
Todas estas ações judiciais são fundamentadas pelo INSS no artigo 120, da Lei 8.213, de 1991: nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.
Estas ações regressivas propostas pelo INSS trazem em seu bojo uma das matérias atualmente mais polêmicas a ser enfrentada pelo Poder Judiciário: o ressarcimento pelas empresas da integralidade do valor do benefício previdenciário pago ao segurado ou aos seus dependentes pelo INSS, em virtude do acidente de trabalho, mesmo diante do fato de que tanto as empresas, quanto os segurados (empregados) já contribuíram, de forma obrigatória, para o custeio da previdência social, cujos valores o INSS pretende ver ressarcidos aos cofres públicos. Tal situação ainda sofre agravamento, diante do fato de que as empresas também contribuem para o SAT (Seguro de Acidentes do Trabalho).
No entanto, a bola da vez agora é a ação regressiva contra pessoa física. Há alguns dias, o INSS ingressou com a primeira ação regressiva em face de uma pessoa física objetivando a recuperação dos valores que pagou a título de pensão por morte aos dependentes de vítima de acidente de trânsito causado pelo motorista.
Desta feita, o INSS não fundamentou a sua ação na Lei 8.213, de 1991, mas sim no Código Civil Brasileiro, cujo artigo 934 tem a seguinte redação: aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz.
O INSS posiciona-se nestas ações primeiramente como defensor da sociedade; ou fazendo com as empresas, diante do temor das ações regressivas, adotem efetivamente medidas de higiene e segurança do trabalho; ou que as pessoas físicas, também em virtude do mesmo temor, parem de causar acidentes de trânsito, em virtude de embriaguez ou de outros motivos como o de dirigir acima da velocidade permitida. Alega, portanto, o INSS que está incutindo a prevenção na sociedade.
Seguidamente, o INSS posiciona-se como o guardião dos cofres públicos, haja vista que no regime do seguro social (previdência social) quando um benefício é pago em razão de ato de outrem, como de empresa que negligencia a segurança do trabalho ou de pessoa física que dirige imprudentemente, o déficit gerado pelo pagamento desse benefício é suportado pela coletividade dos segurados do INSS, na medida em que vige a solidariedade no regime geral de previdência social.
Estas duas posições adotadas pelo INSS, contudo, não parecem se coadunar com as suas competências previstas legalmente. A primeira delas, de atuar como agente de prevenção dos acidentes de trabalho e dos acidentes de trânsito, por meio da propositura de ações regressivas, é a que mais se distancia das suas reais competências. Ora, tanto os acidentes de trabalho, quanto os acidentes de trânsito, devem ser prevenidos.
No primeiro caso, a prevenção deve ser feita pelo Ministério do Trabalho, e, no segundo caso, pelos estados federados, seja se utilizando das polícias militares, das companhias de engenharia de tráfego, exercendo a devida e produtiva fiscalização do trânsito, seja se utilizando de uma eficaz atuação dos ministérios públicos estaduais.
A segunda posição de guardião dos cofres públicos também é estranha às reais e devidas competências do INSS. Isto porque não se mostra nunca ao certo nas ações regressivas qual o dano que deve ser indenizado, ou seja, qual o déficit que foi gerado ao regime geral de previdência que merece ressarcimento.
Um exemplo que leva a esta constatação é o da pensão por morte. Todos nós sabemos que vamos morrer, desconhecemos apenas a data exata. Ora, se quando morremos somos segurados do INSS, preenchendo os requisitos necessários para tanto, nossos dependentes receberão a pensão por morte, independentemente de havermos morrido de morte natural ou de morte acidental, haja vista que vertemos as contribuições necessárias para o custeio da seguridade social.
Como o INSS não conhece a data da morte de ninguém, apenas a presumindo nos estudos atuariais que realiza, não pode alegar que a morte acidental causa déficit ou prejuízo aos cofres públicos, haja vista que deve estar preparado para pagar o benefício na data em que a morte do segurado ocorrer, seja sob a forma que for. Esta obrigação é exclusiva da previdência social, nos termos do artigo 201, da Constituição Federal. O INSS não sofre dano porque tem obrigação de pagar o benefício, independentemente da causa da morte.
Quem tem legitimidade para requerer a reparação do dano é a vítima ou a família da vítima de acidente de trabalho ou de acidente de trânsito, em face da pessoa jurídica ou da pessoa física comprovadamente causadora do dano. O INSS não participa desta relação jurídica, porque a natureza do benefício que concede é diversa daquela que decorre da reparação do dano, não a substituindo sob nenhum aspecto. Decorre deste aspecto a inconstitucionalidade do artigo 120, da Lei 8.213, de 1991.
Da mesma forma, a ação regressiva proposta em face de pessoa física que causou acidente de trânsito com vítimas não encontra amparo no disposto no artigo 934 do Código Civil, ou de qualquer outro dispositivo que trata da reparação de danos, pois a relação jurídica de proteção (concessão de benefício previdenciário) e a relação jurídica de reparação (pagamento de indenização) não se confundem.
*** Ana Paula Oriola De Raeffray é advogada do escritório Raeffray, Brugioni & Alcântara, Agostinho. Doutora em Direito das Relações Sociais pela PUC de SP, professora de Direito Previdenciário na PUC de SP (mestrado e doutorado) e na EPD (Escola Paulista de Direito). Autora dos livros Direito da Saúde – de acordo com a Constituição Federal; Comentários à Lei de Previdência Privada – LC 109/2001 e O bem-estar Social e o Direito de Patentes na Seguridade Social.
*** Ana Paula Oriola De Raeffray é advogada do escritório Raeffray, Brugioni & Alcântara, Agostinho. Doutora em Direito das Relações Sociais pela PUC de SP, professora de Direito Previdenciário na PUC de SP (mestrado e doutorado) e na EPD (Escola Paulista de Direito). Autora dos livros Direito da Saúde – de acordo com a Constituição Federal; Comentários à Lei de Previdência Privada – LC 109/2001 e O bem-estar Social e o Direito de Patentes na Seguridade Social.
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