FONTE: Karina Bueno, Especial para o BOL (noticias.uol.com.br).
Sebastião entrou na universidade e atua como advogado. Thereza e Ana descobriram o prazer de viajar. Margarida encontrou uma nova atividade em terras estrangeiras. Esse grupo de brasileiros com mais de 60 anos representa uma parcela crescente na população: idosos que vivem de forma ativa e fazendo planos. E esta segunda-feira, 1º de outubro, é uma data especial, pois marca o Dia Internacional da Terceira Idade, instituído pela ONU (Organização das Nações Unidas) em 1990.
O Brasil tem cada vez mais motivos para comemorar a data: o país conta com mais de 20 milhões de pessoas acima de 60 anos, segundo dados do último Censo, realizado em 2010 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Em 2000, esse número não chegava a 15 milhões, um aumento significativo para um espaço de 10 anos.
As principais razões para esse crescimento na população idosa brasileira são os avanços da medicina e o seu alcance, a maior preocupação com a qualidade de vida e o aumento da expectativa de vida. Tudo isso gera uma mudança no perfil da terceira idade, que está cada dia mais ativa, cuidando da saúde e fazendo planos para o futuro.
De acordo com Luciana Cassimiro, psicóloga do Instituto Paulista de Geriatria e Gerontologia (IPGG) e que desde 1994 atua com a terceira idade, a mudança no perfil do idoso vem acontecendo ao longo do tempo. “Essas pessoas nem se imaginavam chegando aos 60 ou 70 anos porque seus pais faleceram antes dessa idade, então tiveram que acompanhar as transformações da sociedade”, explica Luciana. “Eles se tornaram mais ativos e flexíveis para lidar com este período curto e rápido de mudanças, passaram da máquina de datilografia para o computador”, completa.
Toda essa necessidade de adaptação tem feito com que os idosos, após a aposentadoria, passem a fazer mais planos para o futuro, realizando aquilo que na juventude parecia impossível, como estudar, viajar ou trabalhar em uma área completamente diferente. “Esta adaptação dos idosos a uma nova realidade não é fácil, pois eles podem sofrer muito”, conta Luciana. A aposentadoria, por exemplo, se não for planejada, pode trazer um sentimento de inutilidade à pessoa, que de uma hora para outra sente ter perdido o seu papel na sociedade.
Esse não foi o caso de Sebastião, Thereza, Ana e Margarida, citados no início da reportagem. Eles encontraram na terceira idade novas formas de aproveitar a vida e mostram que sempre é tempo de aprender. Conheça a seguir suas histórias.
Trabalhando após a aposentadoria.
“No dia da colação de grau fiquei muito emocionado quando chamaram meu nome”, conta Sebastião Gerônimo de Souza, morador da cidade de Campinas, interior de São Paulo. “Desde o tempo de escola eu tinha a vontade de estudar, mas não estudei porque naquele tempo tudo era mais difícil, só as pessoas abastadas conseguiam ir além do 4° ano”, diz. Trabalhando como motorista de ônibus e caminhão, Sebastião relata que, quando transportava estudantes e via os seus livros, pensava em um dia voltar para a escola.
Foi exatamente o que ele fez. Escolheu um curso supletivo e concluiu com muita luta o ensino fundamental e o médio. Estudava à noite e trabalhava durante o dia. Uma das filhas estudava com ele quando sentia dificuldades com as tarefas.
Hoje com 80 anos, trabalhando ativamente como advogado cível e trabalhista, ele relembra como foi que decidiu, depois de aposentado, fazer uma graduação em Direito. “Prestei o primeiro vestibular e não passei, mas não desisti e na segunda tentativa passei na primeira chamada”, afirma Sebastião.
Não foi fácil para ele chegar até a formatura, já que precisou interromper os estudos no 2° ano porque as mensalidades pesaram no orçamento. Voltou para o mercado de trabalho e, com a ajuda do novo chefe, voltou para a faculdade com tudo pago, o que ajudou Sebastião a realizar seu sonho.
Chamado carinhosamente de “Sebas” pelos colegas de faculdade, de quem recebia muito apoio, ele conta que muitos conhecidos achavam que ele não devia investir tanto em uma graduação naquela idade. “Mas eu aconselho que quem quiser estudar, que vá sem medo”, conclui, animado.
Sebastião, aos 80 anos, faz parte do novo perfil do idoso, comprovado pelos números divulgados pelo Ministério do Trabalho. No último ano, aumentou em 11,45% a quantidade de pessoas acima de 65 anos no mercado formal. Foram 402.753 idosos trabalhando com carteira assinada em 2011, contra 361.387 em 2010.
A amizade deixa a vida melhor.
Thereza Augusta Gotardi Albani, de 72 anos, e Ana dos Santos, de 65, nutrem uma amizade que começou há 44 anos como uma relação profissional. Ana trabalhava na casa de Thereza, ajudando a cuidar da casa e dos três filhos, e hoje já faz parte da família.
“A Ana tem um alto astral e vai durar até os 110 anos!”, diverte-se Thereza. As duas caminham juntas quase todos os dias, vão juntas aos médicos e fazem exames regulares para cuidar da saúde. Mas enquanto Thereza frequenta a academia há sete anos para fazer hidroterapia, Ana prefere assistir à televisão.
Bastante ativas, as amigas de Santos, litoral de São Paulo, também aproveitam a nova fase da vida para viajar e conhecer lugares como Buenos Aires, Gramado, Viçosa e Rio de Janeiro. “Nós não estamos dando conta do calendário, temos rodinhas nos pés”, diz Thereza.
Para matar as saudades dos filhos que vivem em outras cidades, Thereza decidiu aprender a usar o computador depois de ter ficado viúva. “Antes eu só sabia pôr na tomada. Enquanto o meu marido estava vivo, eu nunca me interessei”, confessa. Hoje ela usa o Skype todas as manhãs para manter contato com a família e tem até perfil no Facebook.
Trabalho voluntário no Canadá.
Era para ser apenas uma viagem ao Canadá para visitar a filha que fazia intercâmbio em Montreal, mas Margarida Tomico Nakaharada Kokubo, hoje com 64 anos, logo arranjou uma atividade quando descobriu que a filha teria compromissos por duas semanas seguidas e não poderia passear pela cidade com ela.
Margarida Tomico Nakaharada Kokubo, 64 anos, durante viagem ao Canadá “Em São Paulo eu sempre procuro comprar produtos orgânicos e descobri que no Canadá existe um programa de trabalho voluntário em fazendas de orgânicos. Escolhi uma fazenda de ervas medicinais e outra que produzia pão e plantava cogumelos. Foi muito legal!”, conta ela, que admite ter vontade de repetir a experiência em fazendas na Europa.
Por duas semanas, mesmo sem falar muito bem o idioma, Margarida conheceu pessoas de muitas partes do mundo, fez amizades e aprendeu bastante com o trabalho voluntário do Programa WWOOF (World Wide Opportunities on Organic Farms), presente nos cinco continentes.
Como gosta muito de livros, Margarida, mesmo depois de aposentada, decidiu continuar estudando. Já fez cursos de pós-graduação em Ayurveda, uma ciência indiana que estuda a vida e a longevidade, e agora estuda Biopsicologia, e pensa em prestar vestibular mais uma vez para estudar Educomunicação.
“Eu me sinto privilegiada de poder fazer essas coisas. Minha mãe, na época dela, foi uma guerreira, mas ela casou com 17 anos e não pôde estudar porque trabalhou desde muito cedo”, conta Margarida. “Muita gente me pergunta: pra que tudo isso? Mas eu gosto de estudar e ainda quero aprender”, conclui.
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