FONTE: *** ÚLTIMA INSTÂNCIA.
Noticiou-se na quinta-feira (22/4) que o MPF (Ministério Público Federal) em São Paulo entrou com ação civil pública na Justiça contra a Uniban (Universidade Bandeirantes de São Paulo) pela expulsão da então estudante de turismo Geisy Arruda.
A Procuradoria quer que o MEC (Ministério da Educação) reabra investigação sobre a conduta da universidade após o episódio em que Geisy foi hostilizada por dezenas de alunos por usar um vestido curto no ano passado. Segundo o procurador responsável pelo caso, ao arquivar a apuração, o MEC se omitiu de sua responsabilidade de fiscalizar e punir instituições de ensino que não cumprem preceitos constitucionais e legais em seus processos disciplinares.
Não consigo compreender por que tal atitude agora. O caso hoje tornou-se um meio para lançar a jovem pelos caminhos da mídia e da vida de celebridade. A verdadeira importância que ele guardava, a da discussão sobre a violência contra a mulher, provocada pelo preconceito foi totalmente esquecida.
Posso falar com bastante tranquilidade, porque fui o advogado responsável pela coordenação das providências da esfera criminal, as quais visavam apurar a execrável violência da qual a jovem fora vítima.
Sete crimes foram elencados no requerimento de abertura do inquérito policial, sendo eles: difamação e injúria qualificadas; ameaça, constrangimento ilegal e cárcere privado, estes dois também na forma qualificada; incitação ao crime e ato libidinoso.
Como base legal não foi usado apenas o Código Penal, mas a própria Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará – 1994 – promulgada pelo Decreto 1973/96), que qualifica a agressão contra a dignidade feminina como violência contra os direitos humanos.
A vítima não era só Geisy, mas também as colegas que ficaram presas na sala de aula, incluindo o professor, único herói de evento —que teve sua reputação praticamente destruída— ao manter o quanto pode a turba fora da sala. O evento foi de uma barbaridade sem par sua gravidade tornou-se maior porque foi perpetrado por estudantes, de quem se espera que sejam as futuras sementes da construção da cidadania.
O MPF poderia à época ter apoiado a instauração do IP, que tem natureza pública, ao invés de justificar ações de competência própria, como fez —fazendo questão de nos comunicar naquele momento— e como agora volta à carga para fazer. O MEC já se manifestou e arquivou o feito. Ressuscitá-lo para que?
A Autoridade Policial solicitou cópia da sindicância. Não sei qual o resultado, pois não acompanho mais o caso.
E posso dizer por quê: o caso possibilitaria discussões sobre o aprimoramento legislativo, na questão velada da violência contra a mulher, não só no âmbito domiciliar —aliás, problema muito mal trabalhado pela chamada lei Maria da Penha— mas no espaço público em geral, no espaço do trabalho, no espaço do estudo, enfim, em todos aqueles em que se diz que há plena igualdade entre gêneros. Como se trata tal discussão? Isto tudo poderia ser discutido.
Mas não foi. Nem a violência contra a dignidade feminina, nem crimes praticados por estudantes, nem a perda de valores relativos à consciência de cidadania. Nada.
Preferiu-se falar sobre a vida da jovem e de uma possível carreira artística. Preferiu-se falar de sua plástica, de sua forma e não de seus sentimentos, sobre os quais talvez nem ela tenha tido tempo para refletir.
Ela tornou-se uma celebridade e confirmou a tese do sociólogo polonês Bauman, de que a pós-modernidade é uma luta entre “locais” e “globais”. Os primeiros presos ao espaço que a falta de recursos os colocam e os últimos livres de qualquer sensação de espaço, pois o global é virtual, é a celebridade por todos vista e cuja posição é almejada. Geisy, antes “local” presa à localidade humilde que morava no município de Diadema, hoje é a “global”, que desfila, é fotografada e vista nos meios de comunicação.
Assim, o que poderia ser o exemplo de uma luta pela dignidade feminina foi engolido pelo sistema impiedoso da sociedade do capitalismo tardio. E tornou-se o modelo a alimentar o anseio de jovens, que a árdua e fria vivência pós-moderna prende na realidade de uma existência de poucas condições e oportunidades.
*** João Ibaixe Jr. é advogado criminalista, sócio do escritório Queiroz Prado Advogados. Especialista em direito penal, pós-graduado em filosofia e mestre em filosofia do direito, foi delegado de Polícia e coordenador da Assessoria Jurídica da Febem. Atualmente é membro efetivo da Comissão de Direito Criminal da OAB-SP, além de professor assistente e coordenador de núcleo de pesquisa da PUC-SP.
