domingo, 4 de setembro de 2011

SEM REMÉDIO, TRATAR LEUCEMIA VIRA ‘LOTERIA’...



FONTE: Do Estadão, por Mariana Lenharo, TRIBUNA DA BAHIA.

Nesta semana, o Hemocentro da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) deve comunicar a 14 pacientes com leucemia mieloide crônica (LMC) que eles deixarão de receber o medicamento de que precisam. Eles foram apontados nominalmente em um documento do Ministério da Saúde.


Isso porque, segundo os médicos do Hemocentro, o grupo excede o teto estabelecido por uma portaria que limita em até 15%, por instituição de saúde, a porcentagem de pacientes com a doença que podem receber o medicamento de segunda linha – única opção para os que deixam de responder às opções de primeira linha.

Todas as instituições ouvidas pelo Jornal da Tarde afirmam que o índice de pacientes que necessitam dos medicamentos de segunda linha passa de 15% no Estado de São Paulo, que tem uma das prevalências mais altas de leucemias no País.


Presidente da Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia (ABHH), o médico Cármino Antônio de Souza estima que essa taxa fique entre 25% e 35% nos pacientes do País. “Vamos ter de chegar para esses pacientes e dizer que o governo decidiu que eles não podem mais receber o remédio”, critica.


Para Souza, a Portaria n.º 90/2011, que passou a ser aplicada em julho, representa uma “camisa de força” para o tratamento da LMC. No caso do Hemocentro da Unicamp, que atende a 40 pacientes com o medicamento de segunda linha, de um total de 176 pacientes com LMC, a estratégia tem sido realocar recursos para pagar os tratamentos “excedentes”. Hematologista da instituição campineira, José Francisco Marques Júnior diz que a situação trouxe uma crise financeira da ordem de R$ 150 mil por mês para a instituição.

Segundo Marques Júnior, além de não repassar o recurso, o Ministério enviou o documento com o nome dos 14 pacientes que tiveram o pedido para o medicamento de segunda linha negado. “É como uma roleta russa, porque essa escolha não teve critério clínico nenhum. Passaram uma régua e quem ficou acima da linha dos 15% foi glosado ([/IP8,0,0]cortado pela portaria). Ou seguimos essa lista ou escolhemos outros 14 pacientes para parar de tratar e condená-los à morte”, completa.

Outros hospitais procurados pela reportagem também afirmam que a porcentagem de pacientes que precisam do medicamento de segunda linha é maior que 15%. No caso do Hospital de Câncer de Barretos, esse índice é de 20%, segundo o hematologista Nelson Siqueira de Castro. “Essa alternativa resulta em uma morbidade bem menor do que o transplante. A doença incide mais a partir dos 60 anos, quando os pacientes costumam ter outras doenças e tendem a ter complicações com tratamentos mais agressivos”, diz.

Também na Santa Casa de São Paulo a indicação para medicamentos de segunda linha contra LMC é superior à taxa indicada pelo Ministério da Saúde. O médico Carlos Sérgio Chiattone, diretor do Hemocentro da instituição, é crítico em relação à portaria. “O governo tem colocado em suas portarias porcentuais de pacientes que podem tomar tal ou tal medicação. A nosso ver, isso é um grande equívoco, a medicina não é matemática.”

O relações públicas Caio Del Roveri Ferreira, de 25 anos, está entre os pacientes da capital que tiveram o pedido de tratamento de segunda linha negado pelo governo. Ele foi diagnosticado com LMC há quase um ano. Nos primeiros seis meses de tratamento seu organismo respondeu muito bem ao remédio de primeira linha, mas a melhora estacionou e exames identificaram uma mutação rara na doença, que só responderia aos remédios de segunda linha.


Um mês depois de encaminhar à Secretaria de Estado da Saúde os documentos para o pedido do novo medicamento, recebeu a negativa. A mãe do rapaz, Deise Del Roveri, conta que a situação é desgastante para toda a família. “Ele colocou todas as esperanças nesse tratamento e estava na expectativa desse telegrama.”

O tratamento com remédios de segunda linha pode chegar a um custo mensal de até R$ 10 mil por paciente, segundo estimativas dos próprios usuários. Para a coordenadora-geral de Média e Alta Complexidade do Ministério da Saúde, a oncologista Maria Inez Gadelha, a determinação do teto de 15% foi baseada em dados nacionais dos hospitais que, em auditorias, mostraram os procedimentos mais adequados segundo os protocolos do Ministério.

Segundo ela, nesses hospitais, o total de pacientes que necessitava de tratamento de segunda linha não chegava a 10%. Assim, a parcela de 15% teria sido adotada com uma margem de segurança. A oncologista enfatiza que a intenção é que ninguém fique desassistido .

Apesar de a portaria ser de março, a determinação do teto para a segunda linha só passou a ser aplicada em julho. A presidente da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale), Merula Steagall, conta que a entidade está alerta à questão e em contato com hematologistas de todo o País para verificar se a medida levará a interrupções de tratamentos. “Verificada qualquer irregularidade, pressionamos o sistema. Mas não queremos alertar antes de os problemas ocorrerem”, diz Merula.

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