FONTE: *** ÚLTIMA INSTANCIA.
O Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) recebeu, recentemente, a visita do advogado-geral da União, Luís Inácio Lucena Adams para debater os seguintes Projetos de Lei: 5.080/09, que trata da cobrança administrativa da dívida ativa da Fazenda Pública; 5081/09, que dispõe sobre a dívida ativa; o PL 5082/09, que versa sobre transação tributária; e o PLP 469/09, que propõe alteração complementar do Código Tributário Nacional, todos de iniciativa do Poder Executivo.
O exame de tais projetos revela que a cidadania brasileira será afrontada se os mesmos vierem a ser aprovados. A Constituição Federal será violada e o cidadão se verá indefeso quando diante do Fisco.
Uma breve análise do Projeto de Lei 5.080/2009 revela que o texto proposto reforça a ideia de que as duas piores situações que o jurisdicionado pode enfrentar são a de credor e de devedor da Fazenda Pública. Para os credores, o governo já aprovou a conhecida PEC do Calote, que deu origem à Emenda Constitucional 62/09, que alterou a forma de pagamento dos precatórios judiciais no país, com graves prejuízos para os jurisdicionados. Para os devedores, o governo prepara agora uma nova lei de execuções fiscais, com cunho autoritário, e, que, nitidamente, busca afastar do Poder Judiciário a cobrança da dívida ativa.
O PL referido só estabelece regras em favor do Fisco. Não há regra em defesa dos contribuintes. É prevista no projeto a possibilidade de, durante o curso do processo, ser substituída ou emendada a certidão de dívida ativa. Mesmo nas execuções embargadas, o Fisco poderá, sem consequências para o processo, corrigir os erros que cometeu.
É certo que, nessas hipóteses, segundo a regra do parágrafo 10 do artigo 2º do PL, a Fazenda Pública pagará honorários de sucumbência, fixados na forma do parágrafo 4º do artigo 20 do CPC (Código de Processo Civil), ou seja, de forma simbólica, como hoje já ocorre. Aliás, é um absurdo que ainda vigore tal privilégio em favor da Fazenda que, quando vencedora, tem a seus honorários fixados com base da regra do parágrafo 3º do artigo 20 do CPC (10% a 20% do valor da dívida) e, quando vencida paga honorários com base na regra do parágrafo 4º do mesmo artigo, na maioria das vezes, valores irrisórios.
O PL referido prevê ainda a possibilidade de ampla investigação patrimonial dos contribuintes, logo após a inscrição do débito da dívida ativa. É criado o SNIPC (Sistema Nacional de Informações Patrimoniais dos Contribuintes), para consolidar as informações. Se não bastasse, o projeto prevê que o acesso ao SNIPC não desobriga o atendimento às informações adicionais requisitadas em caráter geral ou particular aos Cartórios de Registro de Imóveis, Detrans, Secretaria do Patrimônio da União, Capitania dos Portos, Juntas Comerciais, Agência Nacional de Aviação Civil, Comissão de Valores Mobiliários, Bolsas de Valores, Superintendência de Seguros Privados, Banco Central do Brasil, Câmaras de Custódia e Liquidação, Instituto Nacional de Propriedade Intelectual, bem como qualquer outro órgão ou entidade que possua a finalidade de cadastro, registro e controle de operações de bens e direitos.
Tal investigação buscará, inclusive, a existência de relacionamento do devedor com instituições financeiras, para fins de penhora de dinheiro (artigo 12, parágrafo 3º). Em outras palavras, é o fim da privacidade e do sigilo bancário, uma vez que aos agentes do Fisco, em qualquer instância (federal, estadual ou municipal) será dado acesso irrestrito às informações patrimoniais e bancárias dos contribuintes, sem a necessidade de qualquer autorização judicial. Uma verdadeira devassa.
O artigo 5º do Projeto de Lei em comento traz uma regra fantástica. Segundo o referido, o devedor será notificado do inteiro teor da certidão para, em sessenta dias, alternativamente: (I) - efetuar o pagamento, acrescido dos encargos incidentes; (II) - solicitar o parcelamento do débito por uma das formas previstas em lei; ou (III) - prestar garantia integral do crédito em cobrança, por meio de depósito administrativo, fiança bancária ou seguro-garantia. Em caso de descumprimento dessa exigência, o devedor ou o responsável legal deverá relacionar quais são e onde se encontram todos os bens ou direitos que possui inclusive aqueles alienados entre a data da inscrição em dívida ativa e a data da entrega da relação, apontando os quais considera impenhoráveis, sendo que o não atendimento de tal exigência constituirá infração à lei, ou seja, sujeitará os bens pessoais dos sócios aos atos da execução. Isso é um absurdo.
