Não
é novidade que o sobrepeso e a obesidade têm alcançado níveis alarmantes em diversos países.
Muito menos que essas condições costumam ser acompanhadas de doenças como
diabetes tipo 2, hipertensão, problemas cardiovasculares e até alguns tipos de câncer. A gente vê no noticiário e nas ruas: o mundo está
engordando.
Nesse
contexto, algumas perguntas não querem calar. Por que a humanidade tem
engordado tanto? Por que é tão difícil dizer “não” à oferta de uma refeição
apetitosa? Por que o processo de emagrecimento é tão árduo?
A
ciência tem nos ajudado a compreender alguns aspectos biológicos limitantes
para a perda de peso que vão além da estigmatizada “falta de força de vontade”.
Um
aspecto importante é que o corpo humano é programado para economizar energia.
Isso pode ser compreendido melhor se recordarmos a história da nossa espécie.
No passado, a disponibilidade de alimentos era limitada e a capacidade de
armazenar energia era determinante para a sobrevivência e a reprodução. Em
consequência disso, herdamos um organismo selecionado para aumentar o apetite e
diminuir o gasto energético em resposta a qualquer indício de déficit
energético.
A
partir da revolução industrial, o corpo “econômico” passou a ser desafiado com
uma oferta excessiva de alimentos — alimentos, que, com o passar do tempo, se
tornaram cada vez mais calóricos. Habituados anteriormente à natureza, os seres
humanos se tornaram caçadores e coletores de supermercado — ou seja, comemos
demais e nos exercitamos de menos. Com o tempo, esses novos hábitos
desencadearam um vertiginoso aumento nos índices de sobrepeso e obesidade por
todo o planeta.
Mas,
se a obesidade é sustentada por mudanças nos nossos hábitos, a solução para
todos os problemas deveria ser bem simples: comer menos e se exercitar mais,
certo? Porém, todos que já tentaram perder peso pelo menos uma vez sabem como
essa equação não é tão fácil de ser implementada. Pesquisas desenvolvidas nos últimos
20 anos indicam que a explicação para isso pode residir em nossas cabeças.
O
cérebro controla o que chamamos de balanço energético, que nada mais é do que a
subtração entre o quanto ingerimos e o quanto gastamos de energia. Quando
comemos mais do que precisamos, o que sinaliza um balanço energético positivo,
os neurônios que inibem a fome e aumentam o gasto energético são ativados e os
que estimulam o apetite e a economia de energia são inativados. O contrário
acontece quando o balanço energético é negativo.
A
ativação alternada dessas células nervosas faz com que o nosso peso seja mais
ou menos constante ao longo do tempo. Por isso é que a maior parte da tonelada
de alimentos que ingerimos anualmente não é convertida em gordura e também não
sofremos uma perda abrupta de peso após um período de jejum. O problema é que o desenvolvimento da obesidade é
acompanhado de alterações importantes na função e na atividade desses
neurônios.
É
como se o nosso cérebro fosse reprogramado para manter o balanço energético em
um novo patamar. Assim, qualquer perda de peso é compensada por um reforço no
apetite e uma diminuição significativa no gasto energético. É aí que o ataque à
geladeira se torna cada vez mais irresistível.
Mas
nem tudo são lágrimas. A ciência tem avançado na compreensão das alterações
neuronais que fazem com que indivíduos com excesso de peso comam demais e se
exercitem de menos. Num futuro próximo, o detalhamento dos circuitos do cérebro
que controlam o balanço energético deve permitir a detecção de alvos
terapêuticos mais específicos e que garantam uma perda de peso saudável e
sustentável.
Enquanto
essas novas soluções não chegam ao mercado — e para evitar que as pessoas
cometam “carboicídio”, o ato de afogar as mágoas num delicioso e gigantesco
pote de sorvete —, podemos discutir alguns dados que confirmam que mudar o
estilo de vida ainda é a forma mais eficaz de se contrapor ao ganho excessivo
de peso e prevenir o surgimento de doenças associadas a ele.
O
grupo de pesquisa do Programa Americano de Prevenção do Diabetes tem
acompanhado o peso e indicadores de saúde de cerca de 3 mil pessoas pelos
últimos 15 anos. Os resultados coletados mostram que indivíduos que mudaram o
estilo de vida perderam mais peso na primeira fase do estudo e apresentaram
menor risco para o desenvolvimento do diabetes e de doenças cardiovasculares.
Cabe salientar que as mudanças de hábitos consistiam em reeducação alimentar e
inserção de apenas duas horas e meia de exercício por semana.
No
fim das contas, ainda vale a pena insistir na luta contra o nosso cérebro
“economizador” enquanto aguardamos a ciência indicar novos caminhos para o
combate à obesidade. E, para aqueles que não estão acima do peso, fica a boa e
velha dica: prevenir é sempre melhor que remediar.
*** Dr. Bruno Chausse é
biólogo e pesquisador do Laboratório de Metabolismo Energético do Instituto
de Química da Universidade de São Paulo (USP).
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