FONTE: *** ÚLTIMA INSTÂNCIA.
Em palestra que proferi no dia 22 de abril na Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madrid fiz uma comparação entre as leis de violência de gênero espanhola e brasileira. O que há de comum e o que há de divergente nelas? A política de tolerância zero, que impede qualquer tipo de justiça negociada ou consensuada, é o primeiro ponto de convergência.
Confia-se na judicialização do conflito, ou seja, a resposta estatal final é da responsabilidade do juiz. Ficaram surpresos os ouvintes quando afirmei (com base em pesquisa de 2006) que 16% dos brasileiros admitem o “direito de correção física do marido” (como se a mulher fosse “sua” propriedade). É um absurdo, mas é isso o que pensa boa parte dos (errantes) brasileiros, neste princípio do século XXI.
A lei espanhola prevê pena maior para o marido que agride a mulher. Quando a mulher é agressora, a pena é menor. Há uma diferenciação de pena (em abstrato), de tratamento. Foram intensas as críticas por violação aos princípios da igualdade, culpabilidade, proporcionalidade e dignidade. Mas a Corte Constitucional espanhola (Sentença 59/2008) decidiu pela constitucionalidade da diferenciação, sustentando a maior censura (reprovação) quando se trata da violência do marido ou noivo etc.
Não há dúvida que a violência de gênero é mais reprovável, mas isso deve ser previsto numa agravante específica, quando então deve ser constatada em cada caso concreto a discriminação de gênero. A presunção genérica de que toda violência do homem contra a mulher é de gênero e é inconstitucional, porque essa generalização ofende a culpabilidade assim como a presunção de inocência. Na violência reativa (homem reagindo contra a mulher), por exemplo, não há que se falar em violência de gênero.
No momento dos debates um dos temas que mais chamou atenção foi o seguinte: depois que o juiz determina várias providências protetivas (distanciamento da vítima, por exemplo), se acontece a reconciliação do casal, o marido continua sujeito ao cumprimento das medidas adotadas? Não existe solução expressa na lei, mas seria o caso de se comunicar prontamente a reconciliação ao juiz (para evitar problemas com a “Justiça”).
Outros dois pontos comuns nos dois países são: 1) o alto índice de absolvição nos casos de violência de gênero. A questão probatória, ao longo do processo, é muito séria (as provas se evaporam); 2) o número de mortes (e os índices de violência em geral contra a mulher) não reduziu (apesar de toda dureza dos textos legais).
A sensação que temos é que a violência de gênero, sendo um problema enraizado na cultura mundial, requer providências muito mais profundas que a mera vigência de uma lei. Problema humano tão sério como este requer (re)educação, conscientização assim como a intervenção de profissionais múltiplos (assistentes sociais, psicólogos, psicoterapeutas etc.), que devem atuar paralelamente à Justiça, dando-lhe as indicações adequadas em cada caso (suspensão do processo mediante condições, prosseguimento do processo, tipo de pena alternativa, pena de prisão etc.).
*** Luiz Flávio Gomes é mestre em direito penal pela USP e doutor em direito penal pela Universidade Complutense de Madrid. Foi promotor de Justiça em São Paulo de 1980 a 1983 e juiz de direito em São Paulo de 1983 a 1998. É professor honorário da Faculdade de Direito da Universidad Católica de Santa Maria (Arequipa, Peru) e professor de vários cursos de pós-graduação, dentre eles o da Facultad de Derecho de la Universidad Austral (Buenos Aires, Argentina) e o da Unisul (SC). É consultor do Iceps (International Center of Economic Penal Studies), em New York, e membro da Association Internationale de Droit Penal (Pau-França). É diretor-presidente da Rede LFG (Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes), que promove cursos telepresenciais com transmissão ao vivo e em tempo real para todo país. É autor de vários entre eles: Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica, Penas e Medidas Alternativas à Prisão e Presunção de Violência nos Crimes Sexuais.
Confia-se na judicialização do conflito, ou seja, a resposta estatal final é da responsabilidade do juiz. Ficaram surpresos os ouvintes quando afirmei (com base em pesquisa de 2006) que 16% dos brasileiros admitem o “direito de correção física do marido” (como se a mulher fosse “sua” propriedade). É um absurdo, mas é isso o que pensa boa parte dos (errantes) brasileiros, neste princípio do século XXI.
A lei espanhola prevê pena maior para o marido que agride a mulher. Quando a mulher é agressora, a pena é menor. Há uma diferenciação de pena (em abstrato), de tratamento. Foram intensas as críticas por violação aos princípios da igualdade, culpabilidade, proporcionalidade e dignidade. Mas a Corte Constitucional espanhola (Sentença 59/2008) decidiu pela constitucionalidade da diferenciação, sustentando a maior censura (reprovação) quando se trata da violência do marido ou noivo etc.
Não há dúvida que a violência de gênero é mais reprovável, mas isso deve ser previsto numa agravante específica, quando então deve ser constatada em cada caso concreto a discriminação de gênero. A presunção genérica de que toda violência do homem contra a mulher é de gênero e é inconstitucional, porque essa generalização ofende a culpabilidade assim como a presunção de inocência. Na violência reativa (homem reagindo contra a mulher), por exemplo, não há que se falar em violência de gênero.
No momento dos debates um dos temas que mais chamou atenção foi o seguinte: depois que o juiz determina várias providências protetivas (distanciamento da vítima, por exemplo), se acontece a reconciliação do casal, o marido continua sujeito ao cumprimento das medidas adotadas? Não existe solução expressa na lei, mas seria o caso de se comunicar prontamente a reconciliação ao juiz (para evitar problemas com a “Justiça”).
Outros dois pontos comuns nos dois países são: 1) o alto índice de absolvição nos casos de violência de gênero. A questão probatória, ao longo do processo, é muito séria (as provas se evaporam); 2) o número de mortes (e os índices de violência em geral contra a mulher) não reduziu (apesar de toda dureza dos textos legais).
A sensação que temos é que a violência de gênero, sendo um problema enraizado na cultura mundial, requer providências muito mais profundas que a mera vigência de uma lei. Problema humano tão sério como este requer (re)educação, conscientização assim como a intervenção de profissionais múltiplos (assistentes sociais, psicólogos, psicoterapeutas etc.), que devem atuar paralelamente à Justiça, dando-lhe as indicações adequadas em cada caso (suspensão do processo mediante condições, prosseguimento do processo, tipo de pena alternativa, pena de prisão etc.).
*** Luiz Flávio Gomes é mestre em direito penal pela USP e doutor em direito penal pela Universidade Complutense de Madrid. Foi promotor de Justiça em São Paulo de 1980 a 1983 e juiz de direito em São Paulo de 1983 a 1998. É professor honorário da Faculdade de Direito da Universidad Católica de Santa Maria (Arequipa, Peru) e professor de vários cursos de pós-graduação, dentre eles o da Facultad de Derecho de la Universidad Austral (Buenos Aires, Argentina) e o da Unisul (SC). É consultor do Iceps (International Center of Economic Penal Studies), em New York, e membro da Association Internationale de Droit Penal (Pau-França). É diretor-presidente da Rede LFG (Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes), que promove cursos telepresenciais com transmissão ao vivo e em tempo real para todo país. É autor de vários entre eles: Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica, Penas e Medidas Alternativas à Prisão e Presunção de Violência nos Crimes Sexuais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário