FONTE: Raquel Paulino/iG São Paulo, TRIBUNA DA BAHIA.
“Nossa, mas ele não parece
autista!”. Dos vários enganos que Andréa Werner ouve em comentários sobre seu filho Theo, de
cinco anos, este é um dos mais frequentes. “Na cabeça de algumas pessoas, o
autismo traz características físicas que o tornam visualmente identificável, o
que está longe de ser verdade. O Theo tem autismo e é um menino lindo, de
desenvolvimento físico igual ao de outras crianças da idade dele”, afirma a
blogueira, responsável pelo “Lagarta Vira Pupa”.
A diferença aparece nas ações do garoto, e daí
surgem outros equívocos por parte de quem não tem proximidade com a família.
“Quando ele não consegue expressar o que quer ou o que o incomoda, faz barulhos
que para os outros podem parecer um ataque descontrolado de birra. Chegam a
falar que ele é muito mal-educado, mas emitir esses sons é a reação natural do
autista diante da frustração de não conseguir se comunicar”, explica.
Foi para desabafar sobre tais acontecimentos
do dia a dia com o filho que Andréa criou o blog. Ela achava que só a família e
os amigos leriam, mas logo outras mães de autistas começaram a conhecer e
compartilhar seus posts pela internet. Hoje, ela usa o espaço para dar uma luz
a quem vive uma realidade parecida com a sua e também para ajudar a acabar com
os mitos em torno desse transtorno do neurodesenvolvimento.
Fato ou mito?
Por falta de informação ou por confiar cegamente nos estereótipos apresentados
em produções para o cinema e para a TV, muitas pessoas têm ideias equivocadas
sobre a realidade do autismo e do autista. Selecionamos as 11 mais comuns para
esclarecer o que é fato e o que é mito no universo desse transtorno.
É fácil diagnosticar o autismo,
porque os sintomas são iguais em todas as crianças.
Mito. “O autismo pode se
manifestar por meio de diversos sintomas combinados de maneiras únicas e
complexas. O diagnóstico é
artesanal, não existe um exame clínico que o determine”, esclarece o
neuropediatra Rudimar Riesgo, professor do curso de medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(Ufrgs) e chefe da neuropediatria do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. A
neuropediatra Mônica Scattolin complementa: “Baseia-se no histórico do
paciente, na observação e avaliação do comportamento.
Existem instrumentos que auxiliam
o diagnóstico, como a escala CARS (sigla em inglês para Escala de Avaliação de
Autismo Infantil) e a entrevista ADI-R (sigla em inglês para Diagnóstico de
Autismo Validado por Entrevista)”.
A manifestação de algumas características
pode chamar a atenção de pais ou professores para a possibilidade de a criança
ser autista, mas o simples fato de ter uma ou duas (ou mesmo três) delas não
significa que o autismo esteja de fato presente. Isso entendido, são elas:
-- Atraso ou ausência da
fala
-- Isolamento
-- Prejuízo no contato ocular (não olhar nos olhos)
-- Baixa tolerância a sons altos
-- Baixa tolerância a toques
-- Não responder ao ser chamado pelo nome
-- Não apontar o que quer
-- Dificuldade na atenção compartilhada (chamar a atenção do outro para algo
interessante)
-- Movimentos estereotipados e não funcionais das mãos e dos braços
-- Inabilidade para entrar em brincadeiras de faz de conta
-- Fascínio por brinquedos que rodam ou por rodinhas dos brinquedos
-- Dificuldades exageradas com as mudanças de rotina
O autismo sempre se
manifesta nos primeiros meses de vida da
criança.
Mito. As características de autismo costumam surgir a partir do
sexto mês do bebê. Mas há casos mais complexos, como o autismo regressivo – que
se manifesta tardiamente, depois que a criança faz um ano de idade. Foi assim
com Theo, filho de Andréa. “Nos primeiros meses de vida, ele sorria, balbuciava
palavras, compartilhava o que via e sentia. Nada indicava que seria autista.
Daí ele começou a ficar diferente, parou de olhar quando era chamado, pegou
mania com rodinhas de carrinhos de brinquedo, foi perdendo as habilidades
sociais”, lembra a mãe.
Portanto, se os pais suspeitarem que o filho
é autista, qualquer que seja a fase da infância em que ele esteja, devem
procurar médicos especializados para um diagnóstico seguro e, se necessário, um
tratamento multidisciplinar (com neuropediatra, psiquiatra, fonoaudiólogo e
educador). “Quanto mais rápido o diagnóstico, melhor a evolução, pois se
trabalha o potencial da criança, criando melhores condições de sociabilização”,
assegura Mônica.
Todas as crianças autistas
têm o transtorno na mesma intensidade.
