Ainda que haja tolerância social, manter casa de prostituição é crime. O entendimento é da 5ª Turma do STJ que, por seu ministro relator do REsp 1.102.324/RS Adilson Macabu – desembargador convocado, firmou posicionamento que vem sendo adotado também pelo STF.
O recurso foi interposto pelo Ministério Público, tendo em vista que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu que o crime de manter casa de prostituição, tipificado no artigo 229 do Código Penal, “não é mais eficaz, por conta da tolerância social e da leniência das autoridades para com a prostituição institucionalizada (acompanhantes, massagistas etc.), que, embora tenha publicidade explícita, não sofre nenhum tipo de reprimenda das autoridades”.
Para o relator do REsp, no entanto, prevalece no Tribunal da Cidadania o entendimento de que a tolerância social não descriminaliza a conduta tipificada do mencionado crime. Para ele “a lei penal só pode ser suprimida por outra lei penal que a revogue; a indiferença ou tolerância social não excluem a ilicitude”.
No mesmo sentido, é a conclusão do STF. A 1ª Turma do Supremo, ao julgar o HC 104.467/RS (08/02/2011), unanimemente, concluiu que é típica a conduta de manter casa de prostituição.
A teoria da adequação social, de Hans Welzel, preconiza o raciocínio de acordo com o qual é possível que, ainda que a conduta se adeque ao tipo (formalmente), ela seja considerada atípica quando socialmente adequada, ou seja, se a prática que num primeiro momento é típica, mas está de acordo com a ordem social, ela é em verdade materialmente atípica porque não há lesividade ao bem jurídico protegido.
A questão trazida no presente julgado, no entanto, é de se refletir. De acordo com o que foi informado na página on line do STJ, em primeira instância afastou o crime do artigo 229, mas considerou-se que era o caso de se imputar o crime do artigo 228 (Art. 228. Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone), pois ocorria que a mulher mantinha outras mulheres em sua casa, fornecendo abrigo, alimentação, cobrando dos clientes o aluguel do quarto e vendendo bebidas alcoólicas.
Veja-se. Há fatos socialmente aceitos que não geram conflitos, por exemplo, a mãe que perfura a orelha da filha. Não há aqui qualquer tipo de conflitividade. O mesmo não ocorre, no entanto, no fato de manutenção de casa de prostituição, onde haja exploração. O novo tipo penal do art. 229 do CP é explícito: só existe o crime de casa de prostituição onde houver exploração (abuso, violência, subjugação etc.). Isso não se evidenciou no caso em apreço.
Logo, se no caso julgado não houve abuso, violência, imposição, ou seja, exploração, não há que se falar em crime (porque a atividade sexual, por si só, não é crime). Pessoas adultas têm o direito de fazer o que bem entendem com seu corpo (desde que façam livremente). Claro que isso pode ser censurado moralmente. Mas moral é moral, Direito é Direito. O que o Código Penal reprime, na atualidade, é a exploração sexual, porque ninguém é obrigado a participar de ato sexual sem sua vontade (livre).
Assim, parece-nos que a posição acertada está com o TJ-RS, embora tenha fundamentado sua decisão no princípio da adequação social que, de acordo com a jurisprudência, de fato, não se aplica ao crime de manter casa de prostituição.
*** Luiz Flávio Gomes é jurista e cientista criminal. Fundador e presidente da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.
*** Áurea Maria Ferraz de Sousa é advogada pós graduada em Direito constitucional e em Direito penal e processual penal.
*** Áurea Maria Ferraz de Sousa é advogada pós graduada em Direito constitucional e em Direito penal e processual penal.
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