A epidemia de HIV não
se dissemina pela população mundial de maneira homogênea. São os aspectos
sociais os principais fatores que influenciam nisso.
No Brasil, por exemplo,
encontramos desde o começo o mesmo padrão epidêmico, em que, apesar da baixa
prevalência de HIV na população geral (0,4%), temos altas concentrações em
alguns subgrupos específicos, como os homens gays e que fazem sexo com outros
homens (18%), e as mulheres trans e travestis (31%).
Além disso, nos últimos
anos, estamos vendo algo de novo acontecendo nessa distribuição. Agora, o maior
crescimento do número de novos casos diagnosticados tem sido observado entre os
mais jovens e adolescentes. É nesse subgrupo em que a epidemia mais está
acelerando.
Para se ter uma ideia,
nos últimos 10 anos, o número de novos casos de infecção por HIV diagnosticados
por ano no Brasil, entre jovens de 15 a 24 anos de idade, quase que triplicou,
segundo o último boletim
epidemiológico do Ministério da Saúde.
Dessa maneira, já se
pode dizer que cerca de um terço dos novos casos diagnosticados de infecção por
HIV ocorre entre pessoas com menos de 25 anos. Boa parte deles já tem o
primeiro teste realizado na vida com resultado positivo.
Muitas opiniões
diferentes surgem nesse cenário tentando analisar o que aconteceu para que os
números tomassem esses caminhos. Várias delas culpam os próprios jovens,
dizendo que “eles não se cuidam mais” ou que “eles não têm medo da Aids pois
não viram as pessoas morrerem”.
Eu prefiro pensar que
os jovens de hoje são os jovens de hoje, e que os jovens de 20 anos atrás eram
os jovens de 20 anos atrás. Os jovens de hoje são muito diferentes dos jovens
“antigos” e serão também dos “futuros”, que ainda estão por vir. Além disso, os
jovens de hoje vivem em um mundo completamente diferente do que foi o Brasil da
década de 1990.
Mas, inegavelmente, o
que todos esses jovens têm em comum é a baixa percepção de vulnerabilidade.
Afinal, assim são os jovens.
O que vemos hoje é a
resultante desses fatores, multiplicada pela omissão de ações e campanhas de
prevenção que de fato promovam o diálogo entre o assunto em questão e seu
público alvo, censuradas por terem um tom mais progressista.
Pronto. Tá explicado.
E é justamente por isso
que ao invés de culpá-los, prefiro olhar pra frente e tentar encontrar o que é
preciso fazer para mudar essa tendência pois, se nada de efetivo for feito,
teremos logo mais que lidar com toda uma geração vivendo com HIV. E por toda
sua vida.
A camisinha é ponto
central nessa discussão e não pode jamais ser deixada de lado, mas já sabemos que
ela é simplesmente incapaz
de resolver esse nó sozinha. Assim, mais do que nunca, toda
ajuda nesse empenho será bem-vinda.
Na semana passada, o
FDA, a agência norte-americana que regula o registro de medicamentos, aprovou o
uso da Profilaxia Pré Exposição (PrEP) ao HIV para menores de 18 anos de idade.
Até então, a grande maioria dos estudos que avaliaram a eficácia da prevenção e
a segurança no uso da estratégia, só incluíam participantes maiores de idade.
Só não podemos esquecer que uma parcela considerável da população chega a essa
idade já com a vida sexual iniciada e, portanto, vulnerável.
A liberação nos EUA é
um grande passo para que o mesmo ocorra no resto do mundo. No Brasil, o
programa que oferece PrEP
gratuitamente no SUS, por enquanto, só considera a inclusão
de participantes com mais de 18 anos.
Por causa disso, para
entender qual o papel dessa estratégia no momento atual da epidemia brasileira,
um projeto de pesquisa está sendo desenvolvido para avaliar a oferta de PrEP,
dentro de um plano de Prevenção Combinada, para jovens de 15 a 19 anos de
idade, nas cidades de São Paulo, Belo Horizonte e Salvador.
Estudos anteriores,
realizados em outros países, mostraram que a PrEP, quando tomada corretamente,
é da capaz de proteger da mesma forma os adolescentes vulneráveis de uma
infecção pelo HIV. Entretanto, a adesão aos comprimidos é pior nesse público e
requer esforço adicional da equipe que o assiste para obter os níveis ótimos de
proteção.
No Projeto PrEP Brasil,
por exemplo, a utilização de mensagens de texto no celular conseguiu, entre os
participantes de 18 a 24 anos, fazer com que a adesão à PrEP melhorasse de
maneira significativa.
Da mesma forma, a
tecnologia de uma PrEP injetável aplicada a cada 2 meses já se encontra em fase
de testes no Brasil e pode ser uma opção promissora de prevenção para os jovens
que apresentam dificuldade tanto no uso do preservativo quanto na tomada diária
de um comprimido.
Agora, é hora de
conhecer o universo dos jovens e encontrar quais as melhores maneiras para se
utilizar uma prevenção que funcione em suas vidas. E isso só será possível se
eles forem ouvidos, respeitados e valorizados. A partir daí, será possível
instrumentalizá-los com as ferramentas da prevenção combinada, sem pudor para
falar sobre aquilo que já estão fazendo há muito tempo: sexo.
Sobre o autor.
Médico Infectologista
formado pela Faculdade de Medicina da USP, Rico Vasconcelos trabalha e estuda,
desde 2007, sobre tratamento e prevenção do HIV e outras ISTs. É atualmente
coordenador do SEAP HIV, o ambulatório especializado em HIV do Hospital das
Clínicas da FMUSP, e vem participando de importantes estudos brasileiros de
PrEP, como o iPrEX, Projeto PrEP Brasil, HPTN083 (PrEP injetável) e na
implementação da PrEP no SUS. Está terminando seu doutorado na FMUSP e
participa no processo de formação acadêmica de alunos de graduação e médicos
residentes no Hospital das Clínicas. Também atua na difusão de informações
dentro da temática de HIV e ISTs no Brasil, desenvolvendo atividades com ONGs,
portais de comunicação, agências de notícias, seminários de educação
comunitária e onde mais existir alguém que tenha vida sexual ativa e possua
interesse em discutir, sem paranoias, como torná-la mais saudável.
Sobre o blog.
Com uma abordagem
moderna e isenta de moralismo sobre HIV e ISTs, dois assuntos que
tradicionalmente são soterrados por tabus e preconceitos, Rico Vasconcelos
pretende discutir aqui, de maneira leve e acessível, o que há de mais atual e
embasado cientificamente circulando pelo mundo. Afinal, saber o que realmente
importa sobre esse tema é o que torna uma pessoa capaz de gerenciar sua própria
vulnerabilidade ao longo da vida sexual. Podendo assim encontrar as melhores
maneiras para manter qualidade no sexo, e minimizar os prejuízos físicos e
psicológicos associados ao HIV e ISTs.
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