quinta-feira, 22 de julho de 2010

DEZ MULHERES SÃO ASSASSINADAS POR DIA NO BRASIL...

FONTE: *** ÚLTIMA INSTÂNCIA.
Nossa “fábrica” da violência doméstica e, mais especificamente, seu setor chamado violência de gênero (que é a violência decorrente da cultura machista, do relacionamento desigual, da suposição do “macho” de que tudo pode contra a “fêmea”, que seria seu objeto de posse), que integra a “Holding Brasil de violência e delinquência”, ostenta uma “produtividade mortífera” impressionante, inclusive mundialmente (12ª no ranking mundial).

LEIA MAIS:
Jacqueline Sinhoretto: Elas estão mortas. O que esperar agora?

Dois casos midiáticos estão na ordem do dia (Mércia Nakashima e Eliza: esta última chegou a pedir proteção na Justiça e não conseguiu), neste mês de julho de 2010, mas por pouco tempo, claro, porque inúmeros outros virão prontamente: são 10 mulheres mortas diariamente (nesse setor, como se vê, é bastante fértil a nossa “fábrica”).
Vejamos alguns dos nossos “brilhantes resultados” (conseguidos sem grande esforço nos últimos anos): entre 1997 e 2007, 41.532 mulheres foram assassinadas: 10 por dia, perto de 4 assassinatos para cada 100 mil habitantes, conforme o estudo Mapa da Violência no Brasil 2010, do Instituto Sangari (O Estado de S. Paulo de 4/7/10, p. C6 e O Globo de 11/7/10, p. 16). A cada duas horas (e pouco) uma mulher é morta no país! 68% dos filhos assistem às agressões; 15% deles também sofrem violência junto com a mãe. Nos países europeus os índices anuais não ultrapassam, em média, 0,5 caso para cada 100 mil habitantes. Os campeões mundiais (África do Sul, por exemplo) andam na faixa de 25 mortes para cada 100 mil habitantes. El Salvador, 12,7; Colômbia: 7,8 por 100 mil. Alto Alegre, em Roraima, e Silva Jardim, no Rio de Janeiro, estão perto do topo: 22 e 18,8 por 100 mil, respectivamente. São “departamentos” da nossa “linha de montagem” bastante “operosos”. Em 50 municípios os índices superam a 10 mortes por 100 mil habitantes.
De outro lado, mais da metade dos municípios brasileiros (quase 52%) não registrou nenhum assassinato de mulher, nos últimos cinco anos. São “seções” (da nossa “fábrica”) temporariamente fora de ação. Mas em breve, certamente, em razão da forte cultura machista que ainda impera, elas entrarão em atividade. Todas as condições necessárias para seu “bom” funcionamento acham-se predispostas. A questão é só de tempo e de oportunidade. Por quê? Porque “Quanto mais machista a cultura local, mais tende a ser a violência contra a mulher” (Paula Prates, psicóloga).
O Espírito Santo é o Estado com maior “produtividade mortífera” (10,3 mortes por 100 mil), ou seja, é o “departamento” (da nossa “fábrica”) mais “competitivo” em termos mundiais (está bem perto de El Salvador: 12,7), embora esteja longe dos campeões planetários. Maranhão é o Estado que apresenta a menor “produtividade” nesse setor, o da violência machista (1,9 por 100 mil). São Paulo também conta com baixa “produtividade” (2,8 por 100 mil), considerando-se os padrões brasileiros.
Mas o quadro de “produtividade mortífera” na área da violência de gênero poderia ser pior, tendo em vista que a cada quinze segundos uma mulher é agredida no nosso país (Folha de S. Paulo). Um terço das mulheres já foram fisicamente agredidas.
Numa pesquisa de 2006 (Instituto Patrícia Galvão) perguntou-se se o homem podia agredir “sua” mulher? 16% responderam afirmativamente, ou seja, 16% crê no “direito” de correção do marido. A mulher deve suportar esse violência? 11% disseram sim. Ruim com ele, pior sem ele (20%). Esses números mostram o quanto essa “seção” da nossa “fábrica” de violência doméstica ainda pode progredir (ou seja, tem potencialidade, os fatores do seu crescimento acham-se presentes: é só uma questão de tempo).
Amartya Sen, que é catedrático de filosofia e economia na Universidade de Harvard e prêmio nobel de economia em 1998, no seu livro La idea de la justicia (tradução de Hernando Valencia Villa, Madrid: Taurus, 2010), afirma que se não podemos conseguir uma justiça perfeita, ao menos deveríamos lutar contra algumas das injustiças mais gritantes, o que significa combater (1) a opressão, retratada na escravidão assim como no submetimento e violência contra as mulheres, (2) a negligência médica sistemática, (3) a falta de cobertura (assistência) sanitária, (4) a permissividade da tortura [complacência, conivência, tal como a postura da nossa Corte Suprema em relação à lei de anistia dos crimes da ditadura], (5) a fome crônica, (6) a corrupção generalizada etc. Significa ainda lutar em favor do fim do apartheid, do fim da pena de morte etc. De todas as bandeiras levantadas pelo humanista Sen, num país em que assassinam 10 mulheres por dia não há nenhuma dúvida de que a violência de gênero (ou seja: essa “seção fértil” da nossa fábrica, fundada na cultura machista) tem que (também) merecer especial atenção de todos nós, projetando-nos uma política educativa e repressiva eficiente, na linha do que já está sendo feito com base na Lei Maria da Pena. Assassinam brutalmente 10 mulheres por dia no Brasil e ainda há juiz que (descontente com essa nossa alta produtividade mortífera) acha inconstitucional a Lei Maria da Penha!
O que mais deve ser feito? Além de incrementar os Juizados Especializados, criar mais abrigos protetivos etc., impõe-se acabar ou ao menos reduzir (drasticamente) a impunidade nesse setor. Pimenta Neves matou Sandra Gomide há 10 anos, já foi condenado e até hoje não iniciou o cumprimento da sua pena. Por quê? Porque seu caso ainda não conta com trânsito em julgado. Para alcançar esse resultado ele já ingressou com cerca de 15 recursos no STJ (Superior Tribunal de Justiça). O erro é do advogado? Não.
O absurdo está no tempo em que o tribunal demora para apreciar cada recurso. Urgentemente esse caso emblemático teria que merecer especial atenção da Justiça brasileira. Não fosse para a própria salvaguarda da sua reputação, isso deveria ser feito em respeito e homenagem a todas as quase 50 mil mulheres assassinadas neste país desde 1997 até hoje.

*** Luiz Flávio Gomes
é mestre em direito penal pela USP e doutor em direito penal pela Universidade Complutense de Madrid. Foi promotor de Justiça em São Paulo de 1980 a 1983 e juiz de direito em São Paulo de 1983 a 1998. É professor honorário da Faculdade de Direito da Universidad Católica de Santa Maria (Arequipa, Peru) e professor de vários cursos de pós-graduação, dentre eles o da Facultad de Derecho de la Universidad Austral (Buenos Aires, Argentina) e o da Unisul (SC). É consultor do Iceps (International Center of Economic Penal Studies), em New York, e membro da Association Internationale de Droit Penal (Pau-França). É diretor-presidente da Rede LFG (Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes), que promove cursos telepresenciais com transmissão ao vivo e em tempo real para todo país. É autor de vários livros (clique aqui para ver a lista completa), entre eles: Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica, Penas e Medidas Alternativas à Prisão e Presunção de Violência nos Crimes Sexuais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário