segunda-feira, 25 de julho de 2011

DEFICIENTES AINDA EXCLUÍDOS DO MERCADO...

FONTE: Carlos Vianna Junior, TRIBUNA DA BAHIA.


Vinte anos depois da promulgação da lei 8.213, de 24 de julho de 1991, que obriga as empresas a terem uma cota de portadores de deficiência nos seus quadros de funcionários, quem mais têm a comemorar são as pessoas que, apesar de limitações físicas ou intelectuais, alcançaram o direito de ter um salário e uma carteira assinada.


Tanto os empresários, como os portadores de deficiências que ainda não conseguiram emprego e as organizações que os representam lidam, ainda, com dificuldades que demonstram o quanto falta para que a inclusão e acessibilidade da pessoa com deficiência, objetivo da lei, sejam efetivamente atingidos.


Só aos 24 anos, quando foi contratado como empacotador, é que Elcio Carlos de Macedo pôde acreditar que era possível ter um emprego. “Passei muito tempo esperando, pensava que nunca ia chegar minha vez”, conta o portador de deficiência intelectual, que há cinco anos trabalha na delicatessen Perini. Os números explicam o sentimento de desesperança pelo qual passou Elcio. No Brasil, a quantidade de deficientes chega a 14% da população, no entanto, apenas 0,67% estão incluídos no mercado de trabalho.


O maior entrave para a inclusão está na falta de capacitação dos deficientes. Cerca de 60% deles são analfabetos e as instituições que se dedicam a capacitá-los enfrentam dificuldades por falta de investimento tanto do setor privado como do estado. A situação do Centro de Formação e Acompanhamento Profissional (Cefap), vinculado à APAE, e um dos maiores provedores de deficientes capacitados no estado, é emblemática.


A instituição atende hoje a cerca de 300 deficientes. Destes, apenas 44 estão tendo uma capacitação que lhes permite ingressar no mercado. Os cursos para esta minoria são resultado do investimento do Governo Federal, através do Plano Territorial de Qualificação (Planteq).


Para a gerente do centro, Tânia Brandão, uma maior capacidade de formar seus alunos seria possível se os empresários investissem mais nos cursos, já que aporte financeiro do estado não é suficiente para todos seus alunos. “O investimento por parte dos empresários é praticamente zero”, informou.


Para fazer cumprir a lei, a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego, na Bahia (SRTE-BA) envia centenas de convocações às empresas, todo mês. Caso elas não comprovem o cumprimento da lei, a fiscalização do órgão pode multá-las com valores que giram em torno de 1.500 reais por pessoa não contratada. Infelizmente, a justificativa, muito usada, da falta de qualificação tem fundamento e exige da fiscalização do órgão uma certa parcimônia.


“Temos que entender que certos setores têm realmente uma maior complexidade e a qualificação não pode ser desprezada”, explica Marli Costa Pereira, coordenadora do Projeto de Fiscalização da Inserção de Aprendizes e Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho, da SRTE/BA.


Por outro lado, Tânia Brandão garante que o Cefap tem condições estruturais de capacitar boa parte da demanda das empresas baianas. “Além dos oito cursos oferecidos, podemos adequar o conteúdo programático para atender a necessidade específica de uma empresa”, destacou.


Segundo ela, os cursos, que raramente são solicitados, para uma turma de 20 alunos, custam 4 mil reais. “Se houvesse uma mudança na mentalidade dos empresários, seria mais fácil inserir os deficientes no mercado. Para se ter uma ideia, hoje temos 146 postos de trabalho esperando por mão de obra e, apesar de termos 264 alunos disponíveis, não há como preencher as vagas, por falta de recursos para a qualificação”, revela.

VÍTIMAS DO PRECONCEITO.
“Fiquei muito triste quando um dos colegas me disse que nós que viemos da APAE, somos malucos”. O relato é de um portador de deficiência intelectual, que trabalha em uma empresa de Salvador. Infelizmente, atitudes como estas, da parte dos empregados ditos ‘normais’, são ainda um problema enfrentado pelos portadores de deficiência. Para a presidente da APAE Salvador, Maria do Carmo, a legislação brasileira, uma das mais modernas do mundo, tem ajudado muito, mas o preconceito ainda é um entrave.


