Deve ser criada na Câmara dos Deputados a CPI dos Pardais.Não se trata, claro, dos passarinhos. Afinal, eles não são suspeitos de cometer, segundo as leis e a ética da natureza, qualquer crime ou falta de ética, mesmo quando insistentemente sujam os carros e com isso agridem sua pintura, feita pífia pelo homem.
No máximo, poderiam os deputados abrir uma CPI para investigar os motivos até hoje inexplicados que levaram os portugueses a trazerem da Europa essas avezinhas de Deus, que alegram as árvores e até mesmo os nossos olhos, mas se tornam irritantes quando colocamos automóveis sob suas rotas ou áreas de voo.
Mas felizmente os deputados – e tal como eles, os senadores – não estão preocupados com os pardais, pois geralmente eles não sobrevoam as avenidas de Brasília e não penetram, nos seus voos rasantes, nas garagens cobertas do Congresso Nacional. Eles estão preocupados com a máfia – melhor seria talvez dizer “as máfias” – dos pardais, aqueles aparelhos abelhudos que sujam os prontuários dos motoristas nos órgãos de controle de trânsito.
Não que os deputados e senadores, em seus carros oficiais chapa-preta, estejam preocupados com esse tipo de sujeira, até porque não são eles, mas seus motoristas, que eventualmente podem ter seus prontuários emporcalhados (empardalados?). Acredito que nada de mal haveria em criar uma CPI dos Pardais, mas tenho uma certa resistência a que seja articulada e criada neste momento.
Para se criar uma CPI na Câmara dos Deputados, com seus 513 integrantes, é necessário um requerimento com 171 assinaturas. O requerimento da CPI dos Pardais já tinha, ontem, 194 assinaturas, estando assim com sua criação garantida, assim que seja protocolado o requerimento.
Há mais de duas dezenas de assinaturas em excesso, portanto, de “reserva” para o caso de que um ou alguns deputados, como não é raro nos casos de CPIs, mudem de posição na última hora e peçam que suas assinaturas sejam retiradas. Parece-me, no entanto, que neste caso da CPI dos Pardais o fenômeno das desistências não deverá ocorrer.
Minhas resistências (mas não tenho instrumentos para fazê-las sentir na Câmara) dizem respeito ao fato de que não se deveriam ocupar agora os congressistas, na Câmara ou do Senado, de coisas pouco importantes, quando há, por exemplo, na área que poderia merecer uma investigação por CPI, o caso da abrupta multiplicação do patrimônio do ex-ministro da Fazenda, ex-deputado e atual ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, bem como do fantástico desempenho da Projeto, sua empresa de consultoria.
Mas não deverá ser criada CPI nenhuma no Congresso a respeito. Isso porque o governo tem esmagadora maioria tanto no Senado quanto na Câmara. Mais ainda na Câmara. Como o governo e sua base parlamentar estão radicalmente contra qualquer investigação do caso do ministro Palocci, a oposição não tem chance de reunir as 27 assinaturas de senadores e 171 de deputados que lhe permitam a criação obrigatória de uma CPI mista de deputados e senadores, como defendia ontem o senador tucano Álvaro Dias.
A consequência é clara: não haverá CPI para o caso Palocci. A conclusão também é – a hegemonia de um partido ou de um governo reduz o grau de democracia, na medida em que restringe o espaço para o contraditório e elimina instrumentos pelos quais o regime democrático é exercitado. Não há espaço para questionar ministros, só pardais.
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