FONTE:
Jane E. Brody, Do New York Times, (http://estilo.uol.com.br).
A tecnologia moderna permite que os pesquisadores
médicos analisem os habitantes de nossas entranhas, micróbios que a maioria das
pessoas provavelmente não gostaria nem de saber que existem. Mas a informação
resultante pode, um dia, salvar sua saúde ou mesmo sua vida.
Estou me referindo aos trilhões de bactérias, vírus
e fungos que moram virtualmente em todas as partes do corpo, incluindo os
tecidos que os pesquisadores achavam que eram estéreis. Juntos, eles formam o
microbioma, ou microbiota, e representam o que é talvez a mais promissora e
desafiadora tarefa da medicina moderna: determinar os habitantes normais de
cada órgão e descobrir como restaurar o equilíbrio adequado dos organismos
quando ele é abalado.
Com respaldo dos Institutos Nacionais de Saúde, uma
grande equipe de cientistas está envolvida na criação de um mapa microbial
"normal" para os seguintes tecidos: trato gastrointestinal, cavidade
oral, pele, vias aéreas, trato urogenital, sangue e olhos. O esforço, chamado
Projeto do Microbioma Humano, aproveita uma nova tecnologia que pode analisar
rapidamente amostras grandes de material genético, tornando possível
identificar os organismos presentes nesses tecidos.
Dependendo do local do corpo, é impossível cultivar
e até mesmo identificar, por meio das técnicas mais antigas e tradicionais
usadas pelos microbiólogos, qualquer coisa entre 20 e 60 por cento dos
organismos que formam a microbiota.
Se o projeto de cinco anos do instituto tiver
sucesso em definir as mudanças no microbioma associadas a doenças, terá o
potencial de transformar a medicina, assumindo que é possível descobrir
maneiras de corrigir as distorções microbiais dos tecidos afetados.
Seguem alguns projetos de
demonstração já em andamento:
Pele: O doutor Martin J. Blaser, microbiólogo e diretor
do programa de microbioma humano da Escola de Medicina da Universidade de Nova
York, está coordenando o exame dos organismos da pele de 75 pessoas com e sem
psoríase, para checar se os agentes usados para tratar a doença podem
prejudicar o microbioma.
Vagina: Jacques Ravel, da Escola de Medicina da
Universidade de Maryland, e Larry J. Forney, da Universidade de Idaho, estão
estudando 200 mulheres para determinar as mudanças microbiais que podem
resultar em uma infecção comum chamada vaginose bacteriana, que aflige mais de
20 milhões de mulheres em idade fértil nos Estados Unidos.
Sangue: Na Universidade de Washington, em St. Louis, o
doutor Gregory A. Storch, especialista em doenças infecciosas pediátricas, e
seus colegas estão examinando o papel dos vírus e do sistema imunológico no
sangue e nos tratos respiratório e gastrointestinal de crianças que sofrem com
febres sérias, que resultam em cerca de 20 milhões de visitas por ano ao
pronto-socorro dos hospitais.
Trato gastrointestinal: A microbióloga Claire M.
Fraser-Liggett e o geneticista doutor Alan R. Shuldiner, ambos da Escola de
Medicina da Universidade de Maryland, estão explorando como o microbioma afeta
o uso de energia pelo corpo e o desenvolvimento da obesidade.
Estudos anteriores já encontraram diferenças na
microbiota do intestino de adultos magros e obesos. Também há evidências de que
a dieta típica dos Estados Unidos, altamente calórica e rica em açúcares,
carnes e alimentos processados pode prejudicar o equilíbrio dos micróbios que
vivem no intestino e promover a extração e a absorção de um excesso de calorias
dos alimentos.
Uma dieta com mais plantas pode resultar em um
microbioma que contém uma gama mais ampla de organismos saudáveis. Em estudos,
ratos que tiveram a microbiota pré-condicionada com a dieta típica dos EUA não
responderam de maneira tão saudável a uma dieta com base em plantas.
Também existe evidência de que os micróbios que
moram no intestino podem afetar outras partes do corpo por meio de sua
influência nas respostas imunológicas do indivíduo. Essa ação indireta foi
sugerida como o mecanismo que possivelmente está por trás da artrite
reumatoide. Nos ratos, provou-se que uma bactéria específica no intestino
promove a produção de anticorpos que atacam as articulações, resultando na
destruição típica que ocorre nos casos de artrite reumatoide.
O papel da microbiota (e da
dieta) na saúde e nas doenças.
Estudos sugerem que existe um papel da microbiota
no risco de desenvolvimento de doenças neuropsiquiátricas como esquizofrenia e
até mesmo síndrome da fatiga crônica. Pesquisadores acreditam que em pessoas
com suscetibilidade genética, os micróbios alterados no intestino podem romper
a barreira entre o cérebro e o sangue, levando à produção de anticorpos que
impedem o desenvolvimento cerebral normal.
Um dos desafios de se descobrir qual o papel do
microbioma na saúde e nas doenças é determinar se mudanças descobertas nos
micro-organismos que habitam vários órgãos são a causa ou o efeito. A maior
parte do que é conhecido sobre a microbiota em pessoas com vários problemas de
saúde tem base na observação, o que dificulta dizer o que veio primeiro: a
doença ou o microbioma desequilibrado.
Estudos em animais são uma pista, mas não uma prova
de um efeito parecido em pessoas. Até que os estudos terapêuticos que agora
estão sendo feitos terminem, pacientes com problemas que se acredita sejam
influenciados pelo microbioma não têm escolha a não ser confiar em possíveis
tratamentos sugeridos pela pesquisa animal e por alguns estudos preliminares em
humanos.
As pessoas com síndrome do intestino irritável,
doença inflamatória intestinal, problemas de alergia e infecções por organismos
resistentes aos remédios podem se beneficiar ao tomar probióticos, embora
alguns não sejam efetivos. Pode ser necessário fazer remédios para cada
condição ou até mesmo para cada paciente.
As pessoas interessadas em promover um conjunto de
micro-organismos saudável deveriam considerar a ideia de mudar de uma dieta
focada em carnes, carboidratos e alimentos processados para uma que enfatize as
plantas. Como o doutor Jeffrey Gordon, especialista de genômica da Escola de
Medicina da Universidade de Washington, contou ao New York Times no ano
passado: "O valor nutricional dos alimentos é influenciado em parte pela
comunidade de micróbios que vai lidar com essa comida".
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