Uma mulher foi
encontrada morta, em casa, com facadas no peito e mutilações na vagina. O
principal suspeito era o marido. Semanas depois, as investigações policiais
mostraram que ela havia sido atacada na região genital não só com uma faca, mas
com um pedaço de madeira e uma chave de fenda. Mostraram também que os golpes
foram dados depois que ela se negou a fazer sexo com o marido. O crime
aconteceu na cidade de Guarapuava (PR) em março de 2017, e o homem foi
condenado, em janeiro deste ano, a 25 anos de prisão por feminicídio.
Ataques nos genitais
das mulheres, como no crime descrito acima, são considerados uma das
assinaturas do feminicídio, segundo a promotora de Justiça Valéria Scarance,
especialista nesse tipo de crime e integrante do Gevid (Grupo de Atuação
Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica), do Ministério Público de São
Paulo. Ao lado de partes íntimas (vulva, vagina e ânus), rosto e seios também são
atingidos com frequência. O motivo: essas são áreas que representam o feminino.
"O feminicídio se
caracteriza como um crime de ódio praticado contra a mulher por ela ser mulher.
A motivação é destruí-la e a forma é cruel. Por isso, raramente ele é cometido
apenas com um ataque, já que este seria fatal. São inúmeros golpes, em
diferentes regiões, como os genitais", diz a promotora.
Facas,
ferramentas e madeira.
A ideia de posse sobre
a sexualidade feminina é a explicação simbólica para os ataques à genitália,
explica a doutora em demografia pela Unicamp (Universidade Estadual de
Campinas) Jackeline Aparecida Ferreira Romio, autora do estudo
"Feminicídios no Brasil: Uma Proposta de Análise com Dados do Setor de
Saúde". Para a pesquisa, ela analisou 2. 074 casos registrados entre 2009
e 2014, em todo o país.
Segundo a pesquisadora,
esse tipo de agressão é praticado por homens que tinham histórico de explosões
de ciúme. É como se eles entendessem que aquele corpo feminino pertencesse a
ele. Uma vez que a mulher não "obedeceu" à regra, ele quis
destruí-lo. A mutilação vaginal ou de rosto está presente em 40% dos casos.
Os objetos mais
comumente usados são facas, ferramentas e barras de madeira e ferro. "Uma
das características que individualizam o feminicídio é o uso de mais de um
instrumento e também, de mais de um procedimento, como asfixia junto com
facada", explica Valéria. "Como quer exterminar a mulher, o criminoso
faz uma demonstração extrema de força, poder e crueldade."
Diretrizes
da ONU.
Em 2016, o Brasil
implementou o Protocolo Latino-americano para Investigação das Mortes Violentas
de Mulheres por Razões de Gênero. O documento, formulado pela ONU (Organização
das Nações Unidas), estabelece entre as diretrizes que, durante a investigação
policial, é essencial que se identifiquem vestígios de agressões sexuais, o que
pode identificar tanto um estupro quanto a mutilação genital.
Se houver a comprovação
de que a mulher foi mutilada, a pena do feminicídio pode aumentar, já que o ato
é considerado pela Justiça como uma qualificadora de meio cruel. O crime de
feminicídio tem pena de 12 a 30 anos e, com qualificadores, aumenta de acordo
com o juiz.
"O feminicídio é
um crime com características muito marcantes. Quando elas estão descritas em
laudo pericial, o processo chega a um resultado mais justo", afirma
Valéria. "Além disso, provar a crueldade do crime desconstrói o argumento
de que se trata de um 'ato de amor de uma pessoa que perdeu a cabeça', o que
poderia aliviar a pena."
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