Ensino, assim, é um processo reiterado, que o próprio indivíduo se capacita a realizar, por meio da reflexão, com o fim único de efetivar decisões. Decisões são respostas que se dá a situações com as quais se defronta. Lembrando-se que resposta tem como base a palavra latina spond, que é a mesma de responsabilidade, educar é evocar a responsabilidade, ou seja, transmitir modelo de capacitação que permita ao indivíduo refletir sobre aquilo com que se confronta e decidir de forma adequada, solucionando aquela situação, agindo, portanto, enquanto produz sua própria “autoconstrução”.
Ensinar é chamar à responsabilidade, não como mero dever, mas como conscientização de pertencer ao mundo que se opõe ao mesmo indivíduo, que produz situações, as quais exigem respostas. Ensinar é modificar o sujeito possibilitando o olhar para a vida e o questionamento sobre ela, a fim de sempre responder aos chamados desta, agindo enquanto responde, por tecer os fios da trama de sua própria vivência.
Passando-se ao tema específico, trata-se do ensino jurídico, vale dizer de como ensinar o Direito e as complicações inerentes a isso. Porém, que é Direito?
Se a postura educacional for a primeira tratada, ele será visto como uma ciência, como um conteúdo de saberes de ordem normativa e conhecê-lo é armazenar a formulação legislativa dos diversos ramos.
Ensinar Direito resume-se a informar os diversos textos legais referentes a cada disciplina distinta, unificando-os de forma simples num modelo político organizado por camadas hierárquicas de fontes legais, de acordo com sua produção e força de comando, resultando disto uma estrutura lógica de normas de conduta, as quais, por sua vez, são lidas num procedimento técnico-formalista, denominado interpretação/aplicação, cujo resultado é a extração de um significado supostamente já presente, privilegiando-se como último recurso o chamado argumento de autoridade, posto ser objetivo final do trabalho a normatização de condutas.
Diante disto, caberia a crítica contra a expressão operador do Direito, neste escopo visto como alguém que opera os mecanismos do sistema tecnicamente, isto é, como o profissional que “aperta as teclas e botões” das codificações legislativas, um operário dos códigos legais. Logo, não há nenhum compromisso com a realidade efetiva dos fatos, mas tão somente com o ordenamento normativo em si mesmo, transformando o conflito jurisdicional num debate de argumentos retóricos.
Este é o quadro de dificuldades hoje experimentado pelo ensino jurídico, viciado num modelo dogmático, resultando em profissionais que não conseguem compreender a totalidade das questões jurídicas e jurisdicionais e que, por este motivo, retroalimentam o sistema em suas deficiências. Em virtude de tal arranjo, segue nos meios da práxis forense, alçado ao nível de brocardo, o dito “na prática, a teoria é outra”. Com efeito, nada do que é ensinado serve em si mesmo, a não ser como mal traçado roteiro de cumprimento de requisitos procedimentais para aquisição de qualificação burocrática, a fim de praticar a profissão de advogado ou estar autorizado a prestar concursos.
Como solução inicial, fica a proposta de se encarar o Direito sob outro prisma, de acordo com o saudoso Prof. Goffredo Telles Jr, a “disciplina da convivência”, vale dizer, o saber-pensar, saber-sentir e saber-fazer que possibilitem a vivência em comum, a vida em comunidade. Enunciar tal perspectiva é simples, porém colocá-la em prática não é fácil. Revolver o modo de ver as coisas, modificar a cosmovisão a respeito do ensino jurídico é o primeiro passo, conforme se colocou acima sobre o tema do aprendizado complexo, contudo, como criar as estruturas para que isto ocorra é assunto que exigiria outro texto
*** João Ibaixe Jr é professor, escritor e advogado criminalista. Especialista em Direito Penal, pós-graduado em Filosofia e mestre em Filosofia do Direito. Foi delegado de Polícia e coordenador da Assessoria Jurídica da FEBEM. Atualmente é membro efetivo da Comissão de Direito Criminal da OAB-SP, coordenador do Grupo de Estudos em Direito, Análise, Informação e Sistemas no programa de pós-graduação da PUC-SP e professor da Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado. É também editor do blog Por dentro da lei: um espaço para construção da consciência de cidadania.
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