FONTE: Jairo Costa Júnior (jairo.junior@redebahia.com.br ), CORREIO DA BAHIA.
Vítimas de acidente com motocicleta contam como suas vidas mudaram após os acidentes.
Vítimas de acidente com motocicleta contam como suas vidas mudaram após os acidentes.
Os olhos do ex-motociclista de 44 anos marejam quando encontram a perna direita arrancada numa quinta-feira que, para ele, prometia ser igual às outras. Mas um adolescente de 16 anos, a bordo de uma caminhonete F-4000, mudou a história de Marcondes Silva.
Naquela manhã de 27 de abril de 2006, uma batida o jogou na lista de sequelados da guerra travada no trânsito de Jequié, no Sudoeste da Bahia, onde as motocicletas são os alvos principais.
Apontada como a mais violenta cidade baiana para pilotar motos em um relatório apresentado em dezembro de 2010 na Câmara dos Deputados, Jequié teve no primeiro semestre do ano passado 387 acidentes de motos a mais que Salvador. Com a diferença que o município possui 151 mil habitantes; a capital, quase 3 milhões.
Os dados foram compilados pela Procuradoria-Geral da República com base em informações dos serviços de saúde estaduais e embasou as críticas feitas contra a regulamentação do serviço de mototáxi. Mas, além do repúdio ao sistema alternativo de transportes, o motivo para os altos índices de acidentes com moto está em duas frentes: o abandono do trânsito pelo poder público e a explosão de ciclomotores na cidade.
Antes de ser destroçada no acidente, a moto de Marcondes engrossava a frota de Jequié, com 16.891 unidades até agosto deste ano, segundo dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). Em 2001, elas eram apenas 3.496, quase cinco vezes menos. Somadas mais 2.731 motonetas, o universo sobre duas rodas representa 49,2% de todos os 39.878 veículos cadastrados no município.
O inchaço produzido pela febre de motocicletas, cuja quantidade atual é 43% superior à de carros (13.761 unidades), tornou as ruas e avenidas de Jequié uma trincheira onde a cada dia se produzem vítimas das mais variadas escalas de gravidade.
Gente como Marcondes, mutilado após ser colhido na saída da zona urbana da cidade. Durante duas semanas de agosto, o CORREIO visitou Jequié, viu e ouviu dezenas de casos semelhantes ao de Marcondes. O resultado está nas páginas seguintes.
Gente como Marcondes, mutilado após ser colhido na saída da zona urbana da cidade. Durante duas semanas de agosto, o CORREIO visitou Jequié, viu e ouviu dezenas de casos semelhantes ao de Marcondes. O resultado está nas páginas seguintes.
Vidas fora do Rumo.
Bairro do Agarradinho, Urbis IV, 13h de 30 de agosto. Em uma pequena casa verde na comunidade carente de Jequié, mora Jonatan Vieira dos Santos, 24 anos. Após minutos à espera da resposta ao chamado, um vizinho avisa: “O menino tá aí, mas a mãe e o pai saíram, e ele não pode abrir a porta”.
As impossibilidades de Jonatan para realizar tarefas simples, como abrir uma porta, surgiram em agosto de 2008. Jones, como é chamado pelos amigos mais próximos, pilotava lentamente sua moto em um cruzamento da avenida Lyons Clube, que circunda parte da cidade do Sudoeste baiano, quando foi abalroado por um Fiat Uno.
“Nem vi a hora ou como aconteceu. O cara fugiu sem prestar socorro”, diz Jones, deitado na cama, cerca de uma hora após a primeira tentativa de visita do CORREIO. O resultado da pancada: fratura nas vértebras cervicais C6 e C7, que acarretou uma tetraplegia. Jones teve ainda o pulmão esquerdo perfurado e ficou cerca de oito meses internado no Hospital Geral do Estado (HGE) em Salvador.
“Nunca recebi uma ligação do motorista do carro para saber se eu morri ou não”, lamenta, sob os olhos injetados do pai, Mário Francisco dos Santos Neto, 47 anos, perna esquerda segura por parafusos, sobre o pé quase esfacelado também por um acidente de moto.
“Mas, tenho fé que vou voltar a andar e ter minha vida de volta. Agora, quero ficar só. Estou sentindo muitas dores”, diz.
Menos de quatro quilômetros separam Jones de outro lesionado da guerra em Jequié. Morador do bairro do Mandacaru, Aurelino Pereira Júnior, 30 anos, desde os 22 anos tenta tocar a vida sem a perna direita. Em 2 de abril de 2000, ele saiu para comprar um frango assado, mas não chegou ao destino.
“Eram por volta de 12h. Nem bem ele tinha saído de moto daqui de casa e o filho de um açougueiro, de carro, pegou ele. A batida foi tão forte que a perna foi decepada na hora. Júnior sofreu muito, mas depois de tanto tempo está melhor, tentando se adaptar à prótese, fazendo um tratamento em Salvador”, conta a mãe da vítima, Adelice da Silva.
Retomar a vida foi o que fez também Marcondes Silva, cuja imagem estampa a capa desta reportagem. Após ser mutilado por quem não deveria, por lei, estar ao volante, Marcondes passou oito dias hospitalizado. “Foi então que recebi a notícia de que tinha que ser amputado. Quando acordei da cirurgia, queria voltar ao normal”, relata.
Agora, Marcondes trabalha como motorista da prefeitura de Jequié, mas só opera veículos adaptados. Para compensar a perda, ajuda outros mutilados da batalha do asfalto a conseguirem próteses em busca de melhor qualidade de vida. “É o mínimo a fazer”, afirma.
LAMENTOS.
Passa das 14h de sexta-feira, 28 de agosto, e a antessala do Instituto Médico-Legal de Jequié está lotada. Seis pessoas esperam as orientações para lidar com a burocracia referente ao Dpvat, seguro para vítimas de acidentes no trânsito.
Quase todas com sequelas dos trancos entre motos e carros. Entre eles, Adriano Santana Moraes, 24 anos, é o que apresenta o pior quadro.
Em 3 de julho deste ano, ele pilotava por uma via periférica. “Tava andando ‘de boa’ na moto e é só o que me lembro, até acordar no hospital. Soube que um carro me pegou”, relembra. O “acordar” de Moraes ocorreu depois de 26 dias de coma, um rim perdido, quatro costelas e uma clavícula fraturadas e o pé direito esmigalhado, no qual a amputação é uma opção quase certa.
CONTINUA...
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