FONTE: *** ÚLTIMA INSTÂNCIA.
Confia-se na judicialização do conflito, ou seja, a resposta estatal final é da responsabilidade do juiz. Ficaram surpresos os ouvintes quando afirmei (com base em pesquisa de 2006) que 16% dos brasileiros admitem o “direito de correção física do marido” (como se a mulher fosse “sua” propriedade). É um absurdo, mas é isso o que pensa boa parte dos (errantes) brasileiros, neste princípio do século XXI.
A lei espanhola prevê pena maior para o marido que agride a mulher. Quando a mulher é agressora, a pena é menor. Há uma diferenciação de pena (em abstrato), de tratamento. Foram intensas as críticas por violação aos princípios da igualdade, culpabilidade, proporcionalidade e dignidade. Mas a Corte Constitucional espanhola (Sentença 59/2008) decidiu pela constitucionalidade da diferenciação, sustentando a maior censura (reprovação) quando se trata da violência do marido ou noivo etc.
Não há dúvida que a violência de gênero é mais reprovável, mas isso deve ser previsto numa agravante específica, quando então deve ser constatada em cada caso concreto a discriminação de gênero. A presunção genérica de que toda violência do homem contra a mulher é de gênero e é inconstitucional, porque essa generalização ofende a culpabilidade assim como a presunção de inocência. Na violência reativa (homem reagindo contra a mulher), por exemplo, não há que se falar em violência de gênero.
No momento dos debates um dos temas que mais chamou atenção foi o seguinte: depois que o juiz determina várias providências protetivas (distanciamento da vítima, por exemplo), se acontece a reconciliação do casal, o marido continua sujeito ao cumprimento das medidas adotadas? Não existe solução expressa na lei, mas seria o caso de se comunicar prontamente a reconciliação ao juiz (para evitar problemas com a “Justiça”).
Outros dois pontos comuns nos dois países são: 1) o alto índice de absolvição nos casos de violência de gênero. A questão probatória, ao longo do processo, é muito séria (as provas se evaporam); 2) o número de mortes (e os índices de violência em geral contra a mulher) não reduziu (apesar de toda dureza dos textos legais).
A sensação que temos é que a violência de gênero, sendo um problema enraizado na cultura mundial, requer providências muito mais profundas que a mera vigência de uma lei. Problema humano tão sério como este requer (re)educação, conscientização assim como a intervenção de profissionais múltiplos (assistentes sociais, psicólogos, psicoterapeutas etc.), que devem atuar paralelamente à Justiça, dando-lhe as indicações adequadas em cada caso (suspensão do processo mediante condições, prosseguimento do processo, tipo de pena alternativa, pena de prisão etc.).
*** Luiz Flávio Gomes é mestre em direito penal pela USP e doutor em direito penal pela Universidade Complutense de Madrid. Foi promotor de Justiça em São Paulo de 1980 a 1983 e juiz de direito em São Paulo de 1983 a 1998. É professor honorário da Faculdade de Direito da Universidad Católica de Santa Maria (Arequipa, Peru) e professor de vários cursos de pós-graduação, dentre eles o da Facultad de Derecho de la Universidad Austral (Buenos Aires, Argentina) e o da Unisul (SC). É consultor do Iceps (International Center of Economic Penal Studies), em New York, e membro da Association Internationale de Droit Penal (Pau-França). É diretor-presidente da Rede LFG (Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes), que promove cursos telepresenciais com transmissão ao vivo e em tempo real para todo país. É autor de vários entre eles: Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica, Penas e Medidas Alternativas à Prisão e Presunção de Violência nos Crimes Sexuais.
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