sexta-feira, 23 de julho de 2010

O VOTO DOS PRESOS PROVISÓRIOS...


Em março deste ano, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aprovou as regras, por meio da resolução nº 23.219/2010, para que os presos provisórios pudessem efetivamente exercer seu direito de voto constitucionalmente garantido.
Segundo a resolução serão instaladas seções eleitorais especiais em estabelecimentos penais e de internação de adolescentes para viabilizar o voto tanto de presos provisórios como de jovens sob medida socioeducativa de internação. Os TREs (Tribunais Regionais Eleitorais) de cada Estado, conforme também determina a resolução do TSE, vão coordenar com os respectivos juízes eleitorais a criação de seções especiais nos referidos estabelecimentos penais e unidades de internação de adolescentes.
A Constituição de 1988 garante o direito de todo cidadão para escolher seus representantes políticos por meio do voto. Com efeito, o artigo 15 do texto constitucional somente impede o exercício do escrutínio para aqueles que forem condenados por sentença criminal transitada em julgado. Isto significa que não há direito político, nos termos mais específicos da legislação penal, para os que estão cumprindo pena.
Aqui devemos destacar a distinção entre presos provisórios e condenados, que é a grande dúvida da população quando questionada sobre o tema.
Provisórios são os presos que ainda estão respondendo a algum tipo de acusação penal, seja inquérito ou processo. Neste caso, a prisão pode ser temporária, por razões apontadas e determinadas pela Lei nº 7.960/89, para crimes específicos, de natureza violenta. Também pode ocorrer a prisão preventiva, normalmente decretada quando já há o processo em andamento (ou seja, após a denúncia do promotor), nos termos dos artigos 312 e seguintes do Código de Processo Penal. Esses dois casos, por ocorrerem dentro do ambiente processual, são chamados também de prisão processual.
Outra coisa é o preso condenado, aquele que já sofreu a condenação, vale dizer, sobre o qual recaiu uma decisão judicial determinando efetivamente punição pela prática de um crime, pois há a certeza do delito.
Somente podem votar os presos provisórios, os que ainda respondem a processo e sobre os quais não incide nenhum juízo de culpabilidade. Ao final do processo, estes presos podem ser até absolvidos. Vigora para eles o princípio da presunção de inocência. E nenhum direito, salvo a liberdade, foi cassado ainda.
O voto do preso provisório não é novidade no Brasil e, em alguns estados, estabelecimentos penais já proporcionam a votação desde 2002, como é o caso de Sergipe. Nas eleições de 2008, onze estados asseguraram a votação de presos provisórios em algumas penitenciárias.
Em São Paulo, há cerca de 52 mil presos provisórios e o TRE paulista conseguiu organizar pontos para que cerca de 5.000 presos possam votar, margem bem inferior ao percentual inicialmente previsto de 30%. A questão da segurança foi imperativa para tal decisão, apenas em locais de baixo risco funcionarão seções de votação.
Esse tema da segurança é o que desperta mais preocupação em algumas pesquisas divulgadas, contudo, devemos lembrar que os presídios – e são todos, não apenas os de baixo risco – recebem visitas de familiares, parentes ou pessoas próximas aos presos e não há um índice elevado de incidentes negativos em tais situações. A visitação é controlada e as pessoas que entram não possuem nenhum compromisso cívico, apenas social ou familiar com o preso. No dia da eleição, os mesários e funcionários estarão envolvidos em uma relação de cidadania. O controle pode sim ser efetivo. Aqui basta apenas organização adequada.
Outro problema levantado – principalmente por alguns que se metem a falar sobre direitos somente sob a perspectiva formalista, tratando a ciência jurídica pelo viés da expressão “a teoria na prática é outra” – é a questão da propaganda eleitoral. De acordo com resolução, o diretor do presídio e o juiz eleitoral irão determinar as modalidades possíveis de propaganda.
Porém, temos de ser realistas: o direito não existe fora do mundo. Não adianta dizer é direito do preso provisório votar e não analisar as condições para que isso ocorra.
Uma cadeia é uma comunidade delimitada, isto é fato. Porém, seus integrantes se comunicam com o exterior por meio das visitas, por meio dos funcionários que cuidam do presídio – não estou falando de corrupção, mas da dinâmica cotidiana de levar comida, entregar coisas a que o preso tem direito etc. – e também pelos mecanismos judiciais, que exigem que o preso esteja presente em audiências e outros eventos processuais. Há comunicação com o mundo externo. E há televisão, não existem celas sem televisão, isso é uma realidade. Os presos irão acompanhar os programas eleitorais como todos.
Haverá certamente influência interna de grupos interessados, até mesmo talvez de facções criminosas. Pode ocorrer sim, não sejamos pueris na análise apenas para falar da beleza de garantir direitos constitucionais.
Todavia, a principal questão é que o exercício da cidadania brasileira, principalmente no que tange a eleições, ainda é bastante limitado em sua perspectiva da participação popular pela grande maioria de nós brasileiros. Basta nos perguntarmos em quem votamos nas eleições anteriores, ou perguntarmo-nos por que votamos em quem votamos nas eleições anteriores.
O voto no Brasil é um direito, mas é também uma obrigação! Podemos dizer, em termos de cidadania política que temos realmente uma democracia?
Talvez o tema do voto dos presos provisórios desperte tal questionamento: por que exercer direitos políticos no Brasil é obrigatório?
Certamente outra questão incidental poderá surgir e essa tem a ver com o tema da criminalidade: por que em nosso país há tantos presos provisórios? Será que nossa cultura de pensar que a prisão processual produz certa satisfação social, contribuindo com a credibilidade da justiça, é validada efetivamente? A prisão processual diminui a criminalidade? A prisão provisória segue efetivamente os critérios legais e, ressaltemos, os constitucionais ou bastam preceitos técnico-dogmáticos para sua decretação?
Não sei se seremos bem sucedidos na votação com os presos provisórios e é possível que haja incidentes desencorajadores, aguardados por grandes críticos de plantão, mas certamente o episódio servirá para questionarmos o rumo da democracia que realmente pretendemos ter em nossa pátria.

*** João Ibaixe Jr.
é advogado criminalista, sócio do escritório Queiroz Prado Advogados. Especialista em direito penal, pós-graduado em filosofia e mestre em filosofia do direito, foi delegado de Polícia e coordenador da Assessoria Jurídica da Febem. Atualmente é membro efetivo da Comissão de Direito Criminal da OAB-SP, além de professor assistente e coordenador de núcleo de pesquisa da PUC-SP.

Nenhum comentário:

Postar um comentário