FONTE: RICARDO BONALUME NETO, DE SÃO PAULO (www1.folha.uol.com.br).
Um debate entre médicos italianos está colocando em evidência as dúvidas que ainda persistem sobre a indicação do consumo moderado de álcool para prevenir doenças cardíacas.
O médico italiano Maurizio Ponz de Leon causou uma autêntica tempestade no copo de vinho de seus colegas que publicaram um estudo na revista "Internal and Emergency Medicine" "receitando" álcool para melhorar a saúde do coração.
"Será que estamos de verdade no ponto de receitar o consumo de álcool para reduzir o risco de derrame e dano coronário?", perguntou o médico, que é oncologista e professor da Universidade de Modena e Reggio Emilia.
O estudo em questão era uma revisão da literatura médica sobre o tema feita pela equipe de Augusto Di Castelnuovo, da Universidade Católica de Campobasso.
Eles concluíram que o consumo moderado de álcool protege contra doenças cardiovasculares e mortalidade por todas as causas. Segundo eles, quem bebe pouco deve ser encorajado a continuar.
FALTA DE CRITÉRIO.
Ponz de Leon citou três argumentos para o álcool não ser receitado como remédio.
Ponz de Leon citou três argumentos para o álcool não ser receitado como remédio.
Primeiro, as pessoas não saberiam reconhecer o que é beber com moderação e diferem muito no metabolismo de álcool. Segundo, a bebida é uma causa frequente de acidentes de trânsito.
Ele ainda argumenta que faltam evidências concretas dos benefícios do álcool.
Os autores da pesquisa afirmam que há grupos que se beneficiam mais do consumo de bebida do que a população em geral, como homens adultos com alto risco de problemas cardíacos.
Mas há grupos em que não beber nada é melhor, como mulheres cuja família tem casos de câncer de mama.
Para eles, pedir uma abstenção global "é jogar fora o bebê com a água do banho".
Ponz de Leon, que questiona a indicação de álcool, recebeu críticas severas de pesquisadores afiliados ao Fórum Internacional Científico sobre Pesquisa em Álcool.
"Eu acho que o comentário de Ponz de Leon é um exemplo genuíno e autêntico dos mais comuns e indesejáveis erros que observamos quando a evidência científica tem de ser traduzida em recomendações", disse o médico Fulvio Ursini, da Universidade de Pádua, na Itália.
Mas algumas ponderações do médico são válidas, segundo Rubens Baptista Júnior, especialista em medicina preventiva.
"É preciso ter cuidado com as conclusões de trabalhos científicos que procuram relacionar uma causa a um efeito, quando este é influenciado por uma multiplicidade de fatores."
Ele afirma que, para chegar a uma conclusão firme, os estudos sobre álcool ainda precisam ser reproduzidos em locais diferentes para que sejam considerados válidos a ponto de servirem de base para indicação médica.
"Ainda que os efeitos do álcool sobre o sistema cardiovascular fossem comprovados como benéficos, a recomendação de seu consumo deveria sofrer muitas restrições", diz Batista Júnior, que é professor no programa de estudos avançados em administração hospitalar do Hospital das Clínicas da USP.
"O álcool sabidamente tem ação deletéria sobre fígado, cérebro, estômago, pâncreas, boca, laringe e intestinos, além de trazer riscos durante a gravidez."
De acordo com Curtis Ellison, médico da Universidade de Boston e um dos coordenadores do Fórum Internacional Científico sobre Pesquisa em Álcool, é possível dizer que uma dose por dia, ou até menos, protege contra doenças cardiovasculares.
O ideal, diz ele, é o consumo regular, e não só em fins de semana, de pequenas quantidades de álcool.
"Os franceses têm taxas muito baixas de doença coronária não porque eles bebem muito, mas porque eles bebem todos os dias. Dessa forma, plaquetas e outros fatores que levam à formação de coágulos nas artérias permanecem em um estado favorável", afirmou o pesquisador americano à Folha.
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