Ao tratar da legitimidade passiva, o PL mascara a real intenção do Governo. Singelamente, estabelece que, não efetuado o pagamento integral nem parcelada a dívida, terá seguimento a execução fiscal contra: (I) - o devedor; (II) - o fiador; (III) - o espólio; (IV) - a massa; (V) - o responsável, nos termos da lei ou do contrato, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado; e (VI) - os sucessores a qualquer título. Porém, é preciso que se esclareça que, em outro PL (469/2009), é criado um novo dever para os contribuintes: o dever de diligência, que consiste em privilegiar o pagamento de tributos em detrimento de outras despesas ou débitos, ainda que essenciais à manutenção da atividade empresarial. O descumprimento terá como conseqüência a atribuição responsabilidade patrimonial aos administradores ou gestores pelas dívidas das pessoas jurídicas que administram, tornando-os, em regra, subsidiariamente responsáveis pelo pagamento dos tributos.
Insatisfeito com o Poder Judiciário o Fisco pretende escapar dessa via. Busca a realização da maior parte do processo de cobrança sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário. Cria os Oficiais da Fazenda Pública, cuja atribuição será exclusiva atuação nos processos de cobrança da dívida ativa.
O devedor até poderá impugnar, judicialmente, os atos praticados pela Fazenda. Porém, essa impugnação, que não terá efeito suspensivo, deverá vir acompanhada de prova de todas as alegações nela contidas, pois não haverá instrução probatória.
Nos embargos à execução fiscal a isonomia entre as partes será uma piada. O devedor terá 30 dias para apresentar os embargos. A Fazenda terá 30 dias para impugnar os embargos, porém esse prazo poderá ser prorrogado a pedido do Fisco, que, por sua vez, poderá ainda cancelar, emendar ou substituir a certidão de dívida ativa (art. 24).
No crédito tributário os abusos são ainda mais gritantes. O projeto prevê que qualquer ação relativa ao débito inscrito na dívida ativa não inibe a Fazenda de promover-lhe execução. Ou seja, pouco importa a razão do contribuinte, os danos que poderão ser causados durante a tramitação do processo e o que diz o inciso XXXIV do artigo 5º da Constituição Federal. A suspensão da execução fiscal somente se dará mediante pagamento ou garantia de pagamento.
Não queremos ser julgados pelo Fisco. Não queremos que a cobrança da dívida ativa se faça sem a intervenção do Poder Judiciário. Muito menos que constrições judiciais ou investigações patrimoniais, com quebra de sigilo bancário, sejam realizadas sem a intervenção do Poder Judiciário.
Não precisamos de uma nova lei de execuções fiscais. Precisamos sim é de mais juízes e de um Poder Judiciário estruturado para atender as demandas que lhe são apresentadas, todas elas, não apenas aquelas em que a Fazenda Pública for autora.
O exame de tais projetos revela que a cidadania brasileira será afrontada se os mesmos vierem a ser aprovados. A Constituição Federal será violada e o cidadão se verá indefeso quando diante do Fisco.
Uma breve análise do Projeto de Lei 5.080/2009 revela que o texto proposto reforça a ideia de que as duas piores situações que o jurisdicionado pode enfrentar são a de credor e de devedor da Fazenda Pública. Para os credores, o governo já aprovou a conhecida PEC do Calote, que deu origem à Emenda Constitucional 62/09, que alterou a forma de pagamento dos precatórios judiciais no país, com graves prejuízos para os jurisdicionados. Para os devedores, o governo prepara agora uma nova lei de execuções fiscais, com cunho autoritário, e, que, nitidamente, busca afastar do Poder Judiciário a cobrança da dívida ativa.
O PL referido só estabelece regras em favor do Fisco. Não há regra em defesa dos contribuintes. É prevista no projeto a possibilidade de, durante o curso do processo, ser substituída ou emendada a certidão de dívida ativa. Mesmo nas execuções embargadas, o Fisco poderá, sem consequências para o processo, corrigir os erros que cometeu.
É certo que, nessas hipóteses, segundo a regra do parágrafo 10 do artigo 2º do PL, a Fazenda Pública pagará honorários de sucumbência, fixados na forma do parágrafo 4º do artigo 20 do CPC (Código de Processo Civil), ou seja, de forma simbólica, como hoje já ocorre. Aliás, é um absurdo que ainda vigore tal privilégio em favor da Fazenda que, quando vencedora, tem a seus honorários fixados com base da regra do parágrafo 3º do artigo 20 do CPC (10% a 20% do valor da dívida) e, quando vencida paga honorários com base na regra do parágrafo 4º do mesmo artigo, na maioria das vezes, valores irrisórios.