Para Rubens Antônio da Silva, um dos responsáveis pelo Núcleo de Inserção e Acompanhamento da Pessoa com Deficiência no Trabalho, setor do Cefap incumbido de manter assistido o deficiente que ingressou no mercado, a falta de conhecimento, que leva ao preconceito, está em todos os âmbitos das empresas. “Está no empresário, no empregado e, infelizmente”, ressalta, “no setor de recursos humanos”.


Segundo ele, é flagrante a falta de compreensão de que a inclusão social está vinculada a um projeto de uma sociedade mais justa e humanitária, cujos benefícios atingem a todos.


“Alguns profissionais de recursos humanos tendem a cumprir a função de selecionar empregados pensando mais em satisfazer a exigência de um patrão que muitas vezes não tem o conhecimento, ainda, da importância da inclusão social e somente responde a uma imposição da lei”, pondera.


Com isso, segundo ele, ainda existe a preferência por deficientes cuja deficiência não é tão visível.


Outra consequência é a falta de preocupação em preparar os outros empregados da empresa para o convívio com colegas, que, muitas vezes, dependem de um tratamento diferenciado. Para ilustrar a falta de sensibilidade de alguns profissionais de RH, Tânia Brandão, gerente do Cefap, conta um caso exemplar.


“Um deficiente foi eliminado em uma seleção devido à sua aparência, que, segundo o RH da empresa, era incompatível com o setor para o qual ele concorria. Ele insistiu e acabou, com ajuda do Cefap, sendo aceito. “No mês passado, ele foi escolhido o funcionário do mês”, comemora.

RELAÇÕES SE TORNAM MAIS HUMANAS.
Para muitas empresas a convivência com portadores de deficiência se tornou um benefício próprio. “Muitas delas têm nos relatado que o ambiente de trabalho se tornou mais humano e, em alguns casos, até conseguiram um aumento de produtividade”, informa Tânia Brandão.


A McDonalds, em Salvador, é um exemplo. Em suas cinco lojas, a empresa conta com 30 portadores de deficiência. “Eles não são só um cumprimento da lei, nem uma satisfação para a nossa necessidade de nos sentirmos cidadãos, eles são úteis”, relata Dorival de Jesus, encarregado do departamento de pessoal da empresa. Para ele, muitos empregados, ao ver que o deficiente tem uma produção boa, acabam se inspirando e tentam ser mais produtivos também.


A McDonalds vem trabalhando com portadores de deficiência há mais de 10 anos. Segundo Dorival de Jesus, a relação deles com os outros empregados já chegou a um grau de normalidade. “Eles são tratados como pessoas normais, com limites, é claro. Mas tomamos cuidados, fazemos reuniões constantemente com os empregados para conversar sobre o tema e não admitimos preconceito”, informa.


A boa relação com os portadores de deficiência é refletida na permanência de alguns deles no quadro da empresa. “Há uma rapaz, chamado Luciano Santos Oliveira, que está conosco desde 2001”, conta Ricardo Soares, gerente da McDonalds do Iguatemi, no primeiro piso.


Para Fernando Augusto Garrido, Gerente de RH da Perini, a presença dos portadores de deficiência na empresa é uma satisfação, inclusive para os clientes. Juliana Cruz, gerente da loja da Pituba, conta que existem clientes que já conhecem os empregados e que os procuram para serem atendidos por eles. “Criam um vínculo com os portadores de deficiência e se identificam com o papel social da empresa”, explica.


“Outra prova do quão positivo é tê-los em nosso quadro, é saber que em nossas avaliações periódicas, os setores que recebem as melhores pontuações são justamente aqueles que mais têm portadores de deficiência”, revela Garrido. A Perini conta com 44 desses de deficiência, seis a mais que a sua cota exige.

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