Maria Rita de Sousa Brito Lopes Pontes – este seu nome completo neste mundo de matéria densa em que, enquanto sofria com as fraquezas do corpo frágil – no qual coabitou por muitos anos a tuberculose em grau avançadíssimo – amenizava ou afastava com sua alma, tão cheia de energia que compensava a fragilidade da carne, as dores e sofrimentos alheios.
Nos primeiros, segundos e terceiros tempos, ela costumava, entre tarefas internas de comando terno e entre compromissos externos para esmolar recursos que mantivesse sua obra feita para os pobres e necessitados – “Vós os conhecereis por suas obras, por suas obras os conhecereis”, indicara seu mestre quase dois mil anos antes – sair debaixo de sol ou chuva e voltar com irmãos que chamava de “meus filhos” e que viviam de pedir esmolas pelas ruas ou que nem mais força tinham para fazer esse tipo de pedido.
Nos últimos tempos, quando já era ela que não tinha mais força para fazer pessoalmente essa coleta celestial na Terra, andando pelas ruas da Cidade Baixa, já montara uma estrutura que atraía e acolhia as pessoas que no começo ela mesma ia buscar pessoalmente. Ela fazia questão de oferecer “a última porta”, quando todas as outras se houvessem fechado para alguém. E exatamente por ser a “última porta” sua oferta, essa porta jamais poderia esta fechada.
Ia aos poderosos para humildemente – com aquela humildade que fez Jesus lavar os pés dos discípulos na Santa Ceia – arrancar-lhes gentilmente uma esmola que permitisse, aos que nada podiam, encontrar aquela porta sempre aberta.Sei, porque é óbvio, que ela gostaria de ter feito muito mais.
Mas se Deus lhe houvesse permitido fazer tudo na dimensão que, imagino talvez alguma vez houvesse sonhado, como é que Deus faria para que a raça dos santos não tivesse nisso seu ponto final? Mas irmã Dulce (como é doce saber que se tem uma irmã assim) não socorreu apenas aqueles que sofriam, por doença ou fome ou mal cuidados para a idade avançada.
Ela se preocupou com aqueles que sofreriam além do que é rotineiro na vida de todo mundo por não terem perspectiva de obter uma educação intelectual e moral satisfatórias. E foi assim que criou o setor das OCID voltado para as crianças carentes. Ela, que quando entre nós fez tantos milagres com os instrumentos do mundo e com os poderes da Alma e do Amor, e que após a morte fez o milagre oficialmente reconhecido pela Igreja Católica que ontem a tornou formalmente (mas vejam se Deus e os Céus iriam esperar pela data e o processo que a precedeu para reconhecer a condição, se o milagre já fora feito com o Poder do Alto!) uma “venerável”, uma “bem-aventurada”, não fez o milagre da cura de uma tuberculose em si mesma. Normal.
A doença terá sido a “passagem por uma grande purificação”, como sugeriu na época em que a doença chegara ao estágio terminal o cardeal Moreira Neves, então arcebispo de Salvador e primaz do Brasil. Mas, isso é uma opinião pessoal minha, a doença também se apresentou para ressaltar a obra, para tornar e até para mostrar quão profunda era a doação que de si fazia o anjo disfarçado de freira baiana.
Na França, Bernadete, uma jovem, encontrou uma fonte de onde jorra água que passou a curar pessoas e que faz isso até hoje. Bernadete acabou tornando-se freira e, conforme um filme que vi, sobre sua vida, foi atingida por uma doença. Não revelou suas dores, que a faziam claudicar, mas foram descobertas. Perguntaram-lhe porque não ia à fonte onde tantos obtinham cura. “Sinto que aquela fonte não veio para mim”, recusou-se.
É o que vi contar de Santa Bernadete. Bem, por alguma razão que foge ao nosso (esse nosso não envolve somente a mim) tão restrito conhecimento, não cabia a Irmã Dulce curar a tuberculose de Irmã Dulce. E se mais acima se quiser ir, não cabia a Jesus descer da cruz antes que o tirassem morto, como lhe sugeriu o “mau ladrão”.
Poder, Ele podia. “Julgais que, se eu Lhe pedisse, meu Pai não me daria mais de doze legiões de anjos?”. Mas não devia. Não devia porque escolhera fazer uma oferta de Amor e tinha uma escolha a cumprir.
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