domingo, 4 de abril de 2010

“SITUAÇÃO CARCERÁRIA É VERGONHA INTERNACIONAL POR INÉRCIA DO GOVERNO FEDERAL”...

FONTE: *** ÚLTIMA INSTÂNCIA.
Conivência e inoperância do governo federal são os principais motivos que explicam porque a situação penitenciária no Brasil chegou a um grau de vergonha internacional. Essa é a opinião de Sérgio Salomão Schecaira, advogado criminalista, professor de direito penal da Universidade de São Paulo e ex-presidente do CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária), órgão vinculado ao Ministério da Justiça.
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Para ele, o governo sofre de imobilismo e tem grande parcela de culpa pela situação carcerária do Espírito Santo —em destaque desde o ano passado por conta da patente violação aos direitos humanos de presos que chegam a ficar detidos em contêineres.
O Conselho de Direitos Humanos do Espírito Santo e as organizações não governamentais Justiça Global e Conectas apresentaram à ONU (Organização das Nações Unidas) denúncia de violação de direitos humanos em unidades prisionais do Espírito Santo.
Uso de porretes, superlotação — em uma delegacia de Vila Velha, 235 homens estavam presos em uma cela com capacidade para 36 pessoas— e as “celas de lata”, presídios em forma de contêineres sem ventilação alguma são algumas das formas de tortura verificadas no Estado. “Há uma concorrência de fatores que mostram total desrespeito aos direitos humanos. Os contêineres são tão desumanos que os que não possuem janela são apelidados de forno microondas”, afirma Schecaira.
Em maio de 2008, quando presidia o CNPCP, Schecaira entrou com um pedido de intervenção federal no Espírito Santo. No entanto, o professor diz não saber como está o andamento da solicitação, ainda sem resposta do procurador-geral da República, Roberto Gurgel.
A inércia não é só do governo federal. “Quero processar o secretário de Justiça do Estado por ele ter sido conivente com esta prática”, afirma o advogado. Segundo ele, as autoridades do Espírito Santo sabem perfeitamente da situação carcerária do Estado, já souberam do pedido de intervenção federal, já receberam reprovação até da ONU, e mesmo assim “absolutamente nada foi feito”.
O professor critica até mesmo o Judiciário do local. “As autoridades judiciárias se negaram a tomar providências, porque entenderem que não era o caso. O principal problema do Judiciário é a mentalidade. Como uma pessoa que recebe uma denúncia de tortura não faz nada para investigá-la?”, questiona.

CONFIRA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA COM O PROFESSOR SÉRGIO SALOMÃO SCHECAIRA:

ÚLTIMA INSTÂNCIA – O senhor entrou com um pedido de intervenção federal no Espírito Santo por conta da situação do sistema carcerário do Estado. Houve alguma resposta até o momento?
SÉRGIO SALOMÃO SCHECAIRA – Não sei informar ao certo, aliás, eu mesmo gostaria de saber a resposta desta pergunta. Entrei com o pedido de intervenção federal em 2008 e até agora não obtive nenhuma resposta do procurador-geral da República Roberto Gurgel. Além de pedir a intervenção federal, pedi também ao procurador de Justiça do Espírito Santo que ele entrasse com um processo contra o secretário de Justiça do Estado por tortura. Quero processar o secretário de Justiça por ele ter sido conivente com esta prática. Ocupando o cargo que ocupa, ele tem a obrigação de tomar alguma medida para resolver a situação, entretanto, não fez absolutamente nada.

ÚLTIMA INSTÂNCIA – O senhor acha que este pedido de intervenção federal se aplicaria a outros Estados? Quais?
SÉRGIO SCHECAIRA – Com certeza. O Espírito Santo está na mídia muito mais do que outros Estados justamente por essa questão dos contêineres, mas é evidente que todos os demais têm problemas com o sistema carcerário. Em Santa Catarina e no Pará também há essa questão de manter presos em contêineres, em condições tão subumanas quanto as do Espírito Santo. Em Rondônia, foram executados mais de 100 presos em oito anos. Fora São Paulo e Rio de Janeiro, que têm um número infinitamente maior de presos do que de vagas em penitenciárias, violando também os direitos humanos dos presos. Este é um assunto muito complicado, que exige um maior envolvimento do governo federal para sanar esse déficit de vagas no sistema penitenciário, a fim de evitar essas condições subumanas.

ÚLTIMA INSTÂNCIA – Como é a prisão em contêineres?
SÉRGIO SCHECAIRA – Fiquei alguns minutos em torno de um contêiner e o cheiro que exala é uma das coisas mais impressionantes que eu já vi. Para você ter uma ideia, alguns contêineres sequer têm banheiro. A pessoa evacua na “vasilha” que recebe a comida e urina na garrafa PET, que é por onde recebe a bebida. Não há qualquer cuidado sanitário e higiênico. Nenhum cuidado em termos de atividade educacional, não há banho de sol, o atendimento jurídico é precário. Há uma concorrência de fatores que mostram total desrespeito aos direitos humanos. Os presos passam meses sem tomar um banho. Fiquei muito impressionado com as doenças que eles possuem. São pessoas com escabiose, sarna, ou seja, doenças de animais. Fiquei tão chocado que fui até a um médico perguntar como pode um ser humano pegar uma doença que é própria de animais. Todas essa doenças são provenientes da falta de higiene. Os contêineres são tão desumanos que os que não possuem janela são apelidados de forno microondas. Só pelo apelido já dá para se ter uma noção do quanto estão sendo violados os direitos humanos. Na Casa de Custódia de Viana (ES), o presídio não tem luz nem água há mais de dois anos. Como você pode querer recuperar um preso, se o submete a condições tão humilhantes como estas?

