FONTE: JOLIVALDO FREITAS, TRIBUNA DA BAHIA.
Quando chega o Natal aí sim parece que o diabo está solto. O trânsito nas grandes cidades fica caótico; os malandros roubam os idosos nas portas dos bancos sem o menor sentimento cristão; os assaltantes entram em parafuso e assaltam muito mais por causa do maior volume de dinheiro nas ruas, lojas, bares, restaurantes e caixas eletrônicos e também porque têm filhos, mulher, mãe, passarinho, cágado, plantas nos vasos e um viralata de nome Rex ou Baleia, enfim, bandido tem família e precisa dar presente.
É um estresse o Natal. Eu adoro o estresse natalino. Gosto de estar nos shoppings cheios, iluminados, coloridos e barulhentos, com gente andando em fila como num ninho de saúvas; sacolas que batem nas pernas, pacotes que tiram fino na testa e pisadelas de moças e madames com seus saltos altos que não nos veem e nem pedem desculpas em sua pressa de comprar antes que as ofertas acabem.
Compra-se de tudo às vésperas do Natal. Se for no apagar das luzes leva-se até par de meia sem parte já aconteceu comigo. Hoje o sonho de consumo do comerciário, operário e afins é uma moto financiada em centenas de vezes ou uma TV Led, pois a 3D ainda não gera confiança. Tempos recentes e todos queriam um DVD Player. Antes o objeto de desejo era um videocassete. Bem antes servia muito bem um aparelho de telefonia celular com flip, o conhecido tijolão. E, lá atrás, bem longe deste século, se alguém conseguisse um aparelho de TV em preto e branco matava os vizinhos de indisfarçável inveja.
As crianças de hoje querem iPad, iPod e Playstation com interatividade. Lá no tempo do onça o que elas almejavam era uma bicicleta Caloi ou Monark e se fosse uma Monareta, ai meu Deus. As meninas vinham loucas para carona no bagageiro. Se fosse no quadro, com o vento batendo no rosto, o perfume da garota e seus cabelos incomodando gostosamente na face, era o paraíso e não poderia ter Natal melhor. Os pequenos mesmo queriam uma patinete ou velocípede da Trol.
Lembro de alguns presentes que ganhei no Natal. Na véspera colocava os sapatos na janela – e não tinha ladrão natalino para roubar – ou ao lado da cama; fingia que ia dormir e ficava esperando para dar um flagrante em Papai Noel. Nunca consegui pois ele entrava tão sutilmente em nossa casa que passava desapercebido. E o sono também acabava com a campana.
O primeiro presente que consta em minha lembrança é um ônibus elétrico, chamado de trollebus, que meu tio fez com a máxima perfeição usando o flander de uma lata de azeite Sanbra. Pintado de prata e com pneus de borracha feitos também artesanalmente. Depois lembro de um velocípede azul e branco e de uma bola de borracha – nunca que tive uma bola de couro – que no primeiro chute caiu no teto do coreto na pracinha do meu bairro da Cidade Baixa e nunca mais a vi, e de um revólver prateado e todo decorado como o de Roy Rogers que atirava de espoleta.
Meu irmão Nino nunca foi perdoado pelo fato de com sua indefectível curiosidade, ter aberto para ver as molas de dentro e o revólver só funcionou no dia de Natal e ficaram seus restos para sempre. Inclusive em minhas memórias. Nunca mais que achei outro. Como me comportei mal este ano, sei que Papai Noel não vai me dar brinquedo. Adoro Natal. Meu vizinho odeia.
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