Atualmente, os estudos de Direito têm se pautado por uma linha filosófica que se denomina de Filosofia da Linguagem e que tem pensadores como Wittigenstein e Heidegger como precursores. Um exemplo atual de pensador que trabalha a filosofia jurídica sobre tal prisma é Habermas, com sua Teoria da Ação Comunicativa.
Mas, na prática, no cotidiano que significa falar em linguagem no campo do Direito? Ou ainda, quais elementos de estudo da linguagem influenciariam a visão do fenômeno jurídico e como isto se daria?
O tema exigiria um texto bastante longo, cujo espaço de uma coluna não autoriza. Por isto, vou usar um exemplo no campo do Direito Penal, com uma rápida análise do crime de ameaça.
Esse crime vem tipificado no Código Penal da forma seguinte:
Esse crime vem tipificado no Código Penal da forma seguinte:
AMEAÇA.
Artigo 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.
Para auxiliar, faz-se um resumo de sua constituição típica.
Artigo 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.
Para auxiliar, faz-se um resumo de sua constituição típica.
A conduta é praticada pelo verbo ameaçar. Ameaça, também conhecida em sua expressão latina como vis compulsiva é a palavra ou gesto intimidativo, que causa impressão profunda no espírito da vítima, perturbando seu psiquismo, provocando intranquilidade constante e intensa. Caracteriza-se pela promessa, ou seja, ato ou efeito de obrigar-se a produzir um mal para a vítima.
Promessa se dá como discurso linguístico – já se observa o problema da linguagem – escrito, verbal ou em qualquer outra forma de expressão gestual ou plástica de conteúdo simbólico. Isto implica que as condições que cercam a formação, a mundividência e a cosmovisão da vítima devem ser cuidadosamente avaliados, devendo ser buscada a compreensão de mundo que possivelmente a vítima possua para se caracterizar o delito, que ainda se compõe dos elementos mal injusto e grave.
Injusto significa que a conduta deve se apresentar como mal contrário ao ordenamento. O conceito de injusto refere-se à idéia de ilegitimidade, ou seja, a um malefício que ofenda o ordenamento jurídico. Deste modo não é ameaça qualquer expressão simbólica que apenas expresse, mesmo agressivamente, que o agente irá de algum modo promover medidas legais contra o sujeito passivo.
Quanto à gravidade, a promessa de mal deve provocar na vítima a sensação de suportar peso intolerável, inaceitável. Há elementos comuns que podem configurar ameaça, mas a gravidade sempre está ligada às circunstâncias que envolvem a vítima e o agente, devendo, por tal motivo, ser avaliada no caso concreto.
Uma característica essencial é a possibilidade de realização da promessa efetivada, considerando-se a perspectiva da vítima e sua visão de mundo.
O conteúdo simbólico não precisa ser de reconhecimento comum, valendo especificamente as relações entre as partes, como acima mencionado. Assim, o envio de qualquer peça, coisa, elemento, informação, virtual ou real, que induza alteração psíquica na vítima é meio idôneo para caracterizar o delito.
O conteúdo simbólico não precisa ser de reconhecimento comum, valendo especificamente as relações entre as partes, como acima mencionado. Assim, o envio de qualquer peça, coisa, elemento, informação, virtual ou real, que induza alteração psíquica na vítima é meio idôneo para caracterizar o delito.
Finalmente, questão de ser futuro é também configurada no caso concreto, pois não há um cálculo temporal específico. O delito de ameaça se configura com a expressão simbólica dada pela promessa de mal, o qual, diante da situação, pode ser iminente e pode ter provocado perturbação psíquica na vítima. Não importa se o mal se tenha concretizado ou não. Na visão comum se diz que o crime de ameaça não produz ou não precisa produzir resultado.
E agora, a teoria da linguagem permite outra reflexão. A pergunta que se faz é: o que é resultado para os estudiosos da linguagem?
Na doutrina comum, resultado é toda modificação física ou natural ocorrida no mundo. Para a linguística, mundo é justamente a própria vivência da pessoa, ou seja, é a visão que ela tem do mundo, é a sua representação mais plena de mundo, é o que Habermas chama, apropriando-se da expressão alemã, aqui traduzida, de “mundo da vida”. Isto significa que a realidade não se divide entre pensamento e extensão, entre coisas abstratas e físicas, mas compõe-se de todo universo possível de absorção do mundo pela pessoa. Realidade é o que a pessoa consegue compreender do mundo.
Para quem nunca se ocupou dessas questões, isto pode parecer loucura. Mas não é. A bibliografia mais atual de filosofia, psicologia, sociologia e das chamadas neurociências aponta para tal modo de compreensão como sendo a síntese do humano. No campo do Direito, recomenda-se a obra Introdução ao estudo do Direito do Professor Tércio Sampaio Ferraz para uma primeira abordagem do tema.
Tudo isto implica dizer que o próprio discurso é ação. A ação é comunicativa, ação é comunicação, comunicação é ação ocorrida num plano comum, o do discurso, no qual todos de uma dada comunidade estão imersos. Por isto, um símbolo, como um anel, por exemplo, pode ser a representação de uma união conjugal, mas pode ser também, no caso do crime de ameaça, na relação entre agente e vítima, a expressão material do delito; o anel pode configurar a promessa de mal.
Esta idéia do simbólico como expressão do mal no crime de ameaça tem um nome em filosofia da linguagem: chama-se efeito performático.
Esse efeito performático é que cria o mundo da vida e permite a ação comum. Ocorre diariamente sem que percebamos. E gera um resultado! A constituição da realidade do mundo da vida.
Esse efeito performático é que cria o mundo da vida e permite a ação comum. Ocorre diariamente sem que percebamos. E gera um resultado! A constituição da realidade do mundo da vida.
Por isto, opondo-se à doutrina ontológico-metafísica (denominação daqueles que não acompanham a filosofia da linguagem), o crime de ameaça apresenta sim resultado. Resultado de efeito performático. O mundo da vida da vítima se altera com a ameaça e isto não é só o chamado efeito psicológico, pois o dia-a-dia da pessoa que recebe a ameaça muda, porque se desconstitui da forma como era. E este é o resultado.
O tema é bastante delicado, mas aqui se faz breve introdução, buscando apoio na análise de um tipo penal. Oportunamente um texto mais longo, em veículo mais apropriado, será oferecido.
O tema é bastante delicado, mas aqui se faz breve introdução, buscando apoio na análise de um tipo penal. Oportunamente um texto mais longo, em veículo mais apropriado, será oferecido.
*** João Ibaixe Jr é professor, escritor e advogado criminalista. Especialista em Direito Penal, pós-graduado em Filosofia e mestre em Filosofia do Direito. Foi delegado de Polícia e coordenador da Assessoria Jurídica da FEBEM. Atualmente é membro efetivo da Comissão de Direito Criminal da OAB-SP, coordenador do Grupo de Estudos em Direito, Análise, Informação e Sistemas no programa de pós-graduação da PUC-SP e professor da Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado. É também editor do blog Por dentro da lei: um espaço para construção da consciência de cidadania.
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