domingo, 25 de setembro de 2011

JEQUIÉ É O MAIOR PALCO DE BATALHA ENTRE MOTOS E CARROS DA BAHIA (PARTE DOIS)...


...CONTINUAÇÃO
RODA INIMIGA.

Há casos em que a guerra se dá também entre motos. O soldado da PM Petronílio Alves, 40 anos, que o diga: o militar ficou inválido após ter a rótula e os ligamentos do joelho destroçados em uma colisão com outra moto na avenida Franz Gedeon, uma das mais movimentadas da cidade.


Há casos também em que graves lesões surgem por defeitos na própria pista de guerra. No bairro Joaquim Romão, periferia de Jequié, mora Ana Paula Vargas, 26.


Na noite de 21 de agosto de 2010, ela estava saindo de uma festa na carona da moto de Jefferson Veiga, com quem engatava um namoro.

Quando ele passou por uma lombada não sinalizada, perdeu o controle e bateu no guard-rail da avenida César Borges, centro de Jequié.


No impacto, ambos tiveram a perna esquerda amputada na altura do fêmur. “Senti que minha vida tinha acabado. Estava de emprego novo, tudo pela frente. Mas agora, mesmo difícil, quero me readaptar”, salienta.

Readaptação é também o que busca o ex-vendedor Antônio Marcos Cajá, 43, embora saiba que ela está longe, depois que caiu da moto há oito anos, devido a um choque com objetos soltos na pista.


Um traumatismo craniano lhe tirou quase todos os movimentos e dificultou a fala. “A vida não ficou boa como era . É triste estar assim”, admite. Hoje, para ele, a atividade mais fácil, lembrar, é também a mais penosa.

UMA PONTE PARA O CAOS.

A ponte Teodoro Sampaio é o símbolo da disputa acirrada no trânsito de Jequié. Nos horários de pico, sobretudo entre 17h30 e 18h, pânico é a única palavra capaz de descrever o que ocorre em cima da única via sobre o Rio das Contas, que corta a cidade. Sem sinais nem fiscalização, os condutores se viram como podem.


Ou melhor, como não podem. Carros empurram motos e bicicletas, que por sua vez se empurram entre si. É um “quase-acidente” por minuto.

O que ocorre na ponte se prolifera no resto da cidade. Mesmo após o novo Código de Trânsito Brasileiro, que em 1997 definiu a competência dos municípios para cuidar do tráfego urbano, ninguém sabe ainda quem é o responsável pela gestão do sistema em Jequié.


“A prefeitura não tem condições de contratar agentes de trânsito, devido às limitações da Lei de Responsabilidade Fiscal”, admite o secretário de Infraestrutura de Jequié, Geomésio Atayde, que coloca a culpa dos acidentes no excesso de mototaxistas - estimados entre 6 mil e 8 mil -, e não à falta de fiscalização e de programas de educação para o trânsito, coisa que praticamente não existe por lá.

Isso numa cidade em que há apenas 22 ônibus para transporte público, embora sejam raros de se ver. Sem ter ninguém para tomar conta ou punir infratores, ruas e avenidas vivem ao deus-dará de todo dia.


O colapso é tão evidente que, em 14 de julho, depois de audiências públicas e reuniões, a Associação Jequieense de Imprensa (AJI) apertou o Ministério Público para cobrar a prefeitura, na Justiça, que coloque o trânsito sob suas rodas.

SOS PARA FERIDOS.
Se para muitos o mês é de desgosto, para os técnicos e especialistas do Samu de Jequié, agosto é até bom. “Isso por que, no Verão, os índices de acidentes envolvendo motos é muito mais alto”, explica a médica Ana Cláudia Vieira Lima e Silva, há dois anos e meio socorrendo vítimas da guerra que atinge as motocicletas na cidade.

Mas no dia 28 de agosto, três equipes de plantão no Samu estavam preocupadas. Primeiro, por ser domingo, já que nos fins de semana os acidentes costumam aumentar; no sábado anterior, atenderam seis acidentados.

Depois, por que era dia do clássico entre Vasco e Flamengo pelo Brasileirão. Em Jequié, os dois times dividem a preferência; Bahia e Vitória são “segundos times” no coração da torcida local.

Às 15h30, toca o telefone na central do Samu. Ambulância e paramédicos saem em disparada rumo à avenida Franz Gedeon, no bairro do Jequiezinho.Lá, Miralda Melo de Souza, 53 anos, apresenta uma fratura no punho.


Foi atropelada pela moto pilotada por Ricardo Guedes, 21 anos. Os socorristas dizem que foi o primeiro do dia. “Graças a Deus que está chovendo e, ontem (sábado), a PM fez uma blitz e tirou mais de cem motos irregulares de circulação. Prova de que fiscalização funciona”, aponta o médico Romeu Lefundes.

Às 18h35, novo chamado. Vasco e Flamengo já tinham empatado em 0x0. Desta vez, a requisição é para uma unidade avançada. O vascaíno Othon Carlos dos Santos, calceteiro de 22 anos, voltava para casa de moto, quando encontrou um amontoado de esquadrias na rua. Na batida, caiu e ficou desacordado. No meio do caminho, o CORREIO é avisado de que, na mesma hora, duas outras pessoas foram atropeladas por motos.

TRINCHEIRA DE FERIDOS.

As vítimas de acidentes de motocicletas, atendidas ou não pelo Samu, são levadas ao Hospital Prado Valadares (HPV), único apto a receber os feridos da batalha sob rodas. O impacto das disputas no trânsito é evidente nos corredores lotados da emergência e do setor de traumo-ortopedia.

“Cerca de 90% dos atendimentos aqui são referentes a acidentados por motos”, aponta o diretor administrativo do HPV, Silvio Arcanjo. Com a gestão do trânsito sob abandono - a Coordenadoria Regional de Trânsito (Ciretran) de Jequié sequer fornece dados sobre acidentes -, o balanço da guerra cabe ao Serviço de Arquivo Médico e Estatística do HPV.

E os números só reforçam o calor da batalha. Em 2005, o hospital registrou 599 atendimentos por acidentes de moto, média de 50 por mês, 1,6 por dia. Nos anos seguintes, o crescimento foi gradativo, até que, em 2010, a quantidade aproximada de vítimas assistidas no HPV já era de 1.800, média mensal de 150, cinco por dia.

De 2005 a 2010, a média de motociclistas mortos também foi alta: 18 ao ano. “Só até agosto deste ano, morreram dez”, aponta o coordenador de enfermagem da emergência do HPV, Bráulio Ferreira Neto.

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