O futuro Código Penal pode conceder “imunidade” aos jornalistas quanto à críticas que fizerem no exercício da profissão, se esta for considerada opinião desfavorável.
Aprovada pela comissão de juristas, criada pelo Senado para elaborar novo projeto de Código Penal, a proposta equipara a expressão de ideias jornalísticas ao mesmo plano daquela dos críticos literários, de arte e ciência, que já gozam dessa possibilidade.
Obviamente, a ampliação de um direito gera maior responsabilidade, tanto que, no debate ocorrido em março a respeito da proposta, chegou-se a levantar que o futuro dispositivo poderia ser carta branca para ataques pessoais. Todavia, o texto acabou aprovado, como não poderia deixar de o ser, após a ressalva de que poderá haver crime "quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar".
Apesar da divulgação da notícia informar que o ônus da prova ficaria invertido, ou seja, quem se diz ofendido teria que provar na Justiça que a crítica referida não é jornalística e que houve intenção de ofender,na verdade, mantém-se a orientação fundamental, em termos criminais, de que o acusador tem de fazer sempre a prova. Em nosso país, às vezes – e são muitas vezes – o acusado tem de provar sua inocência, principalmente na mídia, o que é um gravíssimo erro de princípios para um Estado Democrático de Direito. A acusação é que precisa provar o crime.
A informação aponta para a conclusão de que a comissão de juristas preocupa-se com o problema, hoje atualíssimo, da liberdade de imprensa. O relator geral designado, Luiz Carlos Gonçalves, procurador de justiça, deixou claro que "a liberdade de imprensa compreende inclusive o direito de fazer uma manifestação crítica".
Depois que a lei de imprensa foi declarada inconstitucional pelo STF, este importantíssimo tema da liberdade de imprensa e de expressão tem vindo à tona, principalmente porque os governos recentes, apesar de se dizerem democráticos, neste campo, agem de forma obscura, não aceitando muitas vezes a crítica da mídia. Um governo não é só democrático quando supõe trabalhar por questões sociais, mas quando permite também a sociedade informar-se a respeito do que acontece em seu seio, de forma clara, a fazer fluir o debate amplo, adequado e fundado de ideias.
No que tange ao texto penal, a comissão, já que divulga os trabalhos, deveria também pela mídia – e não somente pelo site do Senado – divulgar o teor do texto aprovado, o que neste caso – pelo menos eu não consegui localizar – não foi feito.
Ficaria mais fácil para a sociedade examinar previamente todas as propostas, se o conjunto de textos, já aprovado pela comissão, fosse de fácil acesso, o que permitiria melhor exame da matéria em seu todo.
Por exemplo, a notícia divulgada fala em “imunidade”, termo que tecnicamente não se aplica nestas situações. O que deve ter sido colocado no texto é uma causa de exclusão de ilicitude – ilicitude é um dos elementos do crime – para se autorizar a crítica jornalística. Supõe-se ainda que a matéria deva estar no capítulo dos crimes contra a honra, o qual, se forem mantidos os tipos atuais, trata da calúnia, injúria e difamação.
Assim, diante de expressão jornalística, a parte atacada deverá provar que houvel dolo, isto é, intenção de ofender sua respectiva honra e não o simples exercício do direito de informação. Mais uma vez destaca-se que o dsipositivo aprovado irá colaborar com a conscientização da importância e da seriedade das críticas efetivadas, exigindo muito maior responsabilidade de quem as elabora. Contribui, enfim, para um jornalismo de melhor qualidade, fundamental para o aprimoramento da cidadania no dia a dia do espaço público.
*** João Ibaixe Jr. é advogado criminalista, escritor e jornalista. Possui pós-graduação em Filosofia e mestrado em Direito. Foi delegado de Polícia e assessor jurídico da Febem, atual Fundação Casa, e coordenador de núcleo de pesquisa no Departamento de Pós-graduação em Direito da PUC-SP. Organizador do “Plano de Legislação Criminal” de Jean-PaulMarat e autor do livro “Diálogos Forenses”, é palestrante do Departamentode Cultura da OAB-SP e editor dos blogs Por Dentro da Lei e Criminalista Prático. É também membro efetivo do Núcleo de Aprimoramento Jurídico e Integração Cultural da OAB-SP e presidente do Instituto Ibaixe, criado para desenvolver estudos e eventos jurídicos, filosóficos e culturais.
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