FONTE: Jolivaldo Freitas, TRIBUNA DA BAHIA.
Houve um tempo que para chegar a Itapuã era um suplício. Isso lá pelos idos dos anos 50 e eu ia no colo da minha mãe, portanto não tenho queixas do percurso. Mas era assim, já que morávamos na Cidade Baixa: pegava um lotação na Boa Viagem, saltava na Praça Cayru, atravessava a rua, subia o Elevador Lacerda.
No ponto final da Praça da Sé demorava, mas chegava um ônibus (não lembro se era o Trolebus – ônibus elétrico – ou se era comum) e ia pinga-pinga pingando até o Rio Vermelho. Descia, vinha um outro até a Pituba e daí era um deus-nos-acuda até conseguir transporte para Itapuã.
O que iríamos fazer lá? Veranear é claro. Itapuã era terra de veraneio e pescadores. Tão longe que os moradores achavam péssimo ter de vir para a cidade ou para Salvador, pois era assim que tratava a capital: como algo distante e á qual eles não pertenciam psicologicamente, embora parte geograficamente.
Não havia nenhuma casa de alvenaria. A nossa mesmo fora comprada na mão de uma família de um pescador que desaparecera no mar (conto a história mais adiante) e que terminou mudando para a Praia do Forte – bem mais longe ainda, coisa de mais de um dia de viagem.
Mas era algo que até hoje o povo lá de casa comenta – os mais velhos, lógico – com saudade matadeira. Diziam, e eu não acredito, que pela Boca do Rio ainda tinha índios remanescentes dos tupinambás e que tudo era dunas e Mata Atlântica. Alguns garantem que tinha raposa pelo caminho e em cada lagoa os jacarés ficavam crocodilando ao sol.
Era ar puro, salitre e quando em se chegando a Itapuã, à beira-mar, aquela maresia, que vem a ser uma preguiça danada. E se desse para escutar as ondas batendo nas pedras (todo mundo sabe que Itapuã significa “Pedra que ronca”, na língua Tupy-Guarany), aí é que se entregar ao tempo.
O povo lá de casa garante que tinha um tio, já encantado, que tinha espírito (sem trocadilho) aventureiro. Ele gostava de sair para caçar pombas-rolas, jacarés e anuns e também saía com os pescadores para alto-mar em busca de sororoca e atum; e foi num dos barcos que ele costumava ir com os amigos que aconteceu o inesperado. O dia estava claro, e logo ao alvorecer colocaram o saveiro na água e partiram na direção Norte, lá pelas partes de Arembepe.
Quando todos voltavam, no final da tarde, houve uma viração, tudo escureceu como se fosse o fim do mundo. Os raios caiam como chuva e a chuva como se fosse espetos e deu noite alta e ninguém tinha chegado.
Os outros pescadores não podiam sair por causa da arrebentação. Quando o mar acalmou já era madrugada e os companheiros saíram em busca de ajuda. Pelo que se conta nas histórias lá de casa, um mestre-saveirista decidiu, com sua experiência, fazer o trajeto contrário aos outros e foi ele quem conseguiu achar a embarcação quebrada ao meio, sem vela e sem leme com os homens agarrados ao que restou do casco e assustados. Miguel Poiteiro sumiu e nunca mais apareceu. Foi a família dele que vendeu a casa para o pessoal lá de casa.
Lembro, nos anos 60 do século passado, do coqueiral fechado de Itapuã, da Lagoa do Abaeté e das dunas que tomavam toda a geografia, partindo de Piatã até sumir pelas bandas da Praia do Flamengo. E lembro das noites de lua cheia coincidente com o Verão, quando as meninas botavam suas melhores chitas e saiam recendendo a água-de-cheiro, alfazema e naftalina.
Passavam flertando e quando tudo dava certo, os coqueiros eram abrigos e a areia da praia era a alcova. Vez em quando um pai com peixeira na bainha botava para correr. Ou uma baleia se aproximava da costa e nos olhava com seu olhar de peixe morto.
