Muitas
pessoas se questionam se a perda de peso rápida pode ser ruim para a saúde. E
até bem pouco tempo atrás a minha resposta seria: sim. Perder peso muito rápido
faz mal, sim. No entanto, algumas publicações relativamente recentes têm feito
a comunidade científica repensar tal resposta. Certamente trata-se de um tema
controverso e ainda sem uma resposta definitiva. Mas alguns pontos
interessantes merecem espaço por aqui.
Como
ponto de partida, eu diria que, talvez, o problema seja a forma como a pergunta
vem sendo feita. É possível que a melhor pergunta não seja essa, mas sim:
perder peso muito rápido dificulta a manutenção do peso que foi perdido? Ou
melhor ainda: perder peso rápido (e não muito rápido) auxilia nos resultados a
longo prazo ou prejudica?
Perder
muito peso no primeiro mês ajuda a consolidar os resultados.
Para
tentar responder a versão reformulada da pergunta-título da nossa coluna
começarei citando uma sub-análise do estudo look-ahead. O
trabalho em questão avaliou 5.145 pacientes com diabetes e obesidade por
aproximadamente 10 anos. Parte deles receberam o que se chamou de intervenção
intensiva no estilo de vida, enquanto que o restante foi apenas orientado da
forma convencional com relação a dieta e exercício. Deste projeto enorme saíram
diversas publicações no universo científico.
Em
uma delas, mostrou-se que, os pacientes que apresentaram maior perda de peso no
primeiro e no segundo mês do tratamento foram justamente aqueles que atingiram
um menor peso ao final de 4 e 8 anos respectivamente. Ou seja, indivíduos que
perdem mais de 6% do seu peso inicial dentro de 1 mês tem maiores chances de
perder peso de forma consistente no longo prazo. O que significa dizer, por
exemplo, que, para uma pessoa que começa seu plano de perda de peso com 90 kg,
reduções de 5,4 kg ou mais no primeiro mês de tratamento são bem-vindas.
A origem
do mito.
Sabemos
que uma dieta convencional produz em média perdas de 2 a 4 kg por mês. Durante
muitos anos ouvimos que perdas de peso rápidas se associavam a um pior
prognóstico no longo prazo. É comum os próprios pacientes nos falarem no
consultório: "Doutor, eu prefiro perder peso devagar porque eu sei que se
eu perder muito peso rápido demais depois eu vou recuperar tudo de novo e ainda
vou ficar com mais excesso de peso do que quando eu comecei".
Tal
conceito foi derrubado em 2013, quando da publicação de um artigo na
revista New England Journal of Medicine intitulado:
"Mitos, presunções e fatos sobre obesidade". Esta publicação se
tornou leitura obrigatória entre os endocrinologistas e nutricionistas e nela
há uma lista de sete mitos na área. Dentre eles, encontramos a perda de peso
rápida como vilã. Tal má interpretação vem da década de 1960, uma época na qual
eram comuns as chamadas VLCD (Very Low Calorie Diets - dietas com
muito poucas calorias, em tradução livre). Dietas com menos de 800 calorias por
dia, porém muito mal elaboradas e, por isso, nutricionalmente insuficientes.
Dessa
forma, estas dietas produziram muitos eventos adversos e passaram a ser
condenadas em livros textos especializados e até mesmo por entidades de saúde
pública. Sendo assim, durante as décadas seguintes, passaram a ser vistas como
péssimas opções. Cabe a nós desmistificar este assunto junto aos pacientes. As
VLCDs podem ser utilizadas sim no tratamento do excesso de peso, porém com
parcimônia, orientação médica e cuidando-se para que não haja deficiência de
algum micro ou macronutriente. Não devem ser vistas tampouco como opção de uso
no longo prazo, uma vez que a adesão a esse tipo de abordagem com muita
frequência é baixa.
Como isso
é aplicado nos dias de hoje?
A
fim de facilitar a prescrição e a adesão a este tipo de dieta, alguns métodos
se fizeram comercialmente disponíveis no nosso país nos últimos anos. São
dietas com um planejamento muito firme e estruturado, nas quais o paciente
mistura água a um pó e produz o que deve comer em cada refeição.
São dietas
ditas proteinadas, ou seja, com um conteúdo um pouco mais elevado de proteínas
em sua composição, mas que não chegam a ser hiperprotéicas. São usadas
quantidades baixas de carboidratos produzindo o que se chama de cetose. Ou
seja, diante da falta de carboidrato na dieta, formam-se substâncias conhecidas
como corpos cetônicos, com objetivo de suprir a falta do carboidrato. Tais
substâncias são capazes de atuar em regiões específicas do sistema nervoso
central produzindo um efeito anorexígeno (inibidor de apetite).
Com
isso, o paciente consegue seguir o plano dietético com mais facilidade e
sobrevém uma perda de peso rápida. São cerca de seis a 10 kg por mês (o
equivalente a 2,5 kg por semana). E já há estudos de mais de um ano de
acompanhamento mostrando boa manutenção do peso.
O que
fazer para ter uma melhor manutenção do peso então?
Nesse
tipo de dieta citada, há a necessidade imperiosa de acompanhamento médico e uma
reposição vitamínica em paralelo para evitar os efeitos colaterais possíveis.
Mas mais uma vez podemos mostrar que perdas de peso mais intensivas podem e
devem sim ser encorajadas. Sinal dos tempos... Afinal de contas a medicina é a
ciência das verdades transitórias!
Sendo
assim, podemos concluir que já dispomos hoje de evidência científica suficiente
para afirmarmos que perdas de peso mais intensivas e mais rápidas podem sim ser
interessantes para o paciente no longo prazo. Por outro lado, isso não
significa dizer que qualquer perda de peso intensiva seja adequada. Há que se
ter sempre bom-senso e acompanhamento de perto pela equipe de saúde. Devem ser
feitos também ajustes de acordo com a resposta de cada paciente.
Continua
valendo a nossa máxima de que nenhum tratamento pode ser encarado como uma
panaceia, havendo sempre riscos e benefícios a serem considerados pelo binômio
médico-paciente na hora da tomada de decisão.
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