial entre mulheres.
Segundo Xavier, da Sociedade
Brasileira de Cardiologia, o risco de diabetes sobe cerca de 9% entre usuários
de estatina, risco menor do que o benefício do remédio.
Para Drauzio Varella, o
importante é trazer à tona a discussão sobre esse tema. "Quis mostrar [com
o artigo] que a questão não é tão simples assim. É preciso discutir."
TENTAIVA DE EVITAR
INFARTOS.
Por que, afinal, existe um
esforço tão grande para saber quem deve tomar um remédio para evitar uma doença
que pode nem se manifestar?
As estatinas são
classificadas como "blockbusters", drogas responsáveis por grande
fatia do faturamento das maiores farmacêuticas. Enquanto as patentes e os
preços desses remédios vêm caindo, novas substâncias têm sido testadas para
serem usadas como estatinas ou por pessoas que não toleram o tratamento com
elas.
Para críticos da indústria
farmacêutica, existe um esforço grande em demonstrar benefício desses remédios
simplesmente para fazer gente saudável comprar remédio.
Mas a questão não pode ser
resumida a uma "teoria da conspiração", segundo Raul Santos Filho, da
USP. Cerca de metade das pessoas que infartam nunca teve sintomas de doenças
cardíacas antes de sofrer o evento ou até morrer por causa dele.
A esperança dos médicos é
identificar pessoas com maior risco de infartar ou ter derrame e evitar que
isso aconteça. Daí surgem as escalas de risco futuro e as receitas de estatinas
e anti-hipertensivos.
Além das mudanças de estilo
de vida, que dependem muito da força de vontade do paciente, o colesterol é um
fator no qual os médicos conseguem interferir, principalmente com remédios.
Nenhum comentário:
Postar um comentário