segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

TRANSTORNO DE ESCORIAÇÃO: DOENÇA FAZ PACIENTES TEREM PRAZER AO SE CUTUCAR...


FONTE: Bárbara Therrie, Colaboração para o VivaBem, http://vivabem.uol.com.br

“No início, eu usava apenas a unha. Hoje em dia, eu utilizo todo objeto pontiagudo que estiver ao meu alcance: estilete, tesoura, alicate, pinça, agulha. Eu simplesmente tenho que arranjar um jeito de arrancar aquele pelo encravado na perna, aquela espinha no rosto ou qualquer coisa que esteja me incomodando independente das consequências”.

O relato é da arquiteta *Maria Carolina, de 32 anos, portadora do transtorno de escoriação, doença caracterizada pelo hábito repetitivo e sem controle de cutucar a pele. “Os pacientes que sofrem desse transtorno tentam evitar ou interromper os episódios, mas não conseguem. Eles costumam se beliscar, escoriar, espremer ou coçar a pele usando a unha, os dentes ou objetos”, explica Elen de Oliveira, psiquiatra e uma das coordenadoras da equipe do transtorno de escoriação do Programa Ambulatorial dos Transtornos dos Impulsos (PRO-AMITI) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP.

 “Não há uma causa exata da doença, mas alguns estudos sugerem que os portadores são perfeccionistas, têm dificuldade em planejar tarefas, tendem a criar metas irreais e possuem uma expectativa de produtividade o tempo todo”, comenta Daniel Gulassa, psicólogo e também coordenador da equipe que trata o transtorno no PRO-AMITI. Outro aspecto comum a essas pessoas é que elas não conseguem lidar com as próprias emoções, sendo o comportamento repetitivo uma tentativa frustrada de regular sentimentos negativos. Os gatilhos para as crises são: estresse, tédio, ansiedade, insatisfação com a aparência e solidão.

Há portadores que se cutucam até dormindo.
Ao se cutucar, alguns pacientes relatam dor, mas a sensação principal é a de alívio e prazer, seguida de arrependimento. Alguns iniciam a escoriação de forma consciente e chegam a ficar mais de duas horas no processo. Outros não se dão conta e se cutucam quando estão lendo, assistindo TV ou até dormindo, afirmam os especialistas.

“Meus pais notam quando eu me tranco no banheiro. Eles sabem que esse é o momento que eu entro no meu ‘mundo paralelo de arrancar tudo que acho que está errado’. Gostaria que as pessoas não julgassem e entendessem que não é de propósito, não é algo que eu consiga controlar”, desabafa *Maria Carolina, que já ficou com as unhas inflamadas e sangrando pela compulsão em cutucar as cutículas dos pés e das mãos.

“Preciso maquiar minhas pernas por causa das manchas”.
As lesões provocadas na pele podem evoluir para úlceras, infecções e cicatrizes, e levam a maioria dos portadores a gastar tempo e dinheiro na tentativa de cobrir os machucados. Isso inclui o uso de curativos, cosméticos, acessórios e maquiagem. Alguns chegam a se submeter a procedimentos dermatológicos ou a cirurgias corretivas. “Preciso maquiar minha perna por causa das manchas toda vez que uso shorts, saias e vestidos. Tenho vergonha de usar essas roupas”, diz *Maria Carolina.

Os prejuízos decorrentes do transtorno de escoriação são inúmeros, de acordo com a médica Elen. Na vida afetiva, muitos evitam ter relações íntimas. No trabalho, esses indivíduos afirmam não conseguirem crescer profissionalmente. Na vida social, eles se esquivam de eventos a fim de fugir da curiosidade e do julgamento das pessoas em relação ao seu comportamento e feridas.

Diagnóstico.
Segundo estudos, a doença se inicia na adolescência e acomete predominantemente o gênero feminino, com uma incidência de 1 a 5% da população geral. Para ser diagnosticado, é preciso preencher os cinco critérios indicados no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5). São eles: beliscar a pele resultando em lesão visível; tentar e não conseguir cessar a escoriação; sofrer ou ter alguma área social da vida prejudicada decorrente do ato de beliscar; o comportamento não deve ocorrer devido aos efeitos fisiológicos de alguma substância, como o uso de cocaína, ou por outra condição médica; e por último, a ação de beliscar não pode ser em decorrência de outro transtorno mental, na intenção de causar mal a si mesmo na autolesão não suicida ou por um delírio causado por um quadro psicótico.

Tratamento.
De acordo com o psicólogo Daniel, o tratamento mais indicado para o transtorno é a psicoterapia associada ou não a medicamentos, onde o portador aprende a lidar com os sintomas do comportamento escoriativo, e também passa a observar como ele se relaciona com suas emoções e seu corpo. “Não trabalhamos com a ideia de cura, mas de controle, pois o indivíduo pode reconquistar uma vida sem os prejuízos que a doença acarreta”, conclui.


* O nome foi trocado a pedido da entrevistada.

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