FONTE: *** ÚLTIMA INSTÂNCIA.
Lá está ela, repetida como nós outros em estátuas de mármore. O corpo é escultural e coberto pelo mais fino e tenro algodão; ao nada ver, imagino-a toda. Seios? Insinuantes, são como os da mulher desejada, nem grandes nem pequenos, suficientes, basta. Ancas levemente requebradas, instigando o delírio pretensioso ao estilo dos tolos humanos que a querem possuir. Vendada, guarda o mistério do olhar penetrante, pronto para se fazer apaixonar. Forte, espada pronta para a ação; equilibrada, como a balança que a tudo pondera, mede e, irrecorrível, sentencia. Esta é a Thêmis que nós homens tolos endeusamos oferecendo-nos despudorados nas praças públicas, nos palácios de justiça e nos juramentos de magistrados. Já que falamos em Thêmis e Justiça, falemos da Thêmis eleitoral, a lésbica. A Justiça Eleitoral faz justiça à invenção dos artistas alemães do século XVI que, para exaltar a imparcialidade de quem julga, vendaram a Deusa nunca antes vendada. Zeus, adorava os olhos de Thêmis, Ihering, que os olhos de Thêmis não viu, reclamava da justiça vendada, cegada pela criatividade humana. Tolice! Se a nada enxerga? Perguntava ele, então, como ser justa? O que não se vê, não pode ser julgado, afirmava o filósofo do direito. Pois a Justiça Eleitoral é assim: vendada, autovendada, quase cega e, pior, no mais das vezes, caolha e míope. Thêmis, nunca esqueça, é só mais uma das mulheres do Deus que em tudo manda e que tudo pode. Fiquei sabendo que por estas bandas Thêmis anda a procura de mulheres. Sim, há um índice, um percentual, um número que “precisa” ser cumprido a qualquer custo; nas chapas a serem apresentadas às eleições proporcionais, um mínimo de 30% da nominata deve ser composta por mulheres. Sim. Não importa se elas existem, importa é que o número deverá ser cumprido sob pena de não aceitação do registro das nominatas por parte da Thêmis Eleitoral. Quer dizer, aquilo que é um direito das mulheres, uma conquista, ter um mínimo de vagas à sua disposição, transformou-se numa caçada às mulheres. É a obrigação hipócrita que somente a justiça vendada pode exigir, pois inclui pela matemática e não pela cidadania ativa. Nada impede que as mulheres ocupem 100% das vagas, a política assim o determinaria. Afinal, das três grandes candidaturas à Presidência da República, duas não são tituladas por grandes mulheres? Todavia, se na agremiação partidária não existirem tantas mulheres quantas as necessárias para o fechamento do tal número, não é possível imaginar-se que a chapa inteira esteja em desacordo com a Lei eleitoral. Que o bom senso e de boa cultura provoquem os neurônios da Thêmis eleitoral. Tem um luminar da Thêmis eleitoral vagando pelo meu pago que, do alto de sua cegueira togada, sugeriu o seguinte: se o número de mulheres não atingir os trinta por cento, reduza-se o número de homens até que o percentual seja atingido. Alvissaras, este magistrado mereceria a pena dada a Prometeu, o titã que teve o fígado comigo pela eternidade. Este talvez seja um ousado juiz que furtou o sutiã de Thêmis tomando-o todinho para si, colocou-o sobre os olhos; quem não vê a vida, sobre a vida não pode julgar, dizia Von Ihering. Penso que no mundo do direito tudo tem um sentido e, cá com meus botões, já que a Thêmis Eleitoral anda correndo atrás de mulheres, só pode ser porque é lésbica, outra explicação, racional, não há. Salvo aquela do sutiã.
*** Ricardo Giuliani Neto é advogado em Porto Alegre, mestre e doutor em direito e professor de Teoria Geral do Direito na Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Sócio proprietário do Variani, Giuliani e Advogados Associados e autor dos livros "O devido processo e o direito devido: Estado, processo e Constituição" (Editora Veraz), "Imaginário, Poder e Estado - Reflexões sobre o Sujeito, a Política e a Esfera Pública" e "Pedaços de Reflexão Pública – Andanças pelo torto do Direito e da Política" (ambos da Editora Verbo Jurídico).
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