sexta-feira, 6 de maio de 2011

DUAS DECLARAÇÕES...

1. O dalai-lama, líder espiritual e político do Tibet no exílio (em março, ele anunciou sua intenção de ceder sua liderança política a um líder “livremente eleito”, o que ainda não aconteceu), entrou ontem de corpo e alma no debate sobre a morte do terrorista Osama Bin Laden.

O dalai-lama é o chefe espiritual do budismo tibetano e também governava o Tibet até que, forçado pela invasão e ocupação de seu país pela China comunista, que colocou sua vida perigosamente em risco, deixou o país clandestinamente em 1959, à frente de uma grande caravana de tibetanos, asilando-se na Índia.


Mas viaja pelo mundo, já veio ao Brasil e ontem estava na Califórnia, Estados Unidos. Tenzin Gyatso, atualmente com 75 anos, é a 14ª encarnação do bodhysatva da Compaixão. Deu uma declaração que a muitos – inclusive a mim – terá parecido inesperada.

Eis a declaração, respondendo a uma pergunta sobre a morte do líder da organização terrorista Al-Qaeda: “Como ser humano, Bin Laden pode ter merecido compaixão e inclusive o perdão por seus atos. Perdoar não significa esquecer o que aconteceu. Caso se trate de algo sério e for necessário tomar medidas, deve-se então tomar estas medidas”, disse.

Não tenho a presunção de analisar nem avaliar as palavras do dalai-lama. Se o leitor quiser arriscar, que o faça.

2. Mas ontem foi um dia de declarações inesperadas. Se é difícil, ou pelo menos a mim parece, alcançar a profundidade do que disse o dalai-lama, levando em conta sua responsabilidade e seu estágio de evolução espiritual, não é tão complicado entender o espantoso trançado declaratório do presidente do Senado e do Congresso Nacional o senador José Sarney, ex-presidente da República.

Observe o leitor com atenção o que ele disse ontem, em seminário do PMDB realizado para discutir estratégias de comunicação política. Ele ensinou que a mídia enfraquece os poderes dos partidos políticos no Brasil (foi isso mesmo, pode acreditar, os repórteres registraram com clareza e exatidão). Por causa dessa maldade da mídia, os partidos, segundo Sarney, precisam criar mecanismos para que não percam sua “legitimidade” diante da atuação da imprensa.

Houvesse ele dito somente o que se acaba de relatar, até que se poderia, pedindo emprestada um pouco da compaixão do dalai- lama, atribuir tudo a problemas de sua avançada idade e dar o caso por encerrado, sem maiores considerações. Mas não. O presidente do Senado resolveu falar mais coisas. E que coisas. Leiam, é textual:

“O Congresso, depois de um mês, dois, três, começa a ser contestado. Os deputados não sabem porque foram eleitos e o eleitor não sabe mais que elegeu o deputado. A partir daí, a mídia e seus instrumentos entram e dizem: não, nós passamos a representar o povo. Esse é o grande desafio do mundo atual, da classe política”.

Ora, o presidente do Congresso diz que com três meses de mandato os deputados esquecem as razões pelas quais foram eleitos e assim, claro, embora implícito, os compromissos que assumiram e que levaram os eleitores a votarem neles.

E o eleitor, que já anda muito aborrecido e enjoado com a política e os políticos, já “não sabe mais que elegeu o deputado”, até porque o deputado o esquece ou abandona. Muitos esquecem realmente em quem votaram para deputado, às vezes até mesmo para senador, este é um fenômeno comum. Outros são atingidos por uma espécie de amnésia que elimina o fato de que foram eles que elegeram os deputados e senadores, razão porque passam a “não estar nem aí” para eles.

A natureza detesta o vazio. E é aí nesse vazio, senador, que a mídia entra. Ao invés de “criar estratégias”, como quer Sarney, os congressistas melhor farão se cumprirem seus deveres e compromissos com o povo, representando-o e defendendo-lhes os interesses, não outros interesses.

Nenhum comentário:

Postar um comentário