FONTE: Daniela Carasco, Do UOL, em São Paulo (http://estilo.uol.com.br).
Sabonete íntimo, desodorante vaginal, gel
perfumado, lenço umedecido, protetor diário de calcinha e até perfume. O que
não faltam nas prateleiras das farmácias são opções de produtos que prometem
“uma vagina limpinha e cheirosa”. A prova de que o órgão sexual feminino, assim
como o seu odor característico, ainda é tabu. E isso precisa acabar, fazem coro
as especialistas.
A médica da família e comunidade Aline de Souza
Oliveira, que atende no Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, em São Paulo,
usa a experiência pessoal para chamar atenção para o assunto. Em sua primeira
visita ao ginecologista, quando ainda era virgem, ouviu que seu corrimento era
falta de higiene. “Foi tão dramático para mim, sofri por anos depois de ouvir
aquilo. Socialmente, a mulher limpinha é aquela que toma conta da sua própria
vagina e mantém seu odor sempre agradável.”
Fato é que, se todas as secreções do corpo têm
cheiro, com a vagina não seria diferente. “Dá pra afirmar que ele é levemente
ácido, como o ph da região, e muda de acordo com a alimentação e o ciclo
menstrual de cada mulher. Natural, sutil e nada desagradável”, esclarece a
ginecologista e obstetra Bruna Wunderlich, que condena o uso de qualquer
produto que o mascare.
Em seu consultório, o que não falta é queixa
sobre o assunto. “As pacientes mais cismadas são aquelas que ouviram, desde a
primeira menstruação, que o sangramento é nojento e sujo. Precisa estar sempre
escondido e abafado. Um segundo grupo é formado por aquelas que têm parceiros
que reclamam na hora do sexo. Já ouvi de meninas jovens que o namorado só
transa depois que ela se lava.”
E esses casos não são raros. Uma pesquisa
realizada pela empresa Sex Wipes, em 2014, com 1.252 homens heterossexuais e
sexualmente ativos de São Paulo revelou que 43% deles não fazem sexo oral nas
parceiras. Entre as justificativas para a repulsa, domina o desagrado com o
cheiro e aparência da genitália feminina.
“Sem dúvida, é um aspecto que aprisiona
sexualmente as mulheres”, afirma Aline. A bailarina Eliana*, 29 anos, atesta a tese. “Até os 26, não topei
receber sexo oral, porque achava o cheiro da minha vagina terrível. Fui ao médico
várias vezes e tudo estava sempre normal. Não tinha nada errado com a minha
saúde.”
Para Palmira Margarida, historiadora e
especialista em odores femininos, além do desconhecimento sobre o próprio
corpo, “existe uma concepção equivocada de que cheiroso é tudo aquilo que se
parece com baunilha e flor, por exemplo”. Nosso olfato foi treinado a achar
fragrâncias sintéticas agradáveis.
Cuidado com a higiene exagerada.
No consultório de Bruna, uma outra questão chama
atenção: a obsessão pela limpeza. “Tenho pacientes com infecções vaginais
causadas pelo excesso de banho. Elas chegam a se lavar seis vezes ao dia,
tamanho incômodo”, conta. A lavagem frequente com produtos adstringentes
provoca uma retirada mecânica das bactérias da flora vaginal, que têm como única
função promover o equilíbrio saudável contra infecções.
O ideal, segundo a especialista, é escolher
apenas um banho do dia para lavar as partes íntimas com um sabonete líquido e
neutro. O produto deve se restringir à virilha e aos grandes lábios. Na mucosa
interna, limite-se à água corrente. “Nada de recorrer às duchas vaginais. A
vagina é autolimpante”, explica. A mesma recomendação vale para os lenços
umedecidos. “Caso ela esteja com alguma infecção, o recomendado é lavar as mãos
com o sabonete neutro e retirar a secreção interna com os dedos.”
Atenção redobrada também à roupa íntima. Prefira
sempre as de algodão, que evitam o acúmulo de suor na região, que é
naturalmente úmida e abafada. Na hora de lavar, use só sabão de coco -- sem
amaciante -- e enxágue duplo. Pigmentos depositados nas peças por produtos de
limpeza podem causar irritação e desequilibrar o ph vaginal.
E o tal "cheiro de bacalhau"?
Camuflar o cheiro natural tem ainda outro fator
agravante, o de não reconhecer qualquer sinal de infecção que se mostra através
da mudança de odor. Toda vulva libera muco, também conhecido como corrimento.
Em geral, a quantidade varia de mulher para mulher e são considerados normais
aqueles transparentes -- amarelo ou esbranquiçado -- e sem odor intenso. Qualquer
alteração de cor ou cheiro precisa ser avaliada por um especialista.
O diagnóstico mais frequente é de vaginose.
Trata-se de uma infecção causada pela bactéria Gardnerella vaginalis, que gera
corrimento acinzentado e leitoso, além do tal cheiro de peixe podre. “A
comparação tem sentido, pois é o mesmo composto químico liberado pelo
bacalhau”, explica Palmira. A contaminação se dá, em muitos casos, na relação
sexual.
“O esperma alcalino, quando depositado na vagina
ácida, desequilibra a flora vaginal, abrindo espaço para as bactérias”, explica
a ginecologista Ana Katherine da Silveira Gonçalves, da comissão de doenças
infecto-contagiosas da Frebasgo.
Já a famosa candidíase é uma infecção causada
pelo crescimento excessivo do fungo Cândida, que normalmente se dá na baixa
imunidade.
Para evitá-las, Ana Katherine orienta a dormir
sem calcinha, evitar os protetores diários, pegar leve na limpeza extrema e
passar longe das peças íntimas muito justas. “Deixe sua vagina respirar”, diz.
E, claro, faça as pazes com seu cheiro.
* O nome foi
trocado a pedido da entrevistada.
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