quarta-feira, 1 de junho de 2011

MULHERES DE BOA LABUTA...

FONTE: Thiago Pereira, TRIBUNA DA BAHIA.


Tudo começa antes mesmo do sol aparecer por completo. Enquanto grande parte da população soteropolitana sequer deixou a cama, dezenas de moradoras do Subúrbio Ferroviário de Salvador já saíram de casa em direção às praias com um balde na cabeça e uma pequena pá improvisada nas mãos. O ritmo do trabalho é ditado pela maré e o ofício, por vezes, leva mais de oito horas para ser completo.


Ferimentos nas mãos e nos pés, sempre desprotegidos, são bastante comuns. Nem mesmo as fortes chuvas do inverno ou o calor escaldante do verão parecem atrapalhar. Para os marisqueiros da capital baiana, a extração do papa-fumo e do sururu nas áreas de mangue tornou-se parte da sobrevivência. Uma atividade pouco reconhecida e de baixa rentabilidade, mas que surge como única opção para muitos nas regiões periféricas da cidade.


Marisqueira desde muito jovem, Maria de Lurdes Santos, 60 anos, criou os filhos e netos com o que retirava das praias do Subúrbio. Hoje, no entanto, já não consegue se sustentar dos mariscos. A diabetes e a labirintite são obstáculos para a extração diária dos moluscos. “Não tenho bolsa família ou qualquer outro tipo de ajuda do governo.


Essas doenças impedem que eu trabalhe como antes e ainda faltam cinco anos para eu poder me aposentar. As coisas estão ficando difíceis. Mas tenho que continuar. Não tenho outra opção”, disse. Grávida de oito meses e meio, a filha de Maria de Lurdes, Silmara Santos, 32, seguiu os passos da mãe e também tem a mariscagem como ofício. Nem mesmo a grande barriga parece atrapalhar a procura pelo papa-fumo, iguaria bastante apreciada pela culinária baiana.


“Já vou completar nove meses, mas venho mariscar porque é necessário. Tenho seis filhos e preciso ajudar dentro de casa. O meu menino mais velho, de dez anos, também já vem à praia para mariscar. É assim que a gente vive. Aprendi com minha mãe e vou passando para meus filhos”.


De acordo com Silmara, cada saco com um quilo de marisco já lavado e retirado da casca custa R$10. Em média, cada marisqueira consegue pouco mais de um quilo de papa-fumo já beneficiado por dia, o que no final do mês totaliza R$300, quase a metade de um salário mínimo. Para piorar, o trabalho não é reconhecido pela maioria dos consumidores, que muitas vezes insistem em receber descontos.


“As pessoas não dão valor aos nossos mariscos. Acham caro o preço que a gente pede, mas não sabem o trabalho que dá pra pegar, lavar, cozinhar e tirar da casca. Começamos de manhã cedo, na praia, e só terminamos depois de tudo ensacado.


É assim todo dia”, reclamou Elisângela Santana, de 18 anos, que abandonou a escola para se dedicar a mariscagem. “Saí no segundo ano do ensino médio. Sei que poderia ter um emprego melhor se continuasse estudando. Mas minha mãe morreu e eu tenho que ajudar meus irmãos. Não posso deixar de trabalhar”, contou a jovem.


A escassez de mariscos é outro problema que tem atormentado quem vive da extração dos moluscos. Segundo Jocélia Correia, que há anos vive da mariscagem, os animais estão desaparecendo das praias do Subúrbio.


“Está ficando mais difícil achar o papa-fumo e o rala-coco. Eles já estavam desaparecendo e teve um vazamento de óleo, há uns dois anos, que piorou tudo. Os esgotos que são jogados no mar pelas casas daqui também atrapalham.


Um especialista um dia veio aqui e disse que eles provocam essas algas que estão em todo lugar. E isso mata os mariscos. Se não tivermos cuidado vamos ficar sem ter com que trabalhar”, afirmou a marisqueira. O diretor presidente da Cooperativa de Pesca da Baía de Todos os Santos (Coopesba), José Dalmo, compartilha do diagnóstico.


“A situação é muito grave. A região precisa urgentemente de uma política ambiental. É lixo residencial, resíduos de peixe e outros tipos de dejetos sendo jogados no mar. Fora que a região é contaminada com mercúrio e outros metais pesados.


Isso põe em risco a saúde pública e também pode provocar a contaminação da praia. Mas o Subúrbio é tratado com descaso, parece que fazem vista grossa para nossos bairros”, pontuou.

FALTAM POLÍTICAS SOCIAIS.
Segundo José Dalmo, além de ações para conservação do meio ambiente, também é necessário que o poder público invista em políticas sociais que tenham como alvo as marisqueiras. “Elas sofrem de diversas doenças ocupacionais. Passam o dia todo debaixo do sol quente, sujeitas a uma insolação ou a um câncer de pele.


Ficam abaixadas, com a coluna curvada. As que estão associadas à cooperativa ainda têm direito a aposentadoria e a um auxílio doença. Mas muitas não estão. E infelizmente todas elas estão fora das políticas públicas que são realizadas em Salvador. É necessário um trabalho de geração de emprego e renda para a população local. O pessoal tem que mudar de vida e muitos querem, só não tem a oportunidade”.

HOMENS MARISQUEIROS – Apesar da predominância feminina, os homens também mariscam nas praias do Subúrbio Ferroviário de Salvador. No entanto, diferentemente da maioria das mulheres, eles usam a atividade apenas como um complemento de renda. Cleiton Oliveira, 25 anos, é pedreiro, mas há 10 anos vai à Praia de Plataforma, próximo a estação de trem Almeida Brandão, para extrair o papa-fumo.


“Nos finais de semana, feriados ou quando ganho uma folga eu venho aqui. Vendo a R$10 o quilo, já lavado, ferventado e sem a casca. Pronto para a moqueca. O dinheiro já ajuda dentro de casa”.


O também pedreiro Wellinton França também procura por mariscos no tempo livre. O objetivo, no entanto, não é a venda para complemento de renda, mas sim o consumo do produto, que para muitos é um alimento afrodisíaco.


“Nasci em cima da maré e cato marisco desde pequeno. Hoje não vendo mais, só pego pra comer. Faço um caldo, que deixa qualquer um forte, em ponto de bala. Tenho 49 anos e nunca falhei, graças ao marisco”, disse.

Nenhum comentário:

Postar um comentário