ÚLTIMA INSTÂNCIA – O STJ (Superior Tribunal de Justiça) concedeu habeas corpus a um preso que aguardava julgamento dentro de um contêiner por achar essa condição desumana, decisão que será estendida a outros detentos que estejam em situação semelhante. O que o senhor achou desta decisão?
SÉRGIO SCHECAIRA – Essa decisão do ministro Nilson Naves, que determina a soltura desses presos, é estendida a todos os casos de situações análogas. Estive com o juiz e com o promotor do Estado, e pedi a eles que tomassem alguma medida contra aquela situação de horrores. Eles me disseram que têm uma política cooperativa com o governo do Espírito Santo, então entrei com uma representação contra ambos no Ministério Público porque eles não estavam exercendo a função de juiz e promotor. Ao juiz cabe interditar presídios onde não há condições mínimas de funcionamento. Tanto o juiz do Espírito Santo como o promotor foram por mim representados na situação de inoperância. Há muitas pessoas que estão em contêineres que cometeram crimes horríveis. Cometeram roubos, assassinatos, estupros. O objetivo é respeitar o preso, que não pode ser tratado como animal, em meio a ratos. Como ex-presidente do CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária), não me restava tomar outra alternativa do que dessa natureza. É a última tentativa de respeitar os direitos humanos.

ÚLTIMA INSTÂNCIA – A ONU (Organização das Nações Unidas) se manifestou contra as práticas de tortura e a situação dos contêineres no Espírito Santo. Até que ponto a manifestação de um órgão internacional pode influenciar na situação?
SÉRGIO SCHECAIRA – A manifestação da ONU obriga, na prática, o governo brasileiro a sair do imobilismo em que se encontra. O governo federal tem uma carência: não tem verbas para construção de presídios. A situação só chegou a esse grau de vergonha internacional em função da inércia do governo federal. Solicitei que cancelasse o repasse de verbas aos governos estaduais que não estivessem obedecendo aos direitos humanos. Entretanto, o governo não fez nada, foi conivente com o governo estadual, por isso, chegamos a essa situação. O governo federal tem uma grande parcela de contribuição na insustentabilidade do Espírito Santo. Na condição de presidente do CNPCP, eu era um funcionário público, e o que um funcionário público deveria fazer quando se depara com uma situação tão humilhante como essa era a de oficializar a todos os órgãos. Eu não me omiti. Essa pressão da ONU obriga as nossas autoridades a tomarem uma atitude para resolver essa situação.

ÚLTIMA INSTÂNCIA – O governo do Espírito Santo disse que o prazo para acabar com a prisão em contêineres é agosto de 2010. O senhor acredita que esta meta será cumprida?
SÉRGIO SSCHECAIRA – Para mim, não há como acreditar em uma meta estipulada pelo governo do Espírito Santo. Eles sabem perfeitamente da situação carcerária do Estado, já souberam do pedido de intervenção federal, já receberam reprovação até da ONU, e mesmo assim nada, absolutamente nada foi feito. Depois de tudo isso, há como acreditar nessa meta?

ÚLTIMA INSTÂNCIA – Como o senhor vê a Justiça criminal brasileira? O que deve ser feito para melhorá-la?
SÉRGIO SCHECAIRA – Eu acho que são duas coisas que concorrem dentro do governo: a falta de recursos, de condições, de um modelo formalista, tradicionalista. E a outra é o fato de nossas leis estarem muito defasadas. São várias circunstâncias que mostram que o problema é estrutural, há uma mentalidade burocrática. Nesses casos do Espírito Santo, as autoridades Judiciárias se negaram a tomar providências, porque entenderem que não era o caso. O principal problema do Judiciário é a mentalidade. Essa mentalidade tem um pensamento miúdo, porque como uma pessoa que recebe uma denúncia de tortura não faz nada para investigá-la? É um problema gravíssimo.

ÚLTIMA INSTÂNCIA – O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) criou o Programa Começar de Novo, visando melhorar a situação carcerária do país, dando uma oportunidade para que o preso se insira novamente na sociedade, por meio de cursos profissionalizantes entre outras atividades. Como o senhor avalia esta iniciativa?
SÉRGIO SCHECAIRA – Acho muito louvável a iniciativa do CNJ. É um programa que realmente visa a dar um auxílio ao preso, promover sua reinserção na sociedade, lhe dar uma oportunidade de recomeçar. Parabenizo o CNJ pela atitude. Espero que essas iniciativas continuem em expansão, que continuem promovendo, de fato, a recuperação do detento, do ser humano.

*** Giovanna Gerin é estagiária de Última Instância.

Um comentário:

  1. Olá!

    Recentemente o Instituto Sangari publicou estudo sobre a violência nos últimos 10 anos no Brasil. Dados alarmantes, que demonstram que a violência que nos assusta no local onde moramos é um fenômeno nacional. O QUE ESTÁ ACONTECENDO? ALGUMAS REFLEXÕES? QUAL O PAPEL DE TODOS? Leia! Divulgue e deixe seu comentário:
    www.valdecyalves.blogspot.com
    Veja um vídeo do qual participei comentando sobre a violência na mídia:
    http://www.youtube.com/watch?v=ljsdz4zDqmE
    FELIZ PÁSCOA PARA TODOS! Não deixe de seguir o meu blog e assinar o feed.

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