FONTE: Tatiana Pronin, do UOL, em São Paulo (noticias.uol.com.br).
Um estudo divulgado este ano pelo Centro para o Controle e Prevenção de Doenças (CDC), nos EUA, indica que o autismo afeta uma em 88 crianças. Até o ano passado, os especialistas falavam em um indivíduo em 110. Segundo o psiquiatra Estevão Vadasz, coordenador do Programa de Transtornos do Espectro Autista do Instituo de Psiquiatria da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), essa revisão não significa que os casos estejam aumentando. "Hoje a população está mais informada e há muito mais recursos para fazer o diagnóstico", explica.
Apesar de tão frequente, o transtorno ainda gera muito preconceito e está associado a uma série de mitos, muitos deles relacionados às teorias criadas ao longo da história para explicar o problema. "Desde a sua descoberta, quase simultânea, por Leo Kanner nos Estados Unidos e Hans Asperger na Áustria, foram propagados vários mitos sobre autismo, e alguns deles persistem até os dias de hoje", conta o psicólogo Alexandre Costa e Silva, presidente da Casa da Esperança, instituição especializada no atendimento a pacientes com o transtorno, em Fortaleza.
O autismo é um transtorno do desenvolvimento cerebral que afeta o modo como a pessoa se comunica e se relaciona com as outras. "O espectro é amplo e heterogêneo", descreve o médico da FMUSP. Enquanto alguns pacientes vivem com relativa independência, outros vão precisar de cuidados especiais pelo resto da vida. "Metade dos autistas tem retardo mental associado", acrescenta.
Apesar de existirem tantas variações, a nova versão do manual de referência para o diagnóstico de doenças mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), publicada este ano, reúne todas em uma única categoria, chamada "distúrbios do espectro autista".
Veja, abaixo, alguns mitos comuns sobre o autismo, esclarecidos pelos especialistas:
O autismo é causado pela falta de atenção e de afeto por parte da mãe.
Foi proferido pela psicanalista Frances Tustin, em seu livro "Autismo e Psicose Infantil", publicado nos anos 60. Ele se baseia no fato de que uma criança com menos de dois anos não tem um comportamento social definido, então chama o primeiro ano de vida de "autismo normal". Quando o afeto da mãe era inadequado, a criança era condenada a um autismo patológico.
"Posteriormente, na década de 90, a própria autora, poucos anos antes de sua morte, renegou essa visão", conta Costa e Silva.
O ambiente familiar é o culpado pelo autismo.
"As famílias dos autistas são campos de concentração; é necessário resgatá-los para campos de refúgio". Costa e Silva conta que esse mito foi propagado por Bruno Bettelheim, em meados dos anos de 1950, apenas uns poucos anos depois de o mundo haver descoberto os horrores dos campos de concentração nazistas. Tinha um forte apelo comercial, e consta que em sua clínica havia uma imagem simbólica da mãe onde as crianças eram incentivadas a cuspir e a bater, para que expurgassem de si uma suposta hostilidade contra a mãe.
Bettelheim foi desmascarado com o lançamento do livro "The Creation of Doctor B: A Biography of Bruno Bettelheim", em 1997. Dentre outras coisas, o livro conta que Bettelheim se fez passar por médico, e mentiu inclusive a respeito de ter tido contato com o próprio Sigmund Freud.
Três pilares do autismo.
