sábado, 19 de novembro de 2011

DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA E DE REFLEXÃO...

FONTE: Thiago Pereira REPÓRTER, TRIBUNA DA BAHIA.


O Brasil comemora neste domingo (20) o Dia da Consciência Negra. Apesar de celebrar os avanços proporcionados por políticas de igualdade racial implantadas em âmbito nacional, o país ainda enfrenta sérios problemas ligados ao preconceito, o que transforma a data em um momento de reflexão acerca da inserção da população afrodescendente no país.

Nem mesmo Salvador, a cidade com maior percentual de negros fora da África, escapa da dura realidade da segregação racial. Segundo dados do Mapa da População Preta & Parda no Brasil, divulgado esta semana, a capital baiana lidera o ranking de municípios com maior número de negros do país, com 743,7 mil representantes da etnia. Essa parcela de soteropolitanos é minoria nas classes sociais mais altas, enquanto ocupam majoritariamente o número de vítimas de homicídios, desempregados, analfabetos e presos.

Conforme o Mapa da Violência 2011, documento produzido em parceria do Ministério da Justiça com o Instituto Sangari, o Brasil é o sexto país mais violento do mundo, com uma média de 53 mortes a cada 100 mil habitantes, perdendo apenas para El Salvador, Ilhas Virgens, Venezuela, Colômbia e Guatemala. Dentre as vítimas dessa violência, a maioria é de homens, jovens e negros. O estudo mostra ainda que de cada três jovens assassinados no país, dois são negros. No Nordeste a situação é ainda mais preocupante, com proporção de vítimas negras até 12 vezes maior do que a de vítimas brancas. Na Bahia, em especial, os assassinatos de negros superam em 439,8% os de brancos.

“O elevado número de homicídios entre negros ocorre porque a população é maioria no estado. Mas existe um grande e notório desequilíbrio social na Bahia como um todo e principalmente em Salvador.

Isso é uma herança que recebemos do nosso período colonial, escravista. E não é só com relação a assassinatos que temos a maioria negra. Eu chamo hoje as cadeias de navio negreiro da contemporaneidade, pois a maioria dos internos é composta de afrodescendentes. É preciso adotar políticas públicas nesse sentido para combater essa realidade. Precisamos investir em educação, saúde e segurança, para assim termos igualdade, dignidade e respeito”, afirmou o subsecretário de Reparação (Semur) da capital baiana, Edmilson Sales.

Para a ministra da Igualdade Racial, Luiza Bairros, o problema também está no modo como as instituições públicas veem o negro, como é o caso da polícia, que, em muitos casos, trata o afrodescendente como suspeito apenas pela cor e condição social. Segundo Bairros, apesar de pouco discutido, o país ainda sofre com o racismo institucional. “A imagem utilizada para compor o criminoso é o do homem negro. Os policiais automaticamente enquadram um suspeito a partir de três características: lugar, a aparência e atitude. Ou seja, como o racismo institucional existe, acaba moldando o comportamento de boa parte da corporação para ver o afrodescendente como um bandido em potencial”.

LONGE DO MERCADO DE TRABALHO.
De acordo com o subsecretário Edmilson Sales, a falta de oportunidade e a baixa educação são os principais fatores para os elevados índices de violência envolvendo a população negra. “Se não conseguirmos fazer a economia crescer e gerar empregos, a população mais pobre, que em Salvador é formada principalmente por afrodescendentes, vai seguir por outros caminhos. Se os empresários não dão oportunidades, os traficantes dão, e temos que evitar isso para reverter os altos números de homicídios e prisões”, pontuou.

Um estudo divulgado na última quinta-feira (17) pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) confirmou o quadro desfavorável para negros no mercado de trabalho. Além de não terem oportunidades, os afrodescendentes recebem menos para cumprir as mesmas funções que outras etnias executam.

O estudo afirma ainda inserção dos trabalhadores negros é proporcionalmente maior na construção civil e no emprego doméstico, setores “em que predominam postos de trabalho com menores exigências de qualificação profissional, menores remunerações e relações de trabalho mais precárias e, por tudo isso, menos valorizados socialmente”. Para Sales, no entanto, este cenário tende a se modificar nos próximos anos.

