FONTE: Jolivaldo Freitas, TRIBUNA DA BAHIA.
O jornal El País, de Madri, pergunta o porquê do brasileiro não ficar indignado com tanta maracutaia, rombo, fraude, furto, rapa, malversação, escambo, permuta, compadrismo, toma lá dá cá, companheirismo e corrupção. Quem tentar responder vai cair na seara da filosofia, na tese acadêmica e resvalar num trabalho antropológico longo chato e barroco. Ou ficar no simplismo e dizer na lata que todo brasileiro gosta de se dar bem e admira quem é mais “sabido” - aquele que consegue levar vantagem em tudo; dentro da máxima da velha e cada vez mais atual Lei de Gerson.
Qualquer um poderia se referir, naquela analogia colonialista (ou complexo de vira lata a que tanto se referiu Nelson Rodrigues), que em outro país mais desenvolvido o que acontece hoje no Ministério dos Transportes, onde dinheiro corre solto e mais rápido que Rubinho Barrichello na Fórmula 1; com ministro caindo e levando à sotavento todo o seu staff, como um séquito de peças de dominó envolto em lodaçal, seria motivo para alegria geral e irrestrita dos donos de funerárias, tantos seriam os suicídios, para fugir da eutanásia moral.
Por bem menos que isso meteu uma bala na cabeça esta semana o italiano Mario Cal, um dos gestores do San Raffaele Verzé Don Luigi, por não ter dinheiro para honrar os compromissos do hospital. Pouca coisa, nos padrões brasileiros. Lembro daquele caso, tempos passados, do ministro japonês da Agricultura, Toshikatsu Matsuoka, envolvido em um escândalo de corrupção, que cometeu suicídio. O escândalo era bem pequeno para nossos padrões.
Recentemente encontrei num vôo de Brasília um assessor de diretor de uma grande empresa mista (estatal e privada) e por acaso começamos a falar deste negócio agora que é empresa aérea cobrar a água mineral que serve, apresentar a conta dentro do avião quando o incauto pede um lanche e, pasme meu senhor e minha senhora, ter de dar um “por fora” para ser ajeitado numa poltrona que recline. Quem não paga viaja de castigo, quase que empalado. Tão ruim quanto andar no metrô de São Paulo na hora do rush.
Sem saber que o homem estava no meio do furacão de uma operação da Polícia Federal eu caí na besteira impensada de aproveitar que estava a criticar as empresas de avião e ações de marketing para baratear passagem, mas tratar mal os passageiros, observando que num país em que corrupção é tratada como folclore ou serve apenas para motivo de piada, nada mais me surpreendia. E acrescentei:
- Quando alguém é punido, tem de ser mosca morta, como aquele presidente de um clube de futebol lá do sertão, dos cafundós de Judas no ermo do imenso território baiano, que foi suspenso para sempre do glorioso esporte bretão, por ter oferecido uma mala preta para seu time ganhar. Veja o caso da CBF ou da Fifa: deu em Nada. Você viu a maracutaia na empresa...?
O homem me olhou de cima para baixo, respirou fundo e me disse que eu cuidasse da minha vida. Que seu eu não estava a par da realidade não esboçasse opinião. Que se eu provava que a diretoria tinha mesmo metido a mão? Que ele poderia me denunciar e ainda levar um troco por danos morais. Foi então que o identifiquei, pois sua cara estava estampada nos jornais. Gelei, claro!
Como nada mais tinha a dizer e todo mundo no avião já estava sem saber se olhava para ele para conferir a estampa ou olhava para mim sem nada entenderem (meu receio era que achassem que eu era cúmplice e a discussão seria pela divisão do butim), tentei ser agradável e sussurrei baixinho só para ele ouvir:
- Olha doutor, o senhor está com um tremendo mau hálito. O senhor pode estar com uma hérnia de hiato ou algum defeito da válvula cárdia. A halitose é muito perigosa.
- Você é médico? - Quem tem mau hálito é sua mãe –. E foi procurar outro lugar para sentar. Por castigo pegou uma poltrona dura e sem reclinar. Não adiantou ter roubado tanto. Viajou na classe D. E os passageiros não tiravam os olhos de mim.
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