O PL referido prevê ainda a possibilidade de ampla investigação patrimonial dos contribuintes, logo após a inscrição do débito da dívida ativa. É criado o SNIPC (Sistema Nacional de Informações Patrimoniais dos Contribuintes), para consolidar as informações. Se não bastasse, o projeto prevê que o acesso ao SNIPC não desobriga o atendimento às informações adicionais requisitadas em caráter geral ou particular aos Cartórios de Registro de Imóveis, Detrans, Secretaria do Patrimônio da União, Capitania dos Portos, Juntas Comerciais, Agência Nacional de Aviação Civil, Comissão de Valores Mobiliários, Bolsas de Valores, Superintendência de Seguros Privados, Banco Central do Brasil, Câmaras de Custódia e Liquidação, Instituto Nacional de Propriedade Intelectual, bem como qualquer outro órgão ou entidade que possua a finalidade de cadastro, registro e controle de operações de bens e direitos.
Tal investigação buscará, inclusive, a existência de relacionamento do devedor com instituições financeiras, para fins de penhora de dinheiro (artigo 12, parágrafo 3º). Em outras palavras, é o fim da privacidade e do sigilo bancário, uma vez que aos agentes do Fisco, em qualquer instância (federal, estadual ou municipal) será dado acesso irrestrito às informações patrimoniais e bancárias dos contribuintes, sem a necessidade de qualquer autorização judicial. Uma verdadeira devassa.
O artigo 5º do Projeto de Lei em comento traz uma regra fantástica. Segundo o referido, o devedor será notificado do inteiro teor da certidão para, em sessenta dias, alternativamente: (I) - efetuar o pagamento, acrescido dos encargos incidentes; (II) - solicitar o parcelamento do débito por uma das formas previstas em lei; ou (III) - prestar garantia integral do crédito em cobrança, por meio de depósito administrativo, fiança bancária ou seguro-garantia. Em caso de descumprimento dessa exigência, o devedor ou o responsável legal deverá relacionar quais são e onde se encontram todos os bens ou direitos que possui inclusive aqueles alienados entre a data da inscrição em dívida ativa e a data da entrega da relação, apontando os quais considera impenhoráveis, sendo que o não atendimento de tal exigência constituirá infração à lei, ou seja, sujeitará os bens pessoais dos sócios aos atos da execução. Isso é um absurdo.
Ao tratar da legitimidade passiva, o PL mascara a real intenção do Governo. Singelamente, estabelece que, não efetuado o pagamento integral nem parcelada a dívida, terá seguimento a execução fiscal contra: (I) - o devedor; (II) - o fiador; (III) - o espólio; (IV) - a massa; (V) - o responsável, nos termos da lei ou do contrato, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado; e (VI) - os sucessores a qualquer título. Porém, é preciso que se esclareça que, em outro PL (469/2009), é criado um novo dever para os contribuintes: o dever de diligência, que consiste em privilegiar o pagamento de tributos em detrimento de outras despesas ou débitos, ainda que essenciais à manutenção da atividade empresarial. O descumprimento terá como conseqüência a atribuição responsabilidade patrimonial aos administradores ou gestores pelas dívidas das pessoas jurídicas que administram, tornando-os, em regra, subsidiariamente responsáveis pelo pagamento dos tributos.
Insatisfeito com o Poder Judiciário o Fisco pretende escapar dessa via. Busca a realização da maior parte do processo de cobrança sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário. Cria os Oficiais da Fazenda Pública, cuja atribuição será exclusiva atuação nos processos de cobrança da dívida ativa.
O devedor até poderá impugnar, judicialmente, os atos praticados pela Fazenda. Porém, essa impugnação, que não terá efeito suspensivo, deverá vir acompanhada de prova de todas as alegações nela contidas, pois não haverá instrução probatória.
Nos embargos à execução fiscal a isonomia entre as partes será uma piada. O devedor terá 30 dias para apresentar os embargos. A Fazenda terá 30 dias para impugnar os embargos, porém esse prazo poderá ser prorrogado a pedido do Fisco, que, por sua vez, poderá ainda cancelar, emendar ou substituir a certidão de dívida ativa (art. 24).
No crédito tributário os abusos são ainda mais gritantes. O projeto prevê que qualquer ação relativa ao débito inscrito na dívida ativa não inibe a Fazenda de promover-lhe execução. Ou seja, pouco importa a razão do contribuinte, os danos que poderão ser causados durante a tramitação do processo e o que diz o inciso XXXIV do artigo 5º da Constituição Federal. A suspensão da execução fiscal somente se dará mediante pagamento ou garantia de pagamento.
Não queremos ser julgados pelo Fisco. Não queremos que a cobrança da dívida ativa se faça sem a intervenção do Poder Judiciário. Muito menos que constrições judiciais ou investigações patrimoniais, com quebra de sigilo bancário, sejam realizadas sem a intervenção do Poder Judiciário.
Não precisamos de uma nova lei de execuções fiscais. Precisamos sim é de mais juízes e de um Poder Judiciário estruturado para atender as demandas que lhe são apresentadas, todas elas, não apenas aquelas em que a Fazenda Pública for autora.
*** Ulisses César Martins de Sousa é conselheiro Federal da OAB, advogado especializado em direito do consumidor. É sócio-titular do escritório Ulisses Sousa Advogados, de São Luís do Maranhão.
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