“O grande problema é que quem é negro compete com um fusca, e quem não é corre com uma Ferrari. Mas isso está mudando. Já temos grandes cientistas, médicos, empresários e pesquisadores negros. Só não temos visibilidade. Olhe o Milton Santos, grande geógrafo, mas pouco reconhecido na Bahia. Com as cotas isso tende a se multiplicar e dentro de alguns anos esse cenário não será tão acentuado”, afirmou o sub-secretário.

Cultura – A valorização da cultura africana é outro ponto que Sales considera fundamental para quebrar o preconceito na Bahia. Atualmente, as escolas da capital baiana já são obrigadas a ministrar aulas sobre a história e a herança da África, o que, no entanto, não ocorre na prática. “Alguns professores não sabem o tema ou se negam por conta da religião. É complicado, mas muito importante. As crianças precisam saber como seus antepassados viviam. Sobre como a história da África alimenta a história brasileira”.

A ministra Luiza Bairros salientou que o Ministério da Igualdade Racial já aborda o tema por meio do projeto A Cor da Cultura, desenvolvido em conjunto com a Fundação Roberto Marinho e a Petrobras. A ação consiste na confecção de materiais didáticos sobre a cultura negra no Brasil, capacitação de professores e o incentivo da utilização do material por meio de um selo de educação pela igualdade racial. “Queremos ensinar para as crianças que é comum ser diferente e combater o preconceito racial logo nos primeiros anos de escola”, disse a ministra.

RELATÓRIO DA JUVENTUDE.
Como parte da programação do Dia da Consciência Negra, o Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa) apresentou na última sexta-feira (18) o segundo o relatório “Juventude afrodescendente na América Latina: realidades diversas e direitos (des) cumpridos”, que apresentou o quadro dos jovens negros no continente americano.

Estima-se que na América Latina, segundo a pesquisa, vivam cerca de 24 milhões de jovens afrodescendentes, de um total de 81 milhões de pessoas de ascendência africana no continente. Com mais de 22 milhões, o Brasil é o país que reúne a maior quantidade de jovens afrodescendentes, tanto em termos relativos como absolutos. Vêm a seguir Colômbia, Equador e Panamá, que juntos registram cerca de 1,4 milhão de jovens afrodescendentes.

“Um dos desafios em matéria de políticas para afrodescendentes – como sublinhado pelo relatório – é a falta de informação estatística desagregada, sistemática e confiável sobre este grupo de população”, disse Marcela Suazo, Diretora para a América Latina e o Caribe do Unfpa. “A disponibilidade desses dados permitiria evidenciar as iniquidades enfrentadas por este grupo populacional e, portanto, contribuir para a formulação de políticas afirmativas para os afrodescendentes”.

Segundo Suazo, a desigualdade que caracteriza a América Latina se reflete também na juventude afrodescendente, que sofre uma tripla exclusão: étnica/racial (por ser afrodescendente), de classe (por ser pobre) e geracional (por ser jovem). Além disso, as mulheres afrodescendentes sofrem processos de exclusão e discriminação de gênero.

PAÍS FORMADO POR MAIORIA DE NEGROS E PARDOS.
O Brasil, através do senso 2010, foi revelado como sendo um país formado por uma maioria de negros e pardos. Este é um dado que eleva o Dia da Consciência Negra para algo ainda mais amplo; um dia em que se deve tomar a consciência de que as raízes africanas do país já não podem ser escondidas, os problemas e manifestações dessa parte do Brasil são inseparáveis do povo como um todo.

A integração da cultura e dos negros, em certos âmbitos, já se faz completa, mas em outros ainda tem-se de lutar por uma inclusão que se prova tão mais absurda quanto mais claro é o fato de que se trata de um único povo, cujo maior patrimônio é sua miscigenação. Falar de capoeira, por exemplo, é cada vez mais falar de Brasil.