A Procuradoria quer que o MEC (Ministério da Educação) reabra investigação sobre a conduta da universidade após o episódio em que Geisy foi hostilizada por dezenas de alunos por usar um vestido curto no ano passado. Segundo o procurador responsável pelo caso, ao arquivar a apuração, o MEC se omitiu de sua responsabilidade de fiscalizar e punir instituições de ensino que não cumprem preceitos constitucionais e legais em seus processos disciplinares.
Não consigo compreender por que tal atitude agora. O caso hoje tornou-se um meio para lançar a jovem pelos caminhos da mídia e da vida de celebridade. A verdadeira importância que ele guardava, a da discussão sobre a violência contra a mulher, provocada pelo preconceito foi totalmente esquecida.
Posso falar com bastante tranquilidade, porque fui o advogado responsável pela coordenação das providências da esfera criminal, as quais visavam apurar a execrável violência da qual a jovem fora vítima.
Sete crimes foram elencados no requerimento de abertura do inquérito policial, sendo eles: difamação e injúria qualificadas; ameaça, constrangimento ilegal e cárcere privado, estes dois também na forma qualificada; incitação ao crime e ato libidinoso.
Como base legal não foi usado apenas o Código Penal, mas a própria Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará – 1994 – promulgada pelo Decreto 1973/96), que qualifica a agressão contra a dignidade feminina como violência contra os direitos humanos.
A vítima não era só Geisy, mas também as colegas que ficaram presas na sala de aula, incluindo o professor, único herói de evento —que teve sua reputação praticamente destruída— ao manter o quanto pode a turba fora da sala. O evento foi de uma barbaridade sem par sua gravidade tornou-se maior porque foi perpetrado por estudantes, de quem se espera que sejam as futuras sementes da construção da cidadania.
O MPF poderia à época ter apoiado a instauração do IP, que tem natureza pública, ao invés de justificar ações de competência própria, como fez —fazendo questão de nos comunicar naquele momento— e como agora volta à carga para fazer. O MEC já se manifestou e arquivou o feito. Ressuscitá-lo para que?
A Autoridade Policial solicitou cópia da sindicância. Não sei qual o resultado, pois não acompanho mais o caso.
E posso dizer por quê: o caso possibilitaria discussões sobre o aprimoramento legislativo, na questão velada da violência contra a mulher, não só no âmbito domiciliar —aliás, problema muito mal trabalhado pela chamada lei Maria da Penha— mas no espaço público em geral, no espaço do trabalho, no espaço do estudo, enfim, em todos aqueles em que se diz que há plena igualdade entre gêneros. Como se trata tal discussão? Isto tudo poderia ser discutido.
Mas não foi. Nem a violência contra a dignidade feminina, nem crimes praticados por estudantes, nem a perda de valores relativos à consciência de cidadania. Nada.
Preferiu-se falar sobre a vida da jovem e de uma possível carreira artística. Preferiu-se falar de sua plástica, de sua forma e não de seus sentimentos, sobre os quais talvez nem ela tenha tido tempo para refletir.
Ela tornou-se uma celebridade e confirmou a tese do sociólogo polonês Bauman, de que a pós-modernidade é uma luta entre “locais” e “globais”. Os primeiros presos ao espaço que a falta de recursos os colocam e os últimos livres de qualquer sensação de espaço, pois o global é virtual, é a celebridade por todos vista e cuja posição é almejada. Geisy, antes “local” presa à localidade humilde que morava no município de Diadema, hoje é a “global”, que desfila, é fotografada e vista nos meios de comunicação.
Assim, o que poderia ser o exemplo de uma luta pela dignidade feminina foi engolido pelo sistema impiedoso da sociedade do capitalismo tardio. E tornou-se o modelo a alimentar o anseio de jovens, que a árdua e fria vivência pós-moderna prende na realidade de uma existência de poucas condições e oportunidades.
*** João Ibaixe Jr. é advogado criminalista, sócio do escritório Queiroz Prado Advogados. Especialista em direito penal, pós-graduado em filosofia e mestre em filosofia do direito, foi delegado de Polícia e coordenador da Assessoria Jurídica da Febem. Atualmente é membro efetivo da Comissão de Direito Criminal da OAB-SP, além de professor assistente e coordenador de núcleo de pesquisa da PUC-SP.
Nenhum comentário:
Postar um comentário