FONTE: ADRIANO VILLELA, TRIBUNA DA BAHIA.
A aplicação da Lei Maria da Penha enfrenta dificuldades no Judiciário, “seja pela incompreensão da sociedade, seja pela desídia do Judiciário, seja pela equivocada interpretação dada por alguns juízes e tribunais”.
A avaliação é da corregedora Nacional de Justiça, a baiana Eliana Calmon. Em entrevista exclusiva a esta Tribuna, a ministra afirmou que alguns juízes e tribunais interpretam de forma “peculiar” a legislação de coibição da violência contra a mulher, “ocasionando perplexidades, divergências e contradições”.
Eliana Calmon descreve até o comentário de um juiz segundo o qual “o mal do mundo é a mulher e que ele se recusava a aplicar esta lei, tão preconceituosa, chegando às raias da intolerância”, acrescentou a ministra. “O Judiciário, lamentavelmente, não está cumprindo o que manda a lei, em parte por falta de interesse e em parte por força do péssimo serviço de infra-estrutura da primeira instância”, conclui a corregedora.
A ministra estará amanhã, dia 23, em Salvador, para proferir uma palestra na sessão especial “A Lei Maria da Penha e sua aplicabilidade”, na Câmara Municipal, evento marcado para as 14h30, no Plenário Cosme de Farias. A sessão foi requerida pela presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, vereadora Tia Eron (DEM).
Eliana Calmon, que nasceu em Salvador, é ministra do Superior Tribunal de Justiça desde 1999 e atua como magistrada desde 1979, quando ingressou na Justiça Federal. Formada em Direito pela UFBA, integrou o Ministério Público do Estado entre 1974 e 1979. Em 2005, foi eleita pela revista Forbes Internacional como a mulher mais influente do Poder Judiciário e uma das 100 mais poderosas do Brasil.
Suspensão condicional Outro tema que deve mobilizar os debates na sessão da Câmara, que integra as comemorações pelo 101º Dia Internacional da Mulher, é a decisão da sexta turma do STJ, que entendeu que é cabível a suspensão condicional do processo nos casos de violência doméstica e familiar contra as mulheres.
“Os agressores poderão ter suas penas substituídas por prestação de serviços à comunidade e, agressão à mulher,deve ser punida no rigor da Lei”, ressalta a líder do PT, vereadora Vânia Galvão. “Brigamos para que a Maria da Penha fosse aprovada e para que ela fosse cumprida, e agora, uma atitude como essa, faz todo esforço, inclusive das agredidas, cair por água abaixo.
Instituída em 2006, a Lei Maria da Penha (11.340) é informada em detalhes no site www.quebreociclo.com.br, criado em novembro do ano passado pela campanha Violência contra as Mulheres – Quebre o Ciclo”, liderada pela embaixadora do Unifem (Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento da Mulher), a atriz Nicole Kidman. Patrocinado pelo Instituto Avon, o website mantém está articulado com contas nas redes sociais Twitter, Facebook e Youtube.
ENTREVISTA COM A MINISTRA ELIANA CALMON.
TRIBUNA DA BAHIA – O QUE A MINISTRA PRETENDE FALAR NA PALESTRA NA CÂMARA DE VEREADORES DE SALVADOR ACERCA DA LEI MARIA DA PENHA?
MINISTRA ELIANA CALMON - A Lei Maria da Penha, por ter quebrado paradigma e bem representar os direitos de terceira geração - cujas características maiores estão na defesa dos direitos dos menos favorecidos, na proteção dos interesses coletivos e difusos e no apoio do Estado à Família - tem ensejado muita polêmica, inclusive na interpretação dos dispositivos legais. Assim, têm juízes e tribunais interpretado de forma peculiar os artigos da lei, ocasionando perplexidades, divergências e contradições. Procurarei demonstrar o meu pensamento sobre o tema, nessa perspectiva.
T.B. – COMO A SENHORA AVALIA A APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA? O JUDICIÁRIO CUMPRE A PARTE?
E.C. - Acho a Lei Maria da Penha de absoluta legalidade e necessidade, na medida em que a sociedade brasileira ainda não foi capaz de fazer cessar uma verdadeira chaga social: a violência contra a mulher. A aplicação da lei, entretanto, vem encontrando dificuldades, seja pela incompreensão da sociedade, seja pela desídia do Judiciário, seja pela equivocada interpretação dada por alguns juízes e tribunais. O Judiciário, lamentavelmente, não está cumprindo o que manda a lei, em parte por falta de interesse e em parte por força do péssimo serviço de infra-estrutura da primeira instância.
T.B. - A SEU VER O QUE PODE SER FEITO PARA MELHORAR A APLICABILIDADE DA LEI. A LEGISLAÇÃO PODE SER APERFEIÇOADA, FALTA INVESTIGAÇÃO OU AINDA SÃO POUCAS AS DENÚNCIAS?
E.C. - Em primeiro lugar, temos de melhorar e muito a nossa cultura, ainda arraigada a posições machistas e que louvam a hegemonia do homem. Em segundo lugar, temos de despertar os nossos magistrados para a necessidade de preservar a família. Na medida em que protegemos a mulher, estamos a proteger a família. Por fim, poderemos pensar em ajustar a legislação, aqui e ali pontualmente.
T.B. – HÁ NOVAS MEDIDAS – LEGISLATIVAS OU JUDICIÁRIAS QUE POSSAM SER FEITAS PARA APRIMORAR A PROTEÇÃO CONTRA CRIMES DE GÊNERO?
E.C. - A lei Maria da Penha foi a última e a mais completa proteção contra os crimes de gênero, cabendo agora à magistratura bem interpretar os seus dispositivos de longo alcance, sem querer inserir o novo e avançado diploma dentro de um sistema judicial já ultrapassado.
T.B. - RECENTEMENTE, RECEBI A INFORMAÇÃO DE QUE O AGRESSOR DE MARIA DA PENHA ESTÁ SOLTO. ESTE EPISÓDIO TRAZ MENOS ESPERANÇA ÀS MULHERES QUANTO À EFETIVIDADE DA LEI?
E.C. - O ex-marido de Maria da Penha não mais está preso porque já cumpriu a pena, aproveitando-se de todos os favores legais para diminuí-la, inclusive a idade. O que aconteceu com Maria da Penha não pode servir de estímulo ao silêncio ou à quietude. Ao contrário, foi o caso de Maria da Penha tão emblemático que deu nome à lei. Portanto estamos melhorando o desempenho brasileiro.
T.B. – COMO CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA, A MINISTRA TEM NOTICIAS DE ABUSOS NO JUDICIÁRIO COM RELAÇÃO A MARIA DA PENHA?
E.C. - Sim, esta corregedoria registra alguns abusos. Por exemplo: um juiz que execrou a lei em comento, disse que o mal do mundo é a mulher e que ele se recusava a aplicar esta lei, tão preconceituosa, chegando às raias da intolerância.
T.B. – COMO FICOU AQUELA QUESTÃO DA MENOR ENCONTRADA PRESA COM HOMENS E ADULTOS NO PARÁ, EM 2007? HOUVE PUNIÇÕES?
E.C. - Sim, a Corregedoria Nacional instaurou processo administrativo disciplinar contra a juíza que era a responsável pelo encarceramento. Ela veio a ser aposentada e, assim, afastada pelo Conselho Nacional de Justiça.
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