Os sintomas do autismo podem variar drasticamente de criança para criança. Mas a maioria das crianças com o transtorno tem dificuldades com os seguintes aspectos:
Comunicação – elas podem evitar o contato com os olhos ou sorrir, e podem não entender o significado de um sorriso, de uma piscada ou de um aceno. Aproximadamente 40% das crianças com autismo não falam. Outros 25% começam a falar entre os 12 e 18 meses, mas logo perdem a habilidade da fala
Interação social - elas têm dificuldade em se relacionar com outras pessoas, em parte porque não conseguem entender os sentimentos delas e os eventos sociais. Por isso, elas parecem distantes. Como o autismo afeta os sentidos, alguns sons ou cheiros podem ser insuportáveis para os autistas
Comportamento repetitivo - as crianças autistas frequentemente repetem os mesmos comportamentos como balançar os braços, repetir as mesmas palavras ou organizar obsessivamente brinquedos, livros ou outros objetos. Qualquer mudança em sua rotina diária pode causar uma reação importante
"Na verdade o autismo é um fenômeno que se espalha pelo mundo inteiro, e não escolhe cultura, classe social ou grau de harmonia familiar para se manifestar. Há fortes determinantes genéticos envolvidos, com a participação de ambos os pais. Hoje em dia não se sustenta mais uma visão exclusivamente psicológica do transtorno", comenta o psicólogo.
Autistas vivem num mundo só delas.
"Esta é comumente a forma com a qual se descreve o autismo a partir do senso comum", diz Costa e Silva. "Como as pessoas autistas aparentam frequentemente alheamento e distração, e muitas vezes gostam de explorar os mesmos assuntos e de se autoestimular sensorialmente, as pessoas os tomam como seres ‘de outro mundo’."
Para o psicólogo, definir os autistas como estando em outro mundo não ajuda a ver o mundo pela perspectiva deles. "Eles estão no nosso mundo, mas o percebem de uma maneira única, particular." Hans Asperger, inclusive, dizia que a inteligência autista exibia uma espécie de "pureza", intocada pela cultura.
Vacina causa autismo.
O mito surgiu a partir dos estudos de um médico britânico, que relacionou a vacina tríplice (contra sarampo, caxumba e rubéola) ao autismo. O estudo de Wakefield, publicado em 1998, na revista especializada The Lancet, gerou grandes controvérsias e, apesar de especialistas e governos terem garantido que a vacina era segura, houve uma enorme queda nos índices de imunização.
A revista chegou a publicar uma retratação e o médico teve seu registro cassado."No Japão esse conservante deixou de ser usado há muitos anos e a incidência de autismo é a mesma dos EUA", comenta Vadasz.
O autismo pode ser tratado com dieta.
Há uma série de livros e sites que indicam a exclusão do glúten e da caseína (presente no leite) para redução dos sintomas do autismo. Estevão Vadasz explica que não há nenhuma comprovação científica de que a dieta possa interferir na doença. Mas autistas que por acaso tenham algum tipo de alergia ou intolerância devem excluir a fonte de problemas da alimentação.
Psicopatas são autistas.
A confusão começou porque a síndrome de Asperger, uma variação do autismo, foi definida pelo psiquiatra Hans Asperger, em 1944, como "psicopatia autística". Uma tradução moderna do termo "psicopatia" ou "psychopathy", em inglês, segundo Tony Atwood em seu livro "The complete guide to Asperger Syndrom" seria transtorno, e não psicopatia. Ou seja, a palavra era simplesmente sinônimo de um desvio do funcionamento normal da mente.
A psicopatia (oficialmente tratada como transtorno de personalidade antissocial) não tem nada a ver com o autismo. Enquanto o primeiro é um desvio de personalidade, o segundo é um transtorno do desenvolvimento. Um psicopata é capaz de entender com maestria a mente dos outros, a ponto de manipular, enganar e, então, roubar ou matar. Já autistas são desprovidos do que os especialistas chamam de Teoria da Mente: a capacidade de atribuir pensamentos, crenças e intenções aos outros. São ingênuos e incapazes de mentir.
Discurso de psicóloga no Faustão deixa mães de autistas indignadas.
Um comentário de poucos minutos feito pela psicóloga Elizabeth Monteiro no programa do Faustão, na TV Globo, gerou indignação em centenas de mães de autistas e especialistas no último domingo (16). Misturando conceitos de psicopatia e da síndrome de Asperger, um tipo
de autismo, a declaração fez muitas crianças que têm o transtorno ficarem com medo de voltar à escola e serem tratadas como assassinas.
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