quinta-feira, 2 de setembro de 2010

CADA POVO TEM O GOVERNO QUE MERECE...


“O povo é admirável para escolher àqueles a quem deve confiar alguma parte de sua própria autoridade. Ele não se apóia, para se determinar, senão em coisas que ele não pode ignorar, e em fatos que se apresentam sob seus sentidos. [...] Mas, saberá ele conduzir uma negociação, conhecer os lugares, as ocasiões, os momentos, e deles tirar proveito? Não, ele não o saberá.”, cf. MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. Trad. de Gabriela de Andrada Dias Barbosa, Rio de Janeiro: Ediouro, 1985, p. 46.
No dia 03 de outubro deste ano, milhares de brasileiros comparecerão às urnas para a escolha dos próximos representantes e governantes, que permanecerão no poder por, no mínimo, quatro anos.
O direito ao voto é uma garantia consagrada pela Constituição da República brasileira. Mais do que isso, o direito à participação no processo de tomada de decisões políticas do Estado constitui um dos dogmas sagrados da democracia.
Na Grécia antiga, eram os princípios democráticos que fundamentavam a liberdade do homem perante o soberano. Mesmo assim o direito ao voto se restringia a uma determinada classe, excluindo mulheres, escravos e mestiços.
Na “democracia pura” ateniense, o povo se reunia em assembleias e ali deliberavam sobre as suas leis e as políticas a serem adotadas pelo próximo governante. Além disso, os principais cargos na Grécia antiga eram exercidos por indivíduos eleitos pelo povo para desempenharem as suas funções durante um determinado período de tempo.
Na Filosofia política de Thomas Hobbes deu-se a instituição do pacto entre soberano e súditos, através de um governo representativo. O poder não mais decorria da vontade do soberano, mas do que fora pré-estabelecido pela sociedade.
Rousseau reavivou os ideais de democracia direta proclamada pela Grécia antiga, consubstanciada na vontade geral do povo. Posteriormente, os esses ideais rousseneanos seriam contrariados por Montesquieu, segundo o qual o povo não poderia atuar em todos os assuntos relacionados com a vida política do Estado, cabendo a cada região escolher o seu representante.
Ao propor a separação dos poderes, inspirada em Aristóteles, Montesquieu definiu as funções do Poder Legislativo, que concentrava o exercício de criar as leis e fiscalizar a sua execução. O Poder Executivo, em nada interferia nessa questão.
Kelsen, por sua vez, estabelece que um povo politicamente livre é aquele capaz de conciliar a sua vontade com a vontade do Estado. A democracia constituiria um regime político que implica a participação do povo em todas as funções do Estado (executiva, legislativa e jurídica), atuando direta ou indiretamente, havendo verdadeira identidade entre esses sujeitos.
Em suma, os precursores da Filosofia política sempre elencavam o povo, enquanto elemento do Estado, como o principal responsável pela efetivação dos ideais democráticos.
Os constitucionalistas modernos, encabeçados pelo português J.J. Gomes Canotilho utilizam-se da expressão de Lincoln para expressarem a essência da democracia: “governo do povo, pelo povo e para o povo”. Com isso, elencam a democracia como um princípio estruturante de qualquer constituição democrática e necessária para a efetivação dos direitos fundamentais.
O Brasil se enquadra na democracia indireta ou representativa, onde o povo expressa sua vontade através da eleição de representantes que tomam decisões em nome daqueles que os elegeram.
E o artigo 1º, inciso V da Constituição brasileira consagrou o pluralismo político como fundamento da República Federativa. O postulado favorece a presença de inúmeros partidos políticos e as mais variadas correntes ideológicas no processo eleitoral.
Por outro lado, enseja um significativo número de candidatos que se aventuram na função política sem qualquer conhecimento a respeito das funções para as quais se oferece, o que parece demonstrar que a nossa democracia ainda não amadureceu suficientemente neste quesito.
Inobstante isso, grande parte dos cidadãos ainda desconhece seu papel no processo político e o verdadeiro poder do eleitor na democracia: escolher para o Congresso Nacional, àqueles que estarão aprovando projetos relativos aos temais mais relevantes no Brasil, nada menos que educação, saúde, segurança pública e moradia.
O eleitor deve despertar a sua consciência cidadã e ser capaz de discernir os “aventureiros” que almejam o cargo no Congresso Nacional e no Poder Executivo daqueles que efetivamente podem representar os interesses do povo no Estado Democrático de Direito.
No exercício legítimo da soberania popular, o segredo da democracia representativa é refletir a respeito de escolhas tão importantes. Cada vez mais atual a multi-repetida máxima de Joseph De Maistre, segundo o qual “cada povo tem o governo que merece”!
Vote consciente!
*** Cristiane Helena de Paula Lima é mestranda em Ciências Jurídico-Internacionais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professora de direito internacional público e privado e metodologia da pesquisa jurídica da Faculdade Kennedy, em Belo Horizonte (Minas Gerais).

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