No âmbito da saúde, a anemia falciforme, nascida em corpos de negros africanos a milhares de anos atrás afeta brasileiros brancos também. Na esfera social, há quilombolas que não são negros, mas inda sim excluídos.

Capoeira – A mistura de dança com luta foi trazida ao Brasil pelos africanos, e na Bahia encontrou terreno fértil para o seu desenvolvimento. A Capoeira de Angola é praticada por 24,93 dos capoeiristas; já a Regional, mais veloz e agressiva, é praticada por 29,59%; mas há também uma corrente que mistura as duas, formando a Capoeira Ango-regional, praticada por 30,41% dos lutadores. Assim como a música, que conta sete notas, a Capoeira tem diversas variações apoiadas em sete golpes principais: cabeçada, rasteira, rabo de arraia, chapa de Frente, chapa de costas, meia lua e cutilada de mão.

Na Bahia, segundo o Escritório Internacional de Capoeira e Turismo, da Secretaria de Turismo da Bahia, existem, hoje, 397 grupos baianos, entre eles alguns que atravessaram as fronteiras do estado e até do país. Nos Estados Unidos, por exemplo, são 32 grupos de capoeira de origem baiana, e há outros espalhados por 17 países mundo afora.

Calcula-se que estes grupos oriundos da Bahia tenham 790 mil praticantes em todo mundo, sendo que 32,98% são do sexo feminino. A capoeira ganha cada vez mais o status de importante segmento cultural, ao passo que se percebe a sua atuação fora da roda onde é jogada. Além de ser uma fonte de formação de jovens, já que a maioria de seus praticantes são menores de dez anos, os grupos estão expandindo suas produções associadas. 82,47% deles produzem dvds, cds, livros instrumentos musicais e fardamentos, dialogando, assim, com outras artes e técnicas.

POPULAÇÃO QUILOMBOLA.
As comunidades quilombolas são grupos étnicos – predominantemente constituídos pela população negra rural ou urbana –, que se autodefinem a partir das relações com a terra, o parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias. Estima-se que em todo o País existam mais de três mil comunidades quilombolas.

Os levantamentos mais recentes realizados por pesquisadores e militantes de organizações não governamentais indicam a existência de algo em torno de 500 comunidades quilombolas na Bahia. Segundo Elias Sampaio, secretário estadual de Promoção da Igualdade, a situação dos quilombolas baianos, apesar de está sendo assistida pelo estado, ainda carece de muitos cuidados.

“Já conseguimos certificar 380 comunidades no estado, o que as torna passíveis de receber os benefícios das políticas públicas voltadas para os quilombolas. Já levamos para algumas comunidades poços de água e outras formas de recursos hídricos, além de incluí-las nos programas de apoio a agricultura familiar”, conta Elias Sampaio. Ele informa ainda que algumas comunidades estão recebendo trabalhos de infra-estrutura e que a assistência aos quilombolas está mobilizando diversas secretarias.

ANEMIA FALCIFORME.
Causada por uma deformação na membrana dos glóbulos vermelhos do sangue, originada nas populações da África há milhões de anos, a anemia falciforme, é comumente ligada a afro-descendentes, mas os especialistas alertam que o risco de contrair a doença pode ser grande também para os brancos, devido a miscigenação. Na Bahia, pelo grande número de afro-descendentes, a doença atinge uma criança a cada 650 nascidas vivas, e uma pessoa em cada 17 tem o traço da doença (um dos genes para a hemoglobina S).

A anemia ocorre em razão da ruptura fácil da membrana alterada, que adquire o formato de foice. Os sintomas mais frequentes da doença são anemia, identificada pelo hemograma; crises repetidas de dores pelo corpo, associadas ou não a inchaço ou vermelhidão da área afetada; risco aumentado de infecções bacterianas graves, pela baixa imunidade dos pacientes; quadro anêmico agudo com necessidade de transfusão de glóbulos vermelhos; acidente vascular cerebral; síndrome torácica aguda e priapismo (ereção persistente).

O teste do pezinho é a principal forma de detecção da doença, permitindo o diagnóstico precoce, dando início ao acompanhamento com hematologista e medidas preventivas.

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