FONTE: Janaina Garcia, do UOL Notícias, em São Paulo (noticias.uol.com.br).
A prática de abandono de incapaz é vedada pelo Código Penal brasileiro --que prevê pena de até três anos de prisão para o caso--, embora venha se tornando cada vez mais comum no noticiário nacional: foram pelo menos 13 casos envolvendo recém-nascidos em todo o país, desde o ano passado, segundo levantamento feito pelo UOL Notícias. Mais da metade desse total foi registrada apenas no Estado de São Paulo, onde foram sete ocorrências --seis delas apenas no mês passado.
Apesar da estatística alarmante, o Condeca (Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente), órgão controlador das políticas públicas voltadas a esse público no Estado, não tem até hoje um diagnóstico tanto dos casos de abandono como de qualquer outro tipo de vulnerabilidade de crianças.
De acordo com o presidente do conselho, Alex Aparecido Alves, “em dois ou três meses” o Estado abrirá licitação para contratar uma empresa de consultoria que faça esse diagnóstico, trabalho protelado desde o ano passado e atrasado, justifica ele, em função das eleições estaduais de outubro.
Indagado sobre a definição de políticas específicas sem dispor de um panorama que aponte onde e como agir preventivamente, o presidente do Cendeca, que está no posto desde julho do ano passado, admitiu: “É difícil, mas também não temos como prever, por exemplo, que uma mãe que abandona o filho recém-nascido tenha depressão pós-parto. Por isso precisamos agir também em conjunto com outras áreas, como a Saúde”.
Segundo Alves, a previsão é que o levantamento seja finalizado até o fim do ano, e em todos os 645 municípios paulistas. Nesta semana, contudo, a comissão do Condeca que analisa a contratação da consultoria vai se reunir para propor ao Judiciário, Ministério Público e Secretaria Estadual de Saúde um grupo de trabalho com ações emergenciais contra os casos de abandono.
O que teria de fato despertado para essa necessidade, afirmou, foi o caso do bebê abandonado pela mãe em uma caçamba de lixo, no último dia 18, na Praia Grande (Baixada Santista).
“Precisamos de fato pensar alternativas e estamos nos estruturando para isso --já propusemos um termo de cooperação técnica à Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social para que tenhamos acesso às informações de todos os conselhos municipais da Criança e do Adolescente e dos conselhos tutelares dos municípios.
Poucos deles, hoje, nos dão retorno a dados que pedimos, e os conselhos não são padronizados --infelizmente a política voltada ao público infanto-juvenil nem sempre é prioridade aos governantes, apesar de ser prerrogativa constitucional”, define.
“O SOFRIMENTO NÃO TEM PREÇO”.
Titular da Vara de Infância e Juventude de São Paulo, o juiz Raul José de Felice apontou que a maioria das situações analisadas pelos magistrados diz respeito a casos de abandono --e em proporção até maior, comentou, que a dos casos de violência.
Titular da Vara de Infância e Juventude de São Paulo, o juiz Raul José de Felice apontou que a maioria das situações analisadas pelos magistrados diz respeito a casos de abandono --e em proporção até maior, comentou, que a dos casos de violência.
Na avaliação de Felice, a ausência de estatísticas por parte do Estado sobre quantas crianças são abandonadas, em que locais e por quais motivos, por exemplo, é prejudicial no combate a essas práticas. “Evidentemente que, quando se tem a política de ação, a criança não vai sofrer, pois são maiores as chances de ela ser bem educada e protegida. Sabendo como essas situações estão acontecendo, há como formular políticas para evitá-las --e também para fazê-las vir à luz, em vez de ficar camufladas”, afirmou. “O sofrimento não tem preço."
O juiz está no posto há nove anos e conta que os casos de abandono mais traumáticos, tais como o da Praia Grande, “sempre aconteceram”. “São situações que sem dúvida comovem, mas que são até raras perto de outras, também de abandono, e que aparentemente não colocam a criança tão em risco --negligência, falta de trato, de cuidado, de atenção, e mesmo deixar o pequeno trancado em casa também se encaixa nisso”, ressalta.
O magistrado cita alguns casos. “Tem criança que é abandonada em supermercado, em igreja, em entidades nas quais é deixada para ser cuidada, e os pais não retornam. Mas creio que um recém-nascido localizado há alguns anos em um lixão na zona norte de São Paulo foi o que mais me marcou. A sorte é que ela chorou quando uma pessoa passou por perto."
PREVENÇÃO.
Também adepto da tese de que esse tipo de violência contra a criança “sempre existiu, e em uma escala até maior”, o presidente da comissão de Direitos Infanto-Juvenis da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo), Ricardo Cabezon, alerta que a falta de políticas públicas específicas de combate ao problema é questão não apenas preocupante, como ampla.
Também adepto da tese de que esse tipo de violência contra a criança “sempre existiu, e em uma escala até maior”, o presidente da comissão de Direitos Infanto-Juvenis da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo), Ricardo Cabezon, alerta que a falta de políticas públicas específicas de combate ao problema é questão não apenas preocupante, como ampla.
“As mães precisam de acompanhamento psicológico, por exemplo, pois não apenas verificamos que há várias situações de abandono de recém-nascido atreladas à maternidade precoce, como também há casos de abandono relacionados à depressão pós-parto”, cita o advogado.
“E vemos que é muito difícil até encontrar um hospital público que atenda essa mãe em consulta. Falta muito investimento a respeito, porque esse é o tipo de coisa que não aparece para o governante tanto quanto uma obra”, finaliza.
Nenhum comentário:
Postar um comentário