FONTE: Marina Kuzuyabu, do UOL, em São Paulo (noticias.uol.com.br).
Disperso, inquieto, desorganizado, impulsivo e esquecido. Estes são os adjetivos mais usados para descrever o comportamento de uma pessoa com Transtorno de Deficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), uma patologia reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), mas muitas vezes confundida como um traço de personalidade, o que faz com que muitos indivíduos passem a vida inteira sem saber que são portadores da doença.
Apesar disso, os sintomas são identificáveis e muitas vezes se manifestam de forma acentuada. A pediatra Alessandra Cavalcante, do Hospital e Maternidade São Luiz, afirma que o deficit de atenção e a hiperatividade estão sempre associados. "Na infância, são aquelas crianças que não ficam quietas em nenhum momento e apresentam dificuldades de aprendizado na escola", explica.
O médico André Felicio, membro da Academia Brasileira de Neurologia e pesquisador da University of British Columbia, no Canadá, acrescenta que, mais do que apresentar mau desempenho escolar, os alunos com o transtorno são frequentemente considerados "um problema" para os professores devido ao excesso de agitação e impulsividade.
Diagnóstico difícil.
O especialista reconhece que a tarefa de distinguir um comportamento expansivo normal, típico da idade, de um patológico é desafiadora até mesmo para um profissional habilitado. Porém, a diferenciação é feita a partir de uma análise sobre os impactos que essas atitudes têm na vida diária, ou seja, no quanto elas interferem no processo de aprendizado e nos relacionamentos interpessoais, por exemplo.
"A relação com outros problemas médicos, como transtornos do sono, alterações de humor, como depressão ou ansiedade, também auxiliam no diagnóstico", acrescenta.
Entre os adultos, os sintomas são semelhantes: constante dificuldade para se concentrar no trabalho ou participar de reuniões longas, impulsividade, perda de prazos, desorganização e outros problemas. O campo cognição também é afetado, como esclarece Felicio.
Sem cuidados médicos, o TDAH pode trazer ainda uma série de consequências negativas para a vida pessoal e profissional do indivíduo. "Eles se acham incapazes, têm dificuldade com tarefas de atenção, cálculo e memorização e, muitas vezes, sentem-se culpados por isso ou são motivo de discriminação por seus colegas. Na verdade, tudo não passa de um problema neurobiológico", reforça.
Origens e desenvolvimento.
"É cada vez mais surpreendente o número de adultos com TDAH que são diagnosticados pela primeira vez nesta fase da vida", declara Felicio. A observação se deve ao fato de que a patologia geralmente "nasce" com o indivíduo. "Estudos com gêmeos uni e bivitelinos mostraram uma concordância muito maior de TDAH nos primeiros, demonstrando o forte componente genético ou hereditário da doença", detalha.
Apesar disso, também estão envolvidos fatores neurobiológicos – relativos a aspectos anatômicos e fisiológicos do sistema nervoso –, e ambientais. Entre os últimos, são citados, no período pré-natal, uso de cigarro e bebida alcoólica durante a gestação. No pós-natal, prematuridade, baixo peso ao nascer e baixa escolaridade. "Há ainda os problemas que podem deixar alguma sequela ou vulnerabilidade no sistema nervoso central, como neuroinfecções e traumas cranianos", explica.
Segundo o especialista, não há estudos epidemiológicos sobre a incidência da enfermidade no Brasil. Mas, no mundo tudo, estima-se que, aproximadamente, 4% das crianças em idade escolar sofrem com o distúrbio, caracterizado como uma desordem neurocomportamental do sistema nervoso central.
Tratamento multidisciplinar.
Para detectar clinicamente o transtorno, Rita Calegari, psicóloga do Hospital São Camilo, recomenda a realização de avaliações médicas, psicológicas e pedagógicas. "Cada um dos profissionais irá propor as melhores técnicas e estratégias conforme o caso", afirma. "O tratamento é multidisciplinar e depende do paciente e seu grau de comprometimento", acrescenta.
Entre as possibilidades, destaca-se o uso de medicação. "Os remédios são normalmente bem tolerados e dão resposta rapidamente. Em poucas semanas, já há uma amenização importante dos sintomas", explica. Embora não haja cura, como ressalta a médica, existe melhora para o quadro e a possibilidade de levar uma vida normal.
Entre os tratamentos não medicamentosos, a pediatra lista psicoterapia, terapia ocupacional e psicopedagogia. Outra possibilidade é a musicoterapia, como acrescenta Meca Vargas, especialista no método. Ela explica que a técnica, por meio de exercícios e jogos corporais, pode desenvolver habilidades como concentração e atenção.
Os cuidados também requerem a participação dos pais, que devem fornecer apoio psicológico e pedagógico, segundo Cavalcante. Os pacientes não podem ser repreendidos por sua falta de atenção ou tratados como incapazes, ressalta Calegari. Em vez disso, eles devem receber tratamento especial, inclusive do ponto de vista físico. Ambientes calmos e sem distração na escola e no trabalho os ajudam a manter o foco, como destaca a pediatra do Hospital São Luiz.
Controle de riscos.
Segundo um levantamento feito pela agência de saúde americana Food and Drug Administration (FDA), houve um crescimento de 46% no consumo de drogas para TDAH entre 2002 e 2010. Muitos especialistas defendem que o aumento se deve aos avanços da medicina, que possibilitaram uma melhora no diagnóstico da doença. Outros, no entanto, interpretam os dados como um excesso de prescrição e mesmo como um reflexo da automedicação.
Sobre esse aspecto, Calegari enfatiza a importância do acompanhamento médico e chama a atenção para as reações adversas que podem ser provocadas. "Na maioria dos casos, a medicação é psicoestimulante e ajuda o paciente a controlar o foco da atenção e manter-se mais estável emocionalmente. Porém, é preciso lembrar que esse indivíduo tem uma disfunção que a droga visa corrigir ou minimizar. Uma pessoa que faz uso de remédios como suporte em fases de estudos intensos, por exemplo, está colocando em risco sua saúde", finaliza.
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