Houve um tempo que para chegar a Itapuã era um suplício. Isso lá pelos idos dos anos 50 e eu ia no colo da minha mãe, portanto não tenho queixas do percurso. Mas era assim, já que morávamos na Cidade Baixa: pegava um lotação na Boa Viagem, saltava na Praça Cayru, atravessava a rua, subia o Elevador Lacerda.
No ponto final da Praça da Sé demorava, mas chegava um ônibus (não lembro se era o Trolebus – ônibus elétrico – ou se era comum) e ia pinga-pinga pingando até o Rio Vermelho. Descia, vinha um outro até a Pituba e daí era um deus-nos-acuda até conseguir transporte para Itapuã.
O que iríamos fazer lá? Veranear é claro. Itapuã era terra de veraneio e pescadores. Tão longe que os moradores achavam péssimo ter de vir para a cidade ou para Salvador, pois era assim que tratava a capital: como algo distante e á qual eles não pertenciam psicologicamente, embora parte geograficamente.
Não havia nenhuma casa de alvenaria. A nossa mesmo fora comprada na mão de uma família de um pescador que desaparecera no mar (conto a história mais adiante) e que terminou mudando para a Praia do Forte – bem mais longe ainda, coisa de mais de um dia de viagem.
Mas era algo que até hoje o povo lá de casa comenta – os mais velhos, lógico – com saudade matadeira. Diziam, e eu não acredito, que pela Boca do Rio ainda tinha índios remanescentes dos tupinambás e que tudo era dunas e Mata Atlântica. Alguns garantem que tinha raposa pelo caminho e em cada lagoa os jacarés ficavam crocodilando ao sol.
Era ar puro, salitre e quando em se chegando a Itapuã, à beira-mar, aquela maresia, que vem a ser uma preguiça danada. E se desse para escutar as ondas batendo nas pedras (todo mundo sabe que Itapuã significa “Pedra que ronca”, na língua Tupy-Guarany), aí é que se entregar ao tempo.
O povo lá de casa garante que tinha um tio, já encantado, que tinha espírito (sem trocadilho) aventureiro. Ele gostava de sair para caçar pombas-rolas, jacarés e anuns e também saía com os pescadores para alto-mar em busca de sororoca e atum; e foi num dos barcos que ele costumava ir com os amigos que aconteceu o inesperado. O dia estava claro, e logo ao alvorecer colocaram o saveiro na água e partiram na direção Norte, lá pelas partes de Arembepe.
Quando todos voltavam, no final da tarde, houve uma viração, tudo escureceu como se fosse o fim do mundo. Os raios caiam como chuva e a chuva como se fosse espetos e deu noite alta e ninguém tinha chegado.
Os outros pescadores não podiam sair por causa da arrebentação. Quando o mar acalmou já era madrugada e os companheiros saíram em busca de ajuda. Pelo que se conta nas histórias lá de casa, um mestre-saveirista decidiu, com sua experiência, fazer o trajeto contrário aos outros e foi ele quem conseguiu achar a embarcação quebrada ao meio, sem vela e sem leme com os homens agarrados ao que restou do casco e assustados. Miguel Poiteiro sumiu e nunca mais apareceu. Foi a família dele que vendeu a casa para o pessoal lá de casa.
Lembro, nos anos 60 do século passado, do coqueiral fechado de Itapuã, da Lagoa do Abaeté e das dunas que tomavam toda a geografia, partindo de Piatã até sumir pelas bandas da Praia do Flamengo. E lembro das noites de lua cheia coincidente com o Verão, quando as meninas botavam suas melhores chitas e saiam recendendo a água-de-cheiro, alfazema e naftalina.
Passavam flertando e quando tudo dava certo, os coqueiros eram abrigos e a areia da praia era a alcova. Vez em quando um pai com peixeira na bainha botava para correr. Ou uma baleia se aproximava da costa e nos olhava com seu olhar de peixe morto.
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