Mito. Nunca é demais ressaltar: cada caso é um caso.
“Como em qualquer outra característica humana, existem diversos níveis de
autismo. Há pessoas mais magras e mais gordas, mais altas e mais baixas, e
ocorrências de autismo mais leves e mais graves”, diz Riesgo.
As causas do autismo ainda
não são conhecidas pela ciência.
Fato. Estudos indicam que ele possa ser o resultado da
combinação de fatores genéticos, ocorrências durante a gestação e fatores
externos. Algumas pesquisas recentes também apontam para alterações cerebrais.
É impossível se comunicar
com uma criança autista.
Mito. Embora tenham, como Riesgo define, “baixa inteligência
social”, os autistas encontram meios de se comunicar com as pessoas mais
próximas e assimilam atalhos criados pelos pais ou terapeutas para facilitar a
troca de informações. Na casa de Andréa, por exemplo, Theo mostra para os pais
o que quer comer ou beber pegando cartões com desenhos de alimentos e bebidas
que ficam na porta da geladeira. “Ele não fala, mas isso não impede a
comunicação. E ele entende tudo que falamos para ele“, relata a blogueira.
Não se deve encostar em uma
criança autista, pois ela terá um ataque histérico.
Um pouco fato, um pouco
mito. Se para crianças sem
autismo já pode ser difícil ir para o colo de parentes e amigos dos pais, para
as autistas isso é quase missão impossível. “De forma geral, elas não toleram o
toque. Sentem-se desconfortáveis, ameaçadas, porque têm dificuldade neurológica
para interpretar manifestações de sentimentos e filtrar os estímulos externos,
e podem demonstrar isso gritando”, explica Riesgo. Isso não significa, de
maneira alguma, que elas devam ser “poupadas” do convívio social, como diz
Mônica: “As pessoas podem e devem interagir com crianças com autismo. O contato
visual deve ser estimulado. Como em toda relação, é preciso cuidado para não
ser intrusivo. Perceber o que incomoda o outro e respeitar esses limites”.
Crianças autistas são mais
“birrentas” que a média.
Mito. Há que se entender que as “birras” dos autistas não
representam falta de educação ou de controle por parte dos pais. Os estouros em
gritos são a expressão da frustração dos autistas por não conseguirem colocar
em palavras o que querem, o que sentem. O desabafo exagerado também pode ser um
descontrole causado por uma sobrecarga sensorial, por causa da baixa tolerância
a sons altos. “Esse mecanismo é tão forte que a sensação é de que ninguém está
no controle. A criança atinge um nível de desorganização que, mesmo que saia
daquele ambiente, terá dificuldades para ser acalmada”, afirma Mônica.
Crianças autistas gostam de
ficar sozinhas, fazendo movimentos repetitivos.
Fato. Uma das características mais recorrentes entre os
autistas é a tendência ao isolamento. Quando sozinhos, eles podem ficar
minutos, às vezes horas, brincando da mesma maneira com um carrinho, uma boneca
ou outro objeto. Também mexem mãos e braços de maneira exagerada e sem
sentido.
As escolas não podem
colocar crianças autistas em salas regulares.
Mito. Isolar as crianças autistas em salas “especiais”
não é bom, e inclusão é a recomendação corrente. Riesgo aconselha: “É
interessante que elas estejam em contato com colegas da mesma idade o mais cedo
possível. Como qualquer criança, as que têm autismo aprendem; umas mais, outras
menos, mas elas retêm as informações”.
Crianças autistas precisam
de apoio pedagógico durante a idade escolar.
Fato. As metodologias de auxílio extracurricular
oferecidas pelas escolas preparadas para incluir os autistas, segundo Mônica,
“servem para potencializar as habilidades e minimizar as dificuldades. Seu uso
é definido de acordo com o funcionamento que a criança apresenta. É importante
que a estratégia educacional leve em consideração a singularidade de cada
aluno”.
Os pais de crianças
autistas também precisam de apoio.
Fato. Esse apoio pode vir da família, de amigos, de
desconhecidos em páginas na internet que passem pela mesma situação, de livros
sobre o assunto, de terapia. O importante é os pais estarem abertos para
encarar a situação. Quando recebeu o diagnóstico de autismo de Theo, Andréa
sentiu “que o chão tinha sido tirado dos pés”. Ela justifica: “Você tem um
filho, planeja a vida dele, e nesses planos não estão incluídos obstáculos. É a
morte do filho idealizado, um processo que exige um período de luto”. Superada
essa fase, ela mergulhou de cabeça na nova realidade. Varou noites lendo livros
e buscando informações na internet e, principalmente, redescobriu o filho. “Me
reergui vendo que esta criança que está na minha frente é uma fonte de amor
infinito, por quem tenho um amor maior que o